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Escravidão com Liberdade

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CAUÊ BOCCHI*

CensuraNinguém pode dizer que defende ou segue qualquer princípio até que este mesmo princípio seja colocado em confronto contra si próprio. Ninguém pode dizer-se um defensor da ética, se abre mão dela em uma situação potencialmente benéfica. Por essa razão, os mensaleiros, inclusive os que se safaram ou nem foram acusados, jamais poderão invocar qualquer argumento ético, e isso é tão óbvio que não são necessárias maiores explicações. Ninguém pode dizer-se inconformado com as desigualdades do capitalismo e cobrar mais de R$ 500 mil por um show de MPB. É impossível que Caetanos e Chicos da vida sejam tão avessos à desigualdade e ao mesmo tempo exijam para si mesmos um padrão de riqueza tão elevado: o choro hipócrita não passa de hipocrisia, e lágrimas de crocodilo não são, por definição, lágrimas reais. Ninguém, por fim, pode se dizer um defensor da liberdade de expressão e na sequência calar a boca daqueles que dizem coisas que não se quer ouvir. Que o PT não goste daquilo que a Rachel Sheherazade diga não há problema algum. Também não gosto daquilo que o PT diz. O problema real é de quem se dá à liberdade de não permitir a liberdade alheia; se há uma liberdade que deveria ser censurada, é a liberdade de quem se acha no direito de censurar.

A liberdade não deve ser contingencial, porque a força da contingência pode acabar ela. Se a liberdade não é o único princípio deste mundo, deveria ser o mais forte e fundamental deles. Isso porque a liberdade nada mais faz do que permitir a autonomia para se defender o conteúdo que bem entender, justamente porque ela própria não possui em si conteúdo algum. Se o conceito kantiano de imperativo categórico faz algum sentido, ele o faz em primeiro e talvez único lugar para o caso da liberdade. A liberdade é o imperativo categórico por excelência, e digo isso em defesa, e não em desfavor, da ideia de contingência: a liberdade como princípio permite que a vida flutue ao sabor do nosso livre-arbítrio, enquanto que a liberdade como contingência deixa-o predeterminado ao sabor da vontade do mais forte, o que é o mesmo que dizer que acaba com ele. Filosofias à parte, o que interessa dizer é que podemos e devemos ser intolerantes na defesa da nossa liberdade. Não existe maior prova do amor à tolerância do que ser intolerante neste ponto.

Quando leio as reportagens da Carta Capital, tenho ânsias de vômito. Só consigo ouvir o Lula dizer que não sabia nada sobre o mensalão ao lado da privada. Em nenhum dos dois casos, contudo, defendi ou defendereique eles não digam o que bem entendam: desejo do fundo do meu coração que a Carta Capital continue fazendo a dança da foice com o martelo se há quem ainda compre isso, assim como acredito que o Lula tem todo o direito de tentar enganar todo mundo, enquanto o mundo todo ainda queiraser enganado. O que não pode é que o grupo de interesse dessas mesmas pessoas não saiba jogar o jogo quando é a vez do outro jogador. Quando digo isso, não defendo necessariamente a posição do outro jogador: não é preciso que se defendam as visões de um Bolsonaro ou de uma Sheherazade para se indignar com a censura descarada que eles sofrem. Quem concorda ou não se importa com essa censura não tem nenhum apreço pelas opiniões próprias, talvez porque não as tenham. Só relativiza a liberdade quem tem vocação para a escravidão.

É muito comum que confunda a liberdade com o politicamente correto, quando na verdade a primeira é refém do segundo. Não existe repressão mais poderosa do que aquela que nos proíbe de dizer qualquer coisa que não seja educadinha e moderna. Aprendi que é muito legal dizer que o criminoso precisa de carinho e abraço quando comete um crime. Aprendi que é mais legal ainda quando se diz que o seu delito foi culpa da sociedade opressora e desigual na qual ele vive, de modo que a suposta vítima é, de fato, a verdadeira culpada.  Aprendi que nada disso é verdade se alguém diz que o governo militar era preferível à ditadura à moda cubana: aprendi que nesse caso o Congresso Nacional deve virar as costas para esse sujeito.Aprendi que quando alguém diz que os criminosos devem ser punidos, é porque essa pessoa é ignorante e medieval.Aprendi que dizer verdades óbvias de maneira crua é o mesmo que ser vulgar e intolerante, e que dizer mentiras descaradas de maneira cândida é sinal de sabedoria e bondade. Já chegou o dia em que é proibido se indignar mais com o crime daquele que furta ou rouba do que com o crime daquele que amarra o criminoso a um poste: aprendi que quem não entende o recado perde as benesses do Estado pai. Não deve demorar a chegar o dia em que aqueles que ousem ostentar a sua riqueza em público sejam presos em flagrante: não tenho dúvidas de que o professor Leonardo Sakamoto proporia com gosto um Projeto de Lei nesse sentido. Aprendi que não existe pobreza maior do que ser rico, e que não há riqueza maior do que ser pobre. Aprendi que o limite da minha liberdade não é a liberdade alheia, mas sim as palavras educadas e vazias que não preocupam porque nada dizem. Aprendi que posso dizer o que eu bem entender, desde que o meu entendimento já tenha sido estuprado (tal como uma pesquisa mal feita pelo governo) pela burrice e ignorância de um povo que teima em ser cordeiro. Aprendi que escravidão é liberdade, e que em breve insistir em ser livre será um dos únicos modos de se parar na cadeia neste país. 

*Cauê Bocchi é Advogado e cursando de MBA em finanças pela FGV/SP. Trabalha no setor de infraestrutura ferroviária.

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