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Entrevista com o Príncipe de Liechtenstein

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Esta entrevista foi realizada por Bruno Saboia de Albuquerque em 2016 e traduzida por Juliana Santos. 

Bruno: Ok, então… Eu tenho que apresentar Liechtenstein e você (referindo-se ao príncipe) … Estou falando com
Hans-Adam, o Príncipe de Liechtenstein… Hans-Adam II. Liechtenstein é um pequeno país na Europa… o sexto
menor país no mundo, se não estou enganado… com 35.000 pessoas…

Hans-Adam II: Oh, aproximadamente 40.000.

Bruno: Ok… Cresceu um pouco… Isso é bom. E cerca de 160 metros quadrados (m²), e 11 cidades.

Hans-Adam II: Quilômetros quadrados (km²), sim…

Bruno: Ok, sim. Desculpe… 160 quilômetros quadrados… e 11 cidades? Ou Municípios?

Hans-Adam II: Sim… Aldeias, basicamente. “Cidades” é um pouco (exagerado)…

Bruno: E é um país muito interessante para mim, que estou vindo do Brasil. É muito diferente, muito bem
organizado, muito desenvolvido… e eu acredito que os políticos e as políticas que vocês implementaram aqui são
uma das maiores razões para o seu sucesso. Então, é também um país sem acesso ao mar, vocês não têm litoral.
E também, todos os seus vizinhos não tem litoral, então vocês estão duplamente sem acesso ao mar.

Hans-Adam II: Duplamente sem acesso ao mar. Sim…

Bruno: Sim… Isso é sobre Liechtenstein, então eu vou fazer algumas perguntas a você. Eu li o seu livro, a
propósito… e muito obrigado. Eu o tenho ali (apontando para o livro) … é maravilhoso, é fantástico… para mim,
foi muito interessante ver que um país no mundo pode aplicar a democracia direta dessa forma. E você fala
muito sobre autodeterminação, o que me interessa muito. Há algumas discussões sobre isso no Brasil. Então, a
primeira pergunta que eu quero fazer é: no início do livro, você menciona que as Nações Unidas almejam o
direito de autodeterminação, mas elas não explicam muito bem o que isso significa e, ao longo do livro, você
explica melhor esse conceito. Como você acha que a ONU pode alcançar o direito de autodeterminação?

Hans-Adam II: Eu já havia visto os problemas como um estudante desse princípio baseado nas cartas de
autodeterminação e direção de descolonização da ONU… como ele era aplicado e como funcionava. E eu vi,
realmente nos anos 70 e 80 que havia risco de a União Soviética se dividir. E discutimos na família: como isso
vai acontecer? Acontecerá em uma guerra civil ou em uma guerra mundial ou será pacífico ou existe alguma
possibilidade de salvar a União Soviética fazendo grandes mudanças? Descentralizá-la, longe do sistema
centralizado que ela tinha, distante do socialismo… Então é algo pelo que eu já me interessava quando era um
estudante, como solucionar isso… e eu vi o exemplo da Suíça. Como a Suíça resolveu os problemas de ter
diferentes grupos, diferentes culturas, idiomas, grupos religiosos… um país tortuoso por si só.

Bruno: Idiomas…

Hans-Adam II: Idiomas… Sim… então eu pensei que deveria ser aplicado assim… e quando Liechtenstein
finalmente tornou-se membro das Nações Unidas – eu havia insistido muito para aquilo -, meu primeiro discurso
foi sobre o problema da autodeterminação e sobre como poderia ser feita uma carta para a autodeterminação
convencional. Eu tentei começar uma iniciativa nas Nações Unidas sobre isso, mas havia muita resistência nas
Nações Unidas. Muitos dos grandes Estados e dos grandes poderes foram contra.

Bruno: Eles não querem se separar…

Hans-Adam II: Sim… e eles estão apenas mantendo seus muitos casos de sistemas muito centralizados… e você
já podia ver que a Iugoslávia ia se desmanchar… e outros poderiam se desmanchar também… guerras civis aqui…
guerras civis ali… e, assim o que eu fiz foi encontrar um Instituto de Autodeterminação em Princeton.

