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G. K. Chesterton e a simples, porém complexa arte de pensar

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Certa vez, um jornalista indagou G. K. Chesterton (1874 – 1936) sobre qual livro o escritor gostaria de ter em mãos se fosse parar em uma ilha deserta. Chesterton parou, pensou e respondeu: “Já sei! Guia Prático para a Construção de Navios”. O relato está no prefácio à edição em português de meu exemplar de Ortodoxia (2017), de Chesterton. Quem assina o belo prefácio é o jornalista Philip Yancey.

“Simples, porém complexa arte de pensar”. O título do texto parece fora do eixo, é verdade, mas era justamente assim que Chesterton pensava, na contramão da linha de pensamento de seu tempo. Com sua genial capacidade de em questão de segundos formular frases e respostas com paradoxos, o gigante inglês engolia antagonistas de suas ideias como um crocodilo devora um pedaço de carne. Gilbert Keith, outrossim, fazia como ninguém uso da ironia e do humor, como lemos no primeiro parágrafo, com seus interlocutores.

Já li e vi muitos criticarem Chesterton por suas defesas ao Distributivismo. Não entro aqui na discussão, até para não cair em anacronismo, dado o momento e o contexto em que o escritor e jornalista inglês manifestara tal opinião, bem como o fato de que Chesterton também batia de frente com marxistas. G. K. também fez lá seus elogios à Revolução Francesa de 1789, que, a partir da Queda da Bastilha, lambuzou a França de sangue, haja vista as mortes de Luiz XVI e família, com a guilhotina jacobinista. Uma revolução que usava como bandeira a luta contra a autocracia se tornou mais autocrática, porém com muito mais sangue – como escrevi acima.

Fiz questão de trazer no texto as duas observações sobre pontos dos quais discordo de Chesterton. E é nessa linha, justamente, que vamos discorrer no texto: não assassinar a reputação de um pensador por diferenças pontuais, algo que é comum no Brasil atual, em que impera a República Democrática da Opinião Única. Para tanto, como arcabouço, vamos usar dois livros do escritor inglês. Chesterton, que também era jornalista, escreveu mais de 4 mil artigos. Dizem que, enquanto escrevia um texto, ditava outro à sua secretária. Vamos lá, então…

Em O Homem Eterno (2018, pág. 9), outro clássico de Chesterton escrito como complemento ao livro Ortodoxia, ele faz uma analogia incrível sobre a importância do observar de fora para ter-se uma compreensão da realidade. O trecho está na introdução do livro:

“Há duas maneiras de chegar em casa, e uma delas é ficar por lá. A outra é caminhar e dar a volta ao mundo inteiro até retornarmos ao mesmo lugar. E eu tentei seguir o rastro de uma viagem assim em uma história que escrevi outrora. É, todavia, um alívio passar daquele tópico para outra história que nunca escrevi. Como todos os livros que nunca escrevi, trata-se de longe do melhor livro que jamais escrevi. Mas é muito grande a probabilidade de que nunca venha a escrevê-lo, por isso vou usá-lo aqui de modo simbólico, pois era um símbolo da mesma verdade. Eu o concebi como um romance situado naqueles vastos vales com encostas em declive, como aqueles ao longo dos quais os antigos cavalos brancos de Wessex aparecem esboçados nos flancos das montanhas. O romance dizia respeito a algum rapaz cujo sítio ou casinha situava-se num desses declives, e ele empreendeu uma viagem em busca de alguma coisa tal como uma efígie ou o túmulo de algum gigante. E quando estava a uma boa distância de casa, ele olhou para trás e viu que seu próprio sítio e quintal brilhando nitidamente no flanco da montanha, como as cores e quadrantes de um brasão, eram apenas partes de alguma dessas figuras gigantescas, onde ele sempre havia morado, mas que eram demasiado grandes e estavam perto demais para serem vistos por inteiro. Esse, penso eu, é um quadro verdadeiro do progresso de qualquer inteligência atual realmente independente […].” Em outras palavras, Chesterton quer dizer que é preciso haver um distanciamento do objeto de crítica para obter-se uma visão mais ampla, pois, quando se está próximo demais, a visão ou o intelecto humano não abrange a amplitude do objeto em questão.

