Je Suis Charlie. Je Ne Suis Pas Charlie.
Os atentados de Paris geraram uma justa onda de revolta que uniu, com raríssimas exceções, desde a extrema direita até a extrema esquerda. Eis alguns exemplos das manifestações da nossa ilustrada esquerda:
“Religião. Esta é a última palavra para o atentado de 7/1/2015 na França, com 12 mortos, fora os terroristas, e reféns. Contra sátira, fundamentalistas optaram pela chacina. Lutero reconhecia que a religião é arqui-inimiga da razão. O cineasta espanhol Luis Buñuel observava: ‘Deus e a Pátria são um time imbatível; eles quebram todos os recordes de opressão e derramamento de sangue.’ Bingo.
Não aguentam comédia, inteligência, racionalismo, ciência e sátira. Vivem enfezados e só pensam em violência em nome de algo pseudocósmico, deístico ou divinal e que creem superior.” (Jean Menezes de Aguiar)
“O “Charlie Hebdo”e outros, como o “Canard Enchainé”, pertencem a uma tradição de imprensa malcriada que vem desde antes da Revolução Francesa. É uma imprensa que não reconhece limites nem de alvos para o seu humor corrosivo nem de coisas vagas como “bom gosto”. Lembro uma capa que ficou famosa, já não sei mais se do “Charlie” ou do “Canard”, que era a seguinte: fotos dos órgãos genitais de várias pessoas, com legendas embaixo especulando de quem seriam. Entravam na lista políticos, astros e estrelas e até o Papa.” (Luiz Fernando Veríssimo)
“Fiquei muito triste com a tragédia do Charlie Hebdo, em Paris, que resultou em 12 mortos, nesta quarta (7). Cartunista é uma parte da categoria que, na minha opinião, está acima de todos nós. Conseguem passar, através da leveza ou do soco no estômago, em poucos segundos, o que levaríamos uma eternidade para explicar com texto, áudio ou vídeo.
Em um incêndio, deveriam ser os primeiros a serem salvos. Mas, ao contrário, um punhado deles foi morto em uma chacina.
De certa forma, o que aconteceu envolvendo 12 pessoas em Paris tem ocorrido a conta-gotas ao redor do mundo pelos mais diferentes motivos.” (Leonardo Sakamoto)
Chega a ser comovente a tolerância, não é mesmo? Voltaire e John Locke certamente ficariam orgulhosos. Só tem um probleminha aqui. Defender a tolerância em relação a opiniões e expressões com as quais concordamos é fácil e, na maior parte das vezes, bastante conveniente. Difícil é manter a mesma postura frente a manifestações com as quais discordamos frontalmente.
Resta saber se a turma que escreveu essas maravilhas aí acima manteria a mesma postura extremamente tolerante em relação a eventuais sátiras cujo objeto fosse, por exemplo, considerado “bullying” contra negros, gays, comunistas e outras minorias caras aos arautos do politicamente correto. Acho difícil, já que nem mesmo Monteiro Lobato escapou da censura e da alcunha de nazista.
De minha parte, eu diria que “Je Suis Charlie” no sentido de que defendo intransigentemente e sem ressalvas o direito de eles publicarem o que quiserem e bem entenderem. Entretanto, “Je Ne Suis Pas Charlie”, no sentido de que acho o trabalho dos caras de extremo mau gosto, principalmente em relação ao desrespeito pelas crenças alheias.