Isso a Globo não mostra
A mídia brasileira chegou no esgoto mais profundo do progressismo. O americano Mark Lilla, filósofo socialista, e por isso mesmo ostentador de capital pessoal para demonstrar o quão longe foi a demência lacradora da esquerda, afirma em seu livro O progressista do ontem e do amanhã:
“O paradoxo do liberalismo identitário é que ele paralisa a capacidade de pensar e agir de maneira adequada para conseguir o que se diz querer. Vive hipnotizado por simbolismos: conquistar uma diversidade superficial nas organizações, recontar a história de modo a deslocar o foco para grupos marginais e não raro minúsculos […]” (LILLA, 2018, p. 17-18).
Há muito tempo venho fazendo troça da mídia brasileira, não porque quero destruí-la ― eu trabalho para ela e, ao que tudo indica, não sou masoquista e nem muito menos stalinista ―, mas porque ela se transformou na baby doll do progressismo mundial e, nesse processo, mero personagem pitoresco, um palhaço manco dançando axé. E, para confirmar as minhas troças, a “boa” do domingo (08/03) foi a revelação da verdadeira face oculta do transsexual Suzy, o rapaz que apareceu em evidência numa matéria especial do Fantástico no último dia 1º. Felizmente ― ou infelizmente ― minha esposa gosta de assistir à revista semanal da Rede Globo, e, naquele dia, ela me forçou a assistir ao programa sob convincentes poderes que muitas mulheres sabem usar.
Vários jornais do país ― com o atraso de uma semana ―revelaram o porquê da sentença de Suzy, decretada como sendo de 36 anos e 6 meses de prisão, sendo em 2018 revista e diminuída para 30 anos. No entanto, antes cabe deixar clara a situação emocional criada pela equipe redatora do Fantástico e até onde o jornalismo ralé pode chegar em suas sanhas; a evidente intenção da matéria era mostrar o drama e as particularidade dos transexuais dentro das prisões, endossando a cartilha progressista identitária.
Não precisa ser nenhum expert em jornalismo para entender a dramatização criada pelo roteiro e edição da reportagem especial, com o auge do sentimentalismo focado no abraço de Drauzio Varella em Suzy, a transexual que foi apresentada como uma pobre abandonada pelos seus parentes e amigos há 8 anos, isto é: 8 anos sem visitas. No caso de Suzy, na referida reportagem, nenhuma palavra foi dada sobre o crime cometido por ele; o mesmo não ocorreu, por exemplo, com o outro transexual entrevistado por Drauzio, Lolla, que foi preso por roubo e a matéria fez questão de citar. O que Suzy, a transexual que despertou o cristão que há no ateu Drauzio, fez foi o seguinte: entrou na casa do seu vizinho para roubá-lo, percebendo que o filho de 9 anos do residente estava sozinho num dos quartos, o estuprou, estrangulou e o deixou apodrecer por 48 horas em sua sala ― relato fornecido pela tia do rapaz que recebeu a confidência da boca do próprio estuprador e assassino. Posteriormente, o próprio Suzy iria confessar a atrocidade.
Durante a última semana, incentivadas por professores possuídos pelo assustador “espirito humanista” que a Vera Magalhães tanto evoca em seu Twitter, crianças escreveram cartas para Suzy ― quanta ironia demoníaca há nisso, meu Deus; além disso, Suzy recebeu presentes de todo o Brasil após muitas pessoas, com boa intenção, conhecendo somente aquelas parcas e rasas informações dadas pela matéria, tentarem fazer da realidade do trans um pouco menos árdua. Acreditem se quiserem, uma vaquinha online já havia arrecadado 8.638 reais para Suzy. O fato é que, sem demora, após as revelações, o asco natural gerado pela situação aclarada tomou as redes do país inteiro. A Globo conseguiu comover um país a abraçar um presidiário sem antes se atentar para o porquê de tantos anos de condenação ― 36 anos e 6 meses.
Não quero atentar para a atitude do médico que consolou a transexual na matéria; o ato é belo per se e, assim como a solidão de Suzy não anula o crime abissal do transsexual, o crime em si também não desgasta a caridade do ato de Drauzio. O que está em discussão aqui é o quão prejudicial pode ser um jornalismo comprometido cegamente com pautas ideológicas e catequeses identitárias. É óbvio, é evidente, é claro e transparente que a equipe redatora do jornal, dopada por suas convicções “incriticáveis”, pautou o trabalho não em uma investigação séria e jornalística, mas na mera lacração acéfala. O Fantástico estava jogando para a torcida, estava pregando fervorosamente para convertidos, buscava embarbascado o aplauso do pasto. Quando a cegueira ideológica ganha proeminência, a tragédia, a desinformação e a verdadeira chacota moral se tornam mera consequência.
As opções são as seguintes: o jornalismo global é de boteco e, como tal, não apurou minimamente a vida pregressa dos detentos que apresentariam como vítimas da sociedade; os redatores da matéria são completamente amadores e, como tal, incompetentes; ou, por fim, tal situação gerada é fruto de pura má fé de jornalistas vendidos às causas identitárias. O que ― cá entre nós ― não seria nada de anormal na história recente de militantes em redações.
Ao que tudo indica, o Fantástico deliberadamente omitiu os dados condenatórios de Suzy, já que a causa da prisão da transsexual Lolla foi apresentada sem enrolação na matéria; qual seria a lógica de levantar os dados de um detento e não dos demais apresentados na reportagem? A omissão jornalística que levou a sociedade a comprar gatos por lebres, asquerosidades por solidões desumanas, deveria ser pauta de debate e, quiçá, boicote. Ou seria eu um péssimo ser humano por não me comover com um estuprador e assassino? Fica a pergunta: e se Drauzio abraçasse o assassino de Marielle, como a mídia e os serelepes neocristãos reagiriam?
Por fim, cabe salientar: a Globo vai fazer uma matéria especial com os pais do garoto morto pela Suzy? Irá dar a mesma proeminência, emoção editorial à família vitimada? A esquerda amotinada vai fazer vaquinhas para o lar destroçado pela “coitada” da Suzy? Pelo amor de Deus, alguém aqui vai derramar algumas lágrimas pelas verdadeiras vítimas? Terá hashtag pelo menino?
Referência:
LILLA, Mark. O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias, Companhia da Letras: São Paulo, 2018