Edmund Burke (1729 – 1797) escreveu a mais bem elaborada e impactante crítica à Revolução da França estando na Inglaterra. É bem verdade, no entanto, que sua baliza para exprimir tais críticas se encontrava na Revolução Gloriosa de 1688, de sua querida Inglaterra – embora Burke fosse irlandês. O fato é que a crítica em forma de carta foi composta de longe, fora da bolha. Sobre as bolhas da internet no Brasil, aliás, escrevi em meu livro A Filosofia do Fracasso: ensaios antirrevolucionários (2020).

Max Weber (1864 – 1920) discorreu sobre o capitalismo entre os séculos XIX e XX. Apesar de ser considerado um dos pais da sociologia junto de Karl Marx (1818 – 1883) e de Emile Durkheim (1858 – 1917), diferente do que muitos imaginam, ele não foi propriamente de esquerda. É considerado por pensadores da escola liberal, em especial o brasileiro José Guilherme Merquior, inclusive, como um “semi-liberal”. A análise weberiana sobre o capitalismo ganhou corpo quando Weber saiu da Alemanha e embarcou para os Estados Unidos. Sugiro a leitura de A Ética Protestante e o “Espírito do Capitalismo”, de Weber. O capitalismo não é perfeito e não se exime de críticas, assim como a democracia, como bem disse Churchill, em outras palavras, que esta era o “menos pior dos modelos”. Falando em democracia, Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi outro que saiu do meio de sua parentela e foi estudar sobre o tema nos EUA. Assim como Weber, Tocqueville pôde observar sua terra com outro campo de visão, com outra amplitude. É a esse ponto que Chesterton quer chegar na história que se passa no “melhor livro que ele jamais escreveu”.

Nos dias atuais, algumas bolhas da internet estão habitadas por pessoas com pensamento único, imutável. O problema não necessariamente se restringe a mudar de opinião, mas a conviver com o contraditório, com a crítica. A História nos oferece provas de que tais comportamentos de massa fomentaram o surgimento de déspotas, que usaram a manipulação e técnicas de condicionamento dessas massas, como o condicionamento de Pavlov, para se alimentarem.

É preciso que paremos e pensemos para não cairmos no engano e não nos transformarmos em uma massa de idiotas úteis. Observe que Cherterton, quando indagado pelo jornalista, antes de responder, “para e pensa”. Estamos dispostos a “parar e pensar”, saindo da polarização para a pluralização de ideias, ou estamos condicionados a repetir sempre os mesmos argumentos, agindo como papagaios de internet? Aqui caberia uma boa analogia com Mito da Caverna.

Nestes dias, leio A Trilogia Cósmica de C. S. Lewis (1898 – 1963), que foi influenciado por Chesterton, aliás. Na trama do primeiro livro da trilogia, um filólogo professor de Cambridge é levado a outro planeta. Lá, se depara com outros seres. Fico aqui a imaginar, considerando que um desses extraterrestres caísse no Brasil, qual livro – assim como o jornalista indagou a Chesterton – gostaria de ter em mãos. Talvez, quem sabe – ou até certamente -, O Guia Prático para Implodir o Brasil.

Findo o texto, e não poderia ser diferente, com um paradoxo ao estilo do Príncipe dos Paradoxos, Gilbert Keith Chesterton: precisamos exercer a simples, porém complexa, arte de pensar. Para tanto, basta sair da bolha e olhar pelo lado de fora. Termino, mais uma vez, com o mito de Platão: não acredito em nenhum “Mito”, sobretudo se vive em uma caverna, como alguns que vemos por aí – descuidando do imperativo de sair dela para exercer o salutar esforço do pensamento.

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Ianker Zimmer

Ianker Zimmer

Ianker Zimmer é jornalista formado pela Universidade Feevale (RS) e pós-graduado em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela PUCRS. É autor de três livros, o último deles "A mente revolucionária: provocações a reacionários e revolucionários" (Almedina, 2023).

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