Bruno: Nos Estados Unidos…

Hans-Adam II: Sim… nos Estados Unidos, em Princeton. Qual foi a razão para escolher Princeton? Porque o
Presidente (Woodrow) Wilson, que introduziu a ideia de autodeterminação após a (1ª) Guerra Mundial, era
professor de Princeton. E eles tinham, e ainda têm, uma grande coleção de publicações sobre autodeterminação.
Então, era como se fosse um verdadeiro centro natural para estar, e, por isso, eu fundei um instituto lá: o Instituto
de Autodeterminação de Liechtenstein, que é bastante popular entre os estudantes.

Bruno: Há alguma conexão entre a Universidade aqui e esse Instituto?

Hans-Adam II: Não muita, na verdade… porque aqui eles se concentram em outras coisas. Aqui é muito pequeno,
então não há muita conexão.

Bruno: Então, o que eles estudam sobre autodeterminação em Princeton?

Hans-Adam II: Eles analisam estudos de caso. Ele se tornou… foi escolhido por muitos… agora, desde o início,
quando o fundei, pelos estudantes, ou os alunos da pós graduação como o mais popular ou como o segundo
instituto mais popular em Princeton… Nós temos algum conteúdo… Estamos sob suporte superior… pois, ele
também está na Escola Woodrow Wilson, que é uma parte da Universidade de Princeton. Então, nós somos parte
dessa Escola Woodrow Wilson e ele se tornou, por toda a universidade, por seus estudantes, bastante popular.
Então, eu pensei: nós precisamos primeiramente treinar os estudantes e eles podem se posicionar e isso levará
um bom tempo… mas temos que começar por algum lugar…

Bruno: Muito obrigado. Isso é interessante. Então, vamos perguntar algumas outras coisas… Uma das políticas
que Liechtenstein implementou, e que é algo bom para as pessoas, eu creio, é o conceito de concorrência fiscal.
Então, você tem comunidades locais, elas podem definir suas taxas e assim os contribuintes podem efetivamente
decidir se eles querem viver aqui ou ali… e é dessa maneira que funciona aqui. Mas você também é favorável a
um imposto integral, onde você paga uma quantia fixa, limitada. Vamos dizer 10 mil dólares ou euros por ano,
ou francos. E assim você não precisa pagar mais nenhum imposto, então é um valor fixo, e é isso. Não é
dependente da renda ou o que seja…

Hans-Adam II: Isso, nós temos que mudar. Isso foi estabelecido… eu acho… antes da Primeira Guerra Mundial,
em 1919 ou no início dos anos 20, depois da Guerra Mundial. Creio que foi para atrair empresas a
Liechtenstein. Assim, você poderia estabelecer uma empresa, você pagava uma certa quantia de imposto mínimo
e também era, na época, a maneira mais fácil para a pequena administração. Primeiro para atrair empresas, e
segundo, porque eles não tinham realmente a mão-de-obra para verificar…

Bruno: Os livros de contas.

Hans-Adam II: Sim, toda aquela burocracia. Acabou fazendo bastante sucesso. Mas, então, a pressão estava se
erguendo nos anos 80 ou 90 pela União Europeia e, em um certo nível, também pela Suíça. E assim eles disseram:
“é uma forma de evasão fiscal, e você deveria… você pode ter impostos reduzidos, mas a tributação deveria estar
relacionada ao lucro que as empresas fazem”. Assim, basicamente aquele programa foi lentamente acabando.
Ele já acabou, eu acho.

Bruno: Ok. Sobre as moedas digitais… Existem Bitcoins… E agora, o mundo pela primeira vez vê como é possível
ter moedas que não são emitidas pelos governos… Foi esse o caso durante toda a história da humidade, então
estamos vivendo em uma época muito especial neste sentido. Entretanto, Bitcoins experimentam a alta
volatilidade no mercado, e nem todos os economistas dizem que é uma moeda. Você acha que esse conceito de
moeda descentralizada é algo bom ou ruim para os governos?

Hans-Adam II: Estou de certa forma cético de que irá dar certo. Acho que é um experimento. E, como muitos
experimentos, primeiro você precisa ver: “funciona ou não funciona?” Até ideias bem-sucedidas às vezes não
funcionam porque não são aceitas pelo consumidor. Por uma ou outra razão, o consumidor está feliz com o
produto antigo e não quer ter um novo produto por qualquer motivo. Então, eu penso que é uma nova ideia, e
que vale a pena testá-la, mas de certa forma estou cético de que irá funcionar… Eu acho que as pessoas ainda
gostam de ter dinheiro em seus bolsos.

Bruno: As cédulas.

Hans-Adam II: Sim… cédulas. É um hábito. Se você olha para elas… basicamente, o que você tem na conta
bancária, já são bits, e não pilhas de papel.

Bruno: Não há físico…

Hans-Adam II: Não há mais nada físico lá.

Bruno: Apenas um número no computador.

Hans-Adam II: É um número no computador e nós já temos, a um certo nível, com cartões de crédito, esse tipo
de bits… Bitcoins, se você quiser. Então, há uma questão: o quão bem sucedido isso será?

Bruno: Sim. Obrigado. Há também, no Brasil, agora mesmo, uma situação complicada. Em relação aos motoristas
de táxi e Uber… eles estão até brigando algumas vezes com os clientes… e está dividindo o país, de certa forma…
há muitas tecnologias como Uber e Airbnb, que desregulam os mercados, por assim dizer. E o que você pensa
sobre isso? Como você acha que as pessoas podem ser beneficiadas nesses modelos desregulados, se elas
podem?

Hans-Adam II: Eu penso que sou muito favorável a desregulamentações. Elas são, de certa forma, princípios
liberais. E eu penso que Uber é um bom conceito. Parece funcionar bem, e pode ser muito eficaz. Claro, na
maioria das vezes, se você vem com um novo conceito, então você tem uma competição com o modelo antigo,
e este modelo antigo tenta suprimir você.

Bruno: Foi o caso com as carruagens e os carros.

Hans-Adam II: Correto. Foi a mesma coisa. Isso sempre acontecerá. Mas eu acho que a Uber irá prosperar. Eles
tiveram um bom começo… estão em muitos países. Isso é bom, eu penso que será bem-sucedido.

Bruno: OK, obrigado. Além disso, há um ponto interessante em seu livro. Foi muito interessante para mim. Eu
nunca havia pensado sobre isso. Então, é o “tamanho ideal do Estado”… e normalmente, nós pensamos sobre os
Estados como se eles crescessem orgânicos de alguma forma. Havia, é claro, na Europa, muitas diferenças. Se
você vir o mapa ao longo do tempo, você verá que ela mudou muito. Conquistando, dividindo, e assim por diante.
Então, você disse anteriormente, que houve uma época na história da humanidade em que o “tamanho ideal” era
grande, assim “quanto maior, melhor” era o conceito para os Estados. Mas, agora, Liechtenstein é um país
pequeno, e ainda assim é bastante bem-sucedido, é bom. Então, nós vemos que é possível ter “microestados”
que são bem-sucedidos. Entretanto, se você for para o Brasil ou outros Estados, eles não gostarão da ideia de
autodeterminação, porque eles veem como: “Ok… se for o caso, essa parte será dividida, e aquela outra parte
será dividida”. Como você acha que nós podemos minimizar isso? Se nós tivermos “autodeterminação”, como
podemos minimizar os riscos de guerra civil se um lugar não quiser ser dividido em outro. Como podemos
administrar isso?

Hans-Adam II: Uma das minhas ideias sobre toda a convenção de autodeterminação, que eu propus nas Nações
Unidas, era realmente dizer: “Ok, autodeterminação é bom, mas deveria ir na direção da descentralização”, e não
haveria reconhecimento de independência enquanto o longo processo de muitos anos não se passasse. Então,
primeiro você tem que ir atrás do antigo princípio que os britânicos tinham, que eles tomaram dos romanos:
“regra de divisão” e imperador imediato. De modo a realmente trazer autodeterminação aos povoados. Isso torna
menos provável que os estados se separem. Se o Estado está funcionando de forma mais ou menos eficiente, as
vilas e cidades ficam mais felizes de estarem dentro do Estado, porque se elas se tornam independentes elas
perdem fronteira, conexões, etc.

Bruno: Comércio…

Hans-Adam II: Comércio. Tudo isso… então, não há direção a seguir na direção da descentralização, é realmente
pensar: o que o Estado pode fazer melhor que as comunidades locais? Ou regiões, não importa, se elas querem
ser reunidas?’ Então, isso, creio eu, mantém esses Estados melhores juntos e no fim, após muitos anos, deverá
haver um processo pelo qual a independência será reconhecida. E não fazer como foi feito no passado: “se
aqueles que começam uma guerra civil são vitoriosos, nós vamos reconhecê-los, porque eles são de fato
independentes”.

Bruno: É como Kosovo, por exemplo. O que aconteceu em Kosovo…

Hans-Adam II: Sim… Basicamente, você encoraja o povo a iniciar uma guerra civil… pegar as armas… Isso foi
tentado na Iugoslávia. Então, se você, de alguma forma, pode canalizar esses tipos de energias que se rompem
repetidas vezes ao longo da história em algo em que elas… essa energia vai primeiro para mostrar a seu próprio
povo que eles fazem um bom trabalho, e se é possível reformar o Estado… Se foi possível para a Suíça, por que
não seria possível na Iugoslávia ou na União Soviética?

Bruno: Então você acha que a diferença fundamental entre Iugoslávia e Suíça é porque a Suíça é descentralizada?
Era descentralizada desde o início…

Hans-Adam II: Sim, sim. Era o único jeito de mantê-la unida. Foi descentralizada mais ou menos desde o início, e
isso foi, eu creio, uma grande vantagem na possibilidade de mantê-la unida. Caso contrário, teria se desfeito.

Bruno: Ok. A próxima pergunta é especificamente sobre Liechtenstein. Podemos considerar Liechtenstein um
Estado muito liberal. Há laissez faire, por assim dizer. É fácil abrir uma empresa e fechar uma empresa. Mas
também há algumas restrições. Eu acredito que algumas delas são impostas pelo fato de que vocês “não tem
fronteiras” entre a Suíça, então eles precisam impor isso a vocês como uma maneira de manter seu controle…

Hans-Adam II: Sim.

Bruno: Então, por exemplo… mas há alguns pontos em que há restrições. Armas, é um deles. E também, se você
quer ir à Áustria, comprar carne ou certos produtos, e retornar, então você tem alguns limites do que você pode
trazer. Então, o que você pensa sobre isso, especificamente falando, restrições às armas e restrições no
comércio?

Hans-Adam II: De modo geral, eu penso que as limitações aos revólveres e outras armas mortais é uma coisa
boa. Eu acho que o Estado tem a responsabilidade de ter certo controle sobre quem pode e quem não pode
comprar uma arma de fogo, para reduzir fatalidades. Aqui, e também nos Estados europeus, você tem que passar
em um teste, e então, somente após isso você está autorizado a comprar uma arma. Assim, eu penso que é,
basicamente, uma coisa boa. Aqueles países onde você não tem isso, como nos Estados Unidos, onde você pode
comprar tudo, você tem maiores incidentes de pessoas mortas por armas de fogo. Mais do que em países onde
você não tem essas limitações. Então, as outras limitações, claro, com a Suíça e também com nossa associação
ao Espaço Econômico Europeu, como nós somos parte de um mercado comum, nós precisamos ter certo…
respeito às normas desses mercados. Por outro lado, se a Suíça tem… A Suíça tem protegido, por razões
estratégicas, a indústria agrícola, isso voltou… antes da Segunda Guerra Mundial, porque eles tinham medo de
que fossem bloqueados pelo Terceiro Reich… Então, havia um programa e a Suíça foi capaz de alimentar sua
própria população, e consequentemente, há essa proteção ao mercado agrícola suíço. Claro, quando você
começa com isso, você tem, então, todos os tipos de grupos de pressão.

Bruno: Grupos como no Brasil.

Hans-Adam II: Sim… Quem diz: “Oh, nós temos que manter isso e só Deus sabe o que irá acontecer”. E existem
todos os tipos de outros argumentos: “Oh, é bom para a paisagem ter agricultores” etc, etc. Esses grupos são
sempre muito criativos.

Bruno: Você também tem o outro lado, que são os acordos de mercado internacional que dizem: “ah, a Suíça
está fazendo isso, mas nós queremos entrar no mercado suíço”. Então, é muito difícil, por exemplo, para os
agricultores brasileiros venderem produtos aqui, por conta de todas essas restrições. Logo, você tem duas
pressões: uma das pessoas que querem manter, claro, por motivos óbvios; e outra pressão das pessoas que querem desregulamentar o comércio, e tornar mais fácil a comercialização. E você acha que a Suíça pode se
manter assim por muito tempo?

