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Feminismo e liberalismo

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Depois de muito se falar sobre o tema “feminismo” dentro da UERJ, agora encontro tempo para falar um pouco sobre o caso.

O feminismo, como pensamento político, é historicamente bastante heterogêneo (assim como o liberalismo), abrangendo várias opiniões distintas acerca dos mais diversos fatos, não apenas no que tange ao papel e às necessidades da mulher, mas também da sociedade como um todo.

Por isso, é extremamente difícil falar sobre apenas um feminismo, mas acho possível descrever o feminismo como o pensamento político que tem como objetivo a defesa de uma igualdade social, cultural e econômica da mulher frente ao homem dentro da sociedade.

O papel do feminismo foi extremamente relevante para o bem-estar da mulher. O sistema social ocidental anterior à ascensão do feminismo era da estrutura patriarcal, com o homem fazendo o papel de chefe-de-família e provedor da casa e a mulher com um papel submisso e com poucos direitos civis assegurados. A Igreja, nesse sentido, tinha um papel mais ativo na proteção física da mulher do que o próprio Estado. A política pública oficial do Estado brasileiro era a de inferioridade da mulher frente ao homem, a ponto de existir um Estatuto da Mulher Casada restringindo a cidadania dessa mulher. Até mesmo o sufrágio feminino é uma conquista do séc. XX.

É ignorado também, por grande parte do público, o papel do feminismo na libertação do homem. O sistema patriarcal também impôs um papel de sacrifício ao homem, com a obrigação de necessariamente suportar um vínculo familiar com uma mulher que ele não mais desejava e de ter um papel de financiador solitário nessa relação. A própria ideia do papel de cada sexo numa sociedade passa a ser discutida e afrontada.

Essas são conquistas da chamada “primeira onda do feminismo”, que vai até 1960, que é baseada em valores claramente liberais. A “segunda onda do feminismo”, por outro lado, recebe grande crítica liberal pelo fato de buscar promover o uso do Estado para correção de injustiças históricas no campo do trabalho e da desigualdade de fato (a desigualdade de direito já havia sido combatida pela primeira onda).

Quanto ao uso do Estado para fins instrumentais pelo feminismo, a feminista libertária Sharon Presley argumenta em artigo polêmico que o Estado é inimigo histórico da mulher e um problema, não a solução. Argumenta que legislação trabalhista “protetiva” destruiu o poder de barganha das mulheres no mercado de trabalho, que o Estado obstrui a criação de escolas e creches privadas e que entrega péssimas escolas e creches públicas e que impede a prática de aborto e o controle do corpo da mulher*.

De acordo com Sharon Presley, o feminismo busca uma sociedade sem figuras autoritárias (que, no caso feminista, seriam as figuras masculinas em geral, como pais, irmãos e maridos), e que o reforço de poder pelo Estado apenas troca a figura autoritária conhecida pela figura autoritária desconhecida. O empoderamento feminino deve ser feito de maneira individual.

Quanto a esta última visão, tenho uma crítica que considero pertinente. Me parece haver na base dessa filosofia feminista a ideia de que relacionamentos em geral são baseados na autoridade, e não no amor e no voluntarismo. Essa me parece uma visão distorcida dos relacionamentos humanos, fruto do que Foucault chamaria de microfísica do poder: cada relacionamento humano geraria uma disputa de poder entre os relacionados e que essa autoridade perversa estaria presente e se manifestando em todas as relações homem-mulher. Se essa teoria fosse verdadeira e os relacionamentos humanos estivessem baseados em poder, a sociedade como um todo estaria em constante guerra dentro de si, e não haveria espaço para a virtude em geral. Essa visão catastrófica simplesmente não coaduna com a realidade.

A terceira onda do feminismo, inaugurada em 1992 por Rebecca Walker, teria como finalidade a radicalização do feminismo e sua sinergia com as bandeiras homossexuais e raciais. Uma espécie de feminismo marxista cultural, promovendo a disputa de “microclasses” como forma de ruptura social. Como a democracia tem a tendência de promover os valores de minorias politicamente organizadas, tem havido um crescente uso de políticas públicas na promoção de valores de segmentos sociais, ao invés dos interesses da sociedade como um todo, que deveriam ser a preservação da liberdade e a isonomia perante a lei.

O feminismo não é um pensamento político esgotado, mas o modo como ele se reinventou nos últimos 20 anos, dando ênfase a valores específicos de segmentos sociais femininos, pode acabar gerando um problema que a primeira onda do feminismo buscou combater: o tratamento político desigual. Um feminismo liberal, que busca a liberdade individual, a igualdade formal e o respeito da sociedade como um todo para com a mulher, ainda é o ideal final desse movimento, de forma que ele possa abranger e cooptar não somente as mulheres, mas também os homens que entendem a importância da mulher na sociedade nos seus mais variados papéis. O conflito social com os homens apenas deixa a sociedade capenga e refém de uma política excludente, personalista e favorecedora de grupos de interesse organizados, que hoje são feministas, mas amanhã podem ser machistas.

 

*Especificamente quanto ao aborto, entendo justa a proibição da prática, visto que o ser gerado é autônomo e a questão não passa pelo controle do corpo da mulher pela própria, mas sim pela preservação da vida inocente.

 

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

Um comentário em “Feminismo e liberalismo

  • Avatar
    03/06/2014 em 12:49 pm
    Permalink

    Quando que o feminismo foi bom? E pra quem?
    Essa ideia de libertação da mulher é muito romântica, mas na prática é outra coisa. Há outras intenções por trás.

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