Explicando a questão dos pagamentos de precatórios estaduais e municipais
BERNARDO SANTORO*
O STF está discutindo nessa semana a questão do pagamento de precatórios por estados e municípios. Talvez o leitor não esteja familiarizado com esse problema, então o IL vai explicar, tentando fugir ao máximo de termos jurídicos.
Quando um cidadão, por qualquer motivo, ganha um processo contra o estado e passa a ser credor de uma dívida estatal, ele precisa ir para uma fila receber seu dinheiro. É a fila dos precatórios. Precatório é o título que diz o quanto o estado te deve.
O problema é que, ao longo dos últimos 20 anos, estados e municípios têm simplesmente se negado a pagar esse precatório, que é um título judicial que não pode mais ser contestado. A justiça, por sua vez, sempre se negou a simplesmente tomar o dinheiro da conta do governo devedor, sob o argumento de que seria uma interferência indevida do judiciário na gestão pública.
Com isso, essas dívidas foram tomando uma proporção gigantesca. E aí vai outro grande problema: ninguém ia preso. Entra governo, sai governo, precatórios não são pagos mas os Tribunais de Contas dos Estados iam aprovando as contas públicas dos gestores, o que não faz nenhum sentido, mostrando que as decisões dos TCEs têm mais a ver com politicagem do que com contabilidade, enquanto pessoas lesadas por governos estaduais e municipais iam ficando sem seu ressarcimento.
Dado esse cenário, foi aprovada a Emenda Constitucional 62/2009, também conhecida como "PEC do Calote". Por essa Emenda, estados e municípios poderiam resgatar esses precatórios antigos através de leilões de deságios.
Funcionaria assim: eu e outro cidadão temos precatórios contra um município. O município então faz um leilão em reverso onde vence a pessoa que pede a menor porcentagem de pagamento. Se eu, por exemplo, der um lance onde eu aceito que o município me pague apenas 10% da minha dívida, enquanto o outro cidadão aceita só 15% da dívida, eu "ganho" o leilão e o município quita 100% da dívida comigo pagando apenas um décimo dela.
O STF considerou esse dispositivo da "PEC do Calote" inconstitucional. O problema é que a questão não foi resolvida e, pelos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, essa dívida tem que ser paga quase que imediatamente. Isso quebraria incontáveis prefeituras.
Então o STF está discutindo "efeitos modulares" da decisão. Explico. Quando uma decisão de inconstitucionalidade pode gerar um grave efeito sócio-econômico, o STF pode estipular medidas para que a decisão não seja aplicada de imediato, mas dentro de um determinado período, progressivamente.
A discussão agora é como fazer esses pagamentos sem destruir as contas públicas desses estados e municípios, no quais se incluem o próprio ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Em 2008, quando eu trabalhava com isso perifericamente, o governo fluminense não pagava precatórios desde 1997. E a fila não andou tanto depois disso.
Não sei a solução que será dada, mas cabe destacarmos que todo o problema é fruto de uma concepção interventora, inchada e perdulária de estado, onde o governo é responsável por uma série de competências, e tais prestações, ao não serem cumpridas, geram dívidas impagáveis, que empobrecem toda a coletividade social.
Além disso, boa parte dessa dívida provem também da criminosa relação entre governo e grandes empresas, especialmente no que tange a obras públicas, onde se vê diuturnamente o superfaturamento de projetos e desvio e malversação de recursos.
Uma administração pública enxuta e liberal, dentro de um contexto de estado mínimo e em rígida responsabilidade administrativa, onde não se pode gastar mais do que se arrecada, nunca geraria esse tipo de problema fiscal e, porque não, social.
O que se está fazendo agora é, como sempre, remendar problemas da filosofia estatista de mundo e de governo.
*DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL