“F. A. Hayek e a ingenuidade da mente socialista”: resgatando um grande pensador
A coleção Breves Lições já teve dois volumes lançados: um sobre Friedrich Hayek (1899-1992) e o outro sobre Ayn Rand (1905-1982). Apresentei aos leitores deste espaço o conteúdo do segundo. Disserto agora sobre o primeiro.
Iniciativa do prezado amigo e professor doutor em Filosofia Dennys Xavier, da Universidade Federal de Uberlândia, a coleção Breves Lições, lançada pela LVM Editora, pretende ser uma série de livros dedicados a grandes autores liberais e libertários, reunindo textos introdutórios produzidos por diferentes estudiosos e pesquisadores. Tenho o imenso prazer de estar contribuindo para alguns dos volumes da coleção, e este sobre Hayek é um deles.
Fico particularmente feliz com o esforço de reunir diferentes perspectivas para trazer a um público maior as ideias e a trajetória de Hayek, por duas razões. A primeira é a de que se trata de um pensador multifacetado, amplo, capaz de abarcar diferentes ramos do conhecimento, da Psicologia social ao Direito. A breve biografia que inicia o livro dá atestado disso ao demarcar que seu maior interesse no começo da vida estava nas ciências naturais e não nas Humanidades.
O segundo é o de que Hayek ainda se encontra incomodamente escasso no mercado editorial brasileiro. Seu grande professor Ludwig Von Mises experimentou felizmente um incremento robusto de popularidade, com diversas obras lançadas em português e instituições respeitáveis levando seu nome. No entanto, sem pretender pôr lenha na fogueira de certas rivalidades estúpidas que se constroem em torno de autores, considero Hayek até mais completo que seu mestre em diversos aspectos, particularmente em sua afinidade declarada com a filosofia Old Whig, enquanto Mises não demonstrou um entendimento adequado do pensamento de Edmund Burke. Sua ligação com o pensamento burkeano está brilhantemente exposta na apresentação assinada pelo editor Alex Catharino.
O texto biográfico de Gustavo Henrique de Freitas começa trabalhando a vida e as dificuldades de Hayek, mostrando-o a experimentar dissabores românticos e um divórcio, mas alcançando reconhecimento mundial como intrépido ativista da liberdade por seus enfrentamentos com o rival e amigo John Maynard Keynes (1883-1946) e a criação da Sociedade Mont Pèlerin, reunindo grandes mentes do planeta pelo liberalismo. Têm destaque também suas vindas ao Brasil no final da década de 70, seu impacto no mundo, o Prêmio Nobel que recebeu em 1974 e uma curiosidade polêmica: sua opinião, externada por ocasião de suas visitas ao Chile do ditador militar Augusto Pinochet (1915-2006), sobre a ideia de que uma ditadura pode ser um sistema político necessário durante um período de transição, quando um outro sistema prévio acaba sendo quebrado.
Meu texto, que compreende o capítulo seguinte, é uma apreciação do contexto histórico do pensamento de Hayek, descrevendo como ele se julgava inscrito na tradição dos liberais clássicos e do whiggismo burkeano, bem como de que maneira a visão hayekiana classificava os diferentes pensadores ao longo da História pelo seu apego ou não a um racionalismo extremado, que ele considerava “construtivista”, afeito à engenharia social totalizante.
Em seguida, José Luiz de Moura traz apontamentos sobre os conceitos de liberdade, Estado de Direito e servidão – que ensejaram seu maior sucesso global, O Caminho da Servidão – na obra de Hayek, como alicerces de sua crítica ao socialismo, descrito justamente como uma ideologia estatizante e construtivista. Outro artigo destaca a perspectiva evolucionista da visão hayekiana, que enaltece – sem necessariamente torná-la um paradigma único e absoluto – a evolução das instituições e costumes, acima da razão humana, no desenvolvimento das sociedades e culturas, bem como dos códigos de moral.
Como base de toda essa percepção da organização social, o ensaio posterior trabalha o conceito de “propriedade separada”, expressão aqui preferida à tradicional “propriedade privada” por “enfatizar que a propriedade é plural e está dividida entre vários indivíduos separados, que irão competir entre si, estabelecendo a assim chamada ‘ordem ampliada’”. Esta ordem, espontânea, seria mais conducente à liberdade individual pretendida, assentando-se nos melhores valores da civilização ocidental e europeia.
O economista Fabio Barbieri elabora então uma longa tentativa de síntese do pensamento de Hayek, tratando como seu tema central, para empreender tal difícil tarefa, o problema das limitações do conhecimento humano, de seu caráter falível, o que se desenvolve no sentido da crítica ao planejamento central socialista. O tema da tradição e da ordem espontânea retorna no sétimo capítulo, que atribui a esses mecanismos os móveis mais efetivos do desenvolvimento socioeconômico, vindo no oitavo uma análise crítica da visão de Hayek acerca do desgaste semântico dos termos “sociedade” e “social”.
O nono ensaio aborda a visão hayekiana da religião, que “desempenhou um papel vital com os seus costumes e as tradições na seleção dos grupos e também sustentou a prática dos seus comportamentos”, reconhecimento que não o fez deixar de ser um agnóstico. O décimo aborda uma de suas teses mais libertárias e barulhentas: a de que deveríamos desestatizar o dinheiro e promover uma livre competição de moedas.
A professora Anamaria Camargo mais uma vez faz um excelente ensaio sobre a crítica hayekiana às inspirações igualitaristas e perigosas da expressão “justiça social”, fetiche das nossas esquerdas, e o décimo segundo capítulo se constitui de comentários sobre os apêndices da obra Os Erros Fatais do Socialismo. O encerramento, em um brilhante epílogo, é reservado, com muita justiça, ao professor Ubiratan Jorge Iorio, mestre e grande ícone da Escola Austríaca de Economia no Brasil, que empreende uma revisão resumida do significado abrangente das ideias de Hayek.
Este sorridente e espirituoso austríaco já faria muito sendo um grande economista, mas é um dos pensadores mais importantes do século XX – para alguns, o maior. Merecem, portanto, todas as palmas quaisquer iniciativas de fazê-lo refulgir também no Brasil, onde esteve pessoalmente durante o regime militar, mas em tempo em que apenas poucos ilustres poderiam recepcionar devidamente a sua obra.