Hans-Adam II: Sim. Eles rejeitaram, em uma votação popular, a associação no Espaço Econômico Europeu. O que
nós fazemos é… para nós, nós temos basicamente mais ou menos liberdade local. Nós não somos autorizados a
importar grandes quantidades, então não são reexportadas à Suíça. Assim, se exportamos algo para a Suíça ou
dentro do EEE, nós temos nossos jeitos de aplicar as normas do EEE se formos lá, ou as normas suíças, se formos
à Suíça.

Bruno: Ok, então você sempre aplica a mais restritiva delas?

Hans-Adam II: Não, nós aplicamos… por exemplo, para o EEE nós aplicamos aquelas regulamentações. E elas são
menos rígidas que as da Suíça em muitos casos. Suas normas de segurança são diferentes… você tem essa
regulamentação e aquela regulamentação… é uma coisa complicada, todas aquelas normas. E no EEE, como na
União Europeia, uma das grandes vantagens, e uma das metas era unificar de alguma forma todas essas
regulamentações. Para realmente ter um mercado livre: seja em produtos da indústria, seja em produtos
agrícolas, seja em serviços. Assim, nós realmente temos um mercado unificado. Ok, também, são normas
complicadas, alguns políticos e burocratas amam regulamentações complicadas, porque elas criam trabalho para
eles. Mas, de qualquer forma, pelo menos é um grande mercado. A Suíça tem mantido suas próprias
regulamentações, e foi um grande desafio para mim, nas minhas discussões com o governo suíço e com Bruxelas,
com uma comissão, explicar como nós podemos ser parte de ambas as áreas: um pé no EEE, o outro pé na área
econômica suíça, e nos certificar que nada seja subvertido. Nós dissemos: “Somos um país pequeno, e podemos
controlá-lo. Nós sabemos quem irá importar o quê, quem está produzindo o quê aqui, e nós podemos conferir,
se você quiser conferir, mas nós temos nossa própria administração, que irá verificar se as empresas em
Liechtenstein confundiram as regras dependendo de para onde elas querem exportar…”

Bruno: Então esse tamanho pequeno foi muito bom. Foi uma vantagem, nesse caso…

Hans-Adam II: Sim. O tamanho pequeno, nesse caso, foi muito bom. Eles chegaram à conclusão de que “por
Liechtenstein ser tão pequeno, é mais fácil verificar”, e eles disseram: “Na Suíça… até mesmo se alguns suíços
vêm aqui e compram coisas que são regulamentadas, digamos, carne ou o que for, ou alguns produtos que não
se aplicam às nossas regras, não irá atrapalhar nosso mercado, porque nós não podemos, de qualquer modo,
verificar se algum turista trouxer isso, nós não podemos controlar todas as pessoas”.

Bruno: Então… indo para esse lado novamente. Essa é uma vantagem, mas talvez exista uma desvantagem que
é… o que eu penso, eu chamo dessa forma, uma lei concorrente. Porque, por exemplo, a Suíça permite o aborto,
e Liechtenstein proíbe, mas é muito difícil controlar se alguma cidadã daqui quiser fazê-lo, pois é só cruzar a
fronteira. Então, como pode… porque, provavelmente nós teremos Estados menores se a autodeterminação for
aplicada. Como os Estados poderão, assim, aplicar aquelas regras a fim de tentar evitar isso?

Hans-Adam II: Isso já era um problema em Estados maiores na Europa. Você tinha diferentes normas sobre o
aborto de um Estado para o outro, logo, nós tínhamos o turismo do aborto, e ainda temos…

Bruno: Nosso turismo de drogas…

Hans-Adam II: Turismo de drogas também… Por exemplo, eu lembro que a Hungria era muito liberal com o
aborto, enquanto a Áustria e a Alemanha não eram. Então muitas mulheres foram fazer seus abortos na
Hungria… muito difícil controlar, e é isso. Mas basicamente, as leis, no principal sentido, precisam seguir, em
uma democracia, o desejo da maioria das pessoas e em Liechtenstein nós não queremos ter clinicas de aborto.
Isso foi algo que foi…

Bruno: Eu penso o seguinte sobre isso: você tem esse aborto e você não quer ajudar, digamos assim. Então, não
seria melhor ao invés de proibir… porque assim você pode cruzar a fronteira de qualquer forma. Não seria melhor
aplicar algum tipo de ajuda ou auxílio, auxílio psicológico, para as mães que querem abortar e criar grupos e
coisas do tipo?

