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Moraes, o senhor da história

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Que o STF tem agido de forma corporativista, já tivemos provas substanciais. Exemplo rotineiro é a frequência e naturalidade com a qual o plenário referenda absurdos e devaneios de algum de seus membros. Confissão inquestionável foi quando a corte emitiu uma nota em socorro de Barroso, agora presidente, defendendo sua celebração da derrota de Bolsonaro nas urnas. Porém, mesmo em um ambiente corporativista, às vezes pode ocorrer de haver certos atritos, em especial quando os devaneios de um dos deuses togados são surreais demais até para a aceitação de seus pares.

O caso em questão foi a discussão sobre se a derrubada das chamadas sobras eleitorais deveria retroagir para a eleição de 2022. O STF formou maioria para considerar inconstitucional e derrubar alterações da minirreforma eleitoral de 2021, aprovada pelo Congresso. Derrubadas as alterações, abriu-se a discussão e formou-se maioria no sentido de que essa derrubada não poderia retroagir e deveria valer para as próximas eleições em diante. Se a mudança retroagisse, sete deputados eleitos com a regra então vigente perderiam o mandato. Moraes, juntamente com outros três ministros, votou para fazer a regra valer para o pleito passado e retirar os mandatos dos deputados em questão.

Contudo, o que quero destacar aqui é a postura de Moraes no diálogo travado com Barroso. Em linha com o estreante Flávio Dino, ele argumenta que os deputados em questão “não foram eleitos”. Barroso replica com o óbvio ululante: “eles foram eleitos com a regra que estava em vigor quando teve a eleição”. A resposta é a de que “nós (os membros do STF) decidimos que eles não foram eleitos”. Barroso insiste argumentando que a regra que estava em vigor no pleito era aquela pelo qual foram eleitos. Um indignado Moraes diz se preocupar com o precedente que isso geraria e adverte quanto à possibilidade de o Congresso aprovar, por meio de uma mera minirreforma eleitoral, mudanças do mesmo teor no futuro. Barroso faz uma ponderação que vale reproduzir aqui: “Apenas observaria que uma mudança de regra antes das eleições é diferente de uma mudança de regra que importa na destituição do mandato de um deputado eleito pela regra que vigorava e diplomado pelo TSE”.

Não é preciso aqui entrar no mérito da revisão das sobras eleitorais; o que interessa é o que é dito e a forma como é dito. Moraes criticava a decisão da maioria formada. Argumenta, então, que o STF teria “decidido” que os sete deputados em questão “não foram eleitos”. Ora, é óbvio que não foi isso o que o STF decidiu, já que a) a maioria decidiu pela não retroatividade da decisão, conservando os mandatos de quem foi eleito no pleito de 2022 pela regra vigente, e, b) ainda que a corte tenha aparentemente poderes extraordinários e inexplicáveis, não creio que a capacidade de viajar no tempo esteja entre eles.

Já a grande preocupação de Moraes, em suma, é questionar a legitimidade do Congresso, isto é, de quem tem voto popular, em tomar decisões concernentes à esfera eleitoral no futuro. Em algum momento (2021), o Congresso aprovou uma regra, e essa regra esteve vigente no pleito de 2022. A eleição, como tanto faz questão de lembrar Moraes, ocorreu dentro da normalidade e foi legítima. Se hoje o STF decide derrubar a regra, considerando-a inconstitucional, por óbvio que isso não pode retroagir retirando o mandato de quem foi eleito com a regra anterior. O ponto mais relevante que aparece na resposta de Barroso: eles não apenas foram eleitos, mas “diplomados pelo TSE”, o mesmo TSE presidido por Moraes. Dizer que eles não foram eleitos é tornar questionável a legitimidade da diplomação, supostamente tão cara para o ministro. A verdadeira causa da indignação do nobre ministro é a recusa de seus pares (ao menos dessa vez) em aceitarem reescrever a história e atentarem contra a legitimidade, agora não só do Congresso presente (como o fazem diuturnamente), mas do Congresso passado.

Moraes, a figura mais poderosa da República, o que pode tudo, inclusive ser simultaneamente vítima e julgador, cioso de sua posição e do mando da corte que integra (mas mais do seu poder do que o da corte), que vive por aí a dar entrevistas e justificar suas decisões altamente questionáveis, que escreve decisões com toda uma linguagem panfletária que não poupa nem a formatação, quer agora também ser senhor da história. É mesmo uma posição majestosa a que almeja esse deus do Olimpo. Zeus, de fato, mas não oficial do STF, Zeus oficial e de fato do TSE, cioso da legitimidade do pleito por ele comandado, o qual não é licito (literalmente) ninguém questionar, editor número um da sociedade e também aquele com o pretenso poder e sagacidade de declarar: não foram eleitos. Eu diplomei, mas não diplomei. É a diplomação de Schrödinger.

Fontes:

https://www.poder360.com.br/justica/barroso-e-moraes-tem-dialogo-rispido-em-sessao-do-stf-assista/

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/02/28/stf-derruba-regras-sobre-sobras-mas-mantem-mandatos-de-deputados.htm

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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