Hans-Adam II: Sim… isso nós também fizemos. Havia organizações privadas e assim por diante. E nós também
começamos uma. Juntas, minha esposa com minha nora, quando essa discussão começou na Suíça também… e
ainda havia um grupo aqui que disse: “Nós devíamos ter o mesmo. Nós também deveríamos liberalizá-lo”. Então
houve uma discussão, e também no parlamento, e então, nós dissemos: ‘Ok vamos ajudar aquelas pessoas que
têm uma gravidez indesejada”. Eu acho que você tem que ajudá-las, se elas não quiserem ter a criança, nós
dizemos: “Ok, nós vamos financiar você, e assim você pode dar a criança de uma forma ou de outra para ser
cuidada etc.”.

Bruno: Este é um assunto complicado, mas sim. Eu creio que, no fim, isso é o melhor para a mãe e o Estado. Você
está perseguindo essas convicções como um Estado que não quer ser parte disso, e você está ajudando as
pessoas que querem… Acho que, no final, é uma boa abordagem.

Hans-Adam II: Sim.

Bruno: Então, você também cita no seu livro uma frase muito famosa de JFK: “Não questione o que seu país pode
fazer por você, mas questione o que você pode fazer pelo seu país”. Depois disso, você diz que não deveria ser
desse jeito. Deveríamos ter o oposto. Assim, você deveria perguntar “O que o Estado pode fazer por mim?”, e o
Estado tem que perguntar: “O que eu posso fazer pelo povo que as empresas, ou o que seja, não podem
proporcionar?” Então, educação é algo que o Estado deveria fornecer, como você menciona no livro. Mas, por
exemplo, se você pegar o caso do Brasil, a educação é muito relativa a um “grande Estado”, eles são contra
empresas. Porque, por razões óbvias, o governo pode controlar a educação, assim ele pode ser maior através da
educação. Então, é um ciclo ruim, por assim dizer… Logo, como podemos evitar o uso da educação para propagar
ideias como “um Estado maior é melhor”?

Hans-Adam II: Eu acho que você nunca irá eliminar isso completamente. Até mesmo em escolas privadas, até lá,
os professores possuem suas certas ideias e elas podem se tornar as ideias dominantes. Creio que, em certo
nível, você… Eu acho que você está provavelmente se referindo, não muito, a que eles deveriam expandir ainda
mais, um pouco como foi a União Europeia, que eles deveriam expandir e se tornarem os Estados Unidos da
Europa. Mas provavelmente o que você quis mesmo dizer é que o Estado deveria assumir mais papéis.

Bruno: Exatamente! Sim, foi o quis dizer.

Hans-Adam II: Essa, creio eu, é a razão pela qual escrevi o livro. Eu pensei que o Estado havia ido muito longe –
até mesmo em Liechtenstein. E até mesmo aqui nós fomos capazes, de alguma forma, de privatizar um pouco e
assim voltar a um certo recuo. Mas acontece que é bastante difícil convencer o povo. Eu sempre digo: “Eles
substituíram Deus pelo Estado”.

Bruno: Sim, o Estado é um semideus; você também diz isso no livro.

Hans-Adam II: Eles esperam que o Estado solucione todos os seus problemas, e cuide deles, e crie o paraíso na
Terra, o que é irreal. Então, é algo que tem sido enraizado na cabeça das pessoas, e que é apoiado pela
propaganda, em certo nível. É também é algo que é, em certo grau, um produto da democracia. Você,
normalmente, vence eleições prometendo apoio para esse grupo, ou aquele grupo, etc. E apenas poucas pessoas
precisam apoiar. Somente os 10% mais ricos têm que pagar por isso, e vocês terão todos os benefícios disso. É
dessa forma que se vence eleições. E isso me preocupa, porque estou convicto sobre a democracia. Mas se você
vai mais e mais nessa direção, algum dia, toda a democracia irá entrar em colapso novamente. Muitos exemplos
ao longo da história, inclusive na democracia latino-americana… os Estados crescem e crescem, e então, certo
dia entram em colapso, e assim pedem a um ditador para salvar o Estado. Seja um militar ou alguma outra
personalidade, e todo o ciclo recomeça.

Bruno: Aconteceu no Brasil em 64. A população pediu aos militares para salvar o país do comunismo. Está
acontecendo novamente, em algum grau, então nós vemos que, como você disse, a história se repete.
Esperamos que isso não ocorra de novo. Mas sim. É difícil convencer as pessoas sobre isso. Eles realmente
querem ser totalmente assistidos pelo Estado.

Hans-Adam II: Sim. Do nascimento ao túmulo o Estado deve cuidar deles. É difícil mudar a mente das pessoas, a
um certo nível. Aqui foi mais fácil, porque em um Estado pequeno há mais transparência e as pessoas sabem que
o Estado não é capaz de fazer tudo. E, felizmente, também é assim na Suíça, e isso é algo que talvez seja, até
certo ponto, peculiar a pessoas que vivem nas montanhas ou em áreas mais isoladas. Lá o Estado não alcança
tanto. Eles possuem a tradição de serem autossuficientes.

Bruno: Interessante…

Hans-Adam II: Eles sempre foram utilizados e unidos de forma totalmente independente. Eles lutariam por
independência. Foi por isso também que a Suíça… os montanhistas, as pessoas das montanhas lutaram contra
os Habsburgos, que eram originalmente suíços, contra o Império Habsburgo que queria se tornar maior e mais
centralizado. Eles os derrotaram nas montanhas… e também alguns outros que tentaram invadir a Suíça. Esses
e muitos outros atos com esse, houve mais de uma história nessas áreas de montanhas. Também, onde, talvez,
há muitas ilhas, onde eles precisam cuidar de si mesmos. Lá é mais fácil de apresentar… e lá você também tem
uma democracia de forma mais direta.

Bruno: Nas montanhas…

Hans-Adam II: Nas montanhas e também em organizações tribais. Na idade da pedra, havia pequenos grupos, e
eles tinham um chefe. Mas eles tinham um grupo de homens, geralmente, que se reuniam e decidiam, então
você tinha uma certa forma de democracia direta. Algumas vezes, as mulheres também, dependendo da
organização tribal. Então, era basicamente assim que era feito nos velhos tempos. Isso desapareceu lentamente
naqueles Estados em que tinham grandes sociedades agrícolas. Você poderia ver onde agora está o Iraque, e
nessas áreas…

Bruno: Império Persa…

Hans-Adam II: Império Persa, Romano, e assim por diante. O Egípcio tornou-se altamente centralizado. Assim,
aquelas civilizações tornaram-se centralizadas por inúmeras razões, porque era uma vantagem para armazenar,
treinar e eles tinham que se proteger, e tinham que ter comércio. Todos esses tipos de coisas. E eles tiveram que
ser protegidos de novo etc. Então, isso veio… e com isso veio uma coisa militar… e no sentido militar, o maior
exército era geralmente mais poderoso que um exército pequeno, assim os grandes exércitos costumavam ir
para países pequenos. Então, foi nessa direção.

Bruno: Mas você acha que existe, de alguma forma, uma gravidade em relação ao poder centralizado?

Hans-Adam II: Sim…

Bruno: É o modo natural, por assim dizer, normalmente vai nessa direção. Então, nós temos que combater isso?

Hans-Adam II: Sim. Esse foi, eu acho, o modo que nós vimos, basicamente, desde 1000 a.C., algo assim… você
pode ter tido pequenos “altos e baixos”, mas geralmente quando o… por exemplo, se o defensor estava em uma
posição de defender a si mesmo, como cidades distrito ou fortificações como esta, logo, se você pudesse se
defender melhor com um grupo pequeno contra um exército maior, pequenos Estados sobreviveriam. Ou
grandes Estados descentralizados, como o Sacro Império Romano, sobreviveram, porque não centralizariam
realmente o poder.

Bruno: É também uma razão geográfica, porque assim você não pode fazer as tropas cercarem. É mais difícil…

Hans-Adam II: É mais difícil, porque poucas pessoas podem bloquear um caminho. Portanto, o Sacro Império
Romano era muito descentralizado, porque na Idade Média, havia castelos e assim por diante, e a defesa estava
em uma melhor – bastante boa – posição. E não era tão fácil transportar grandes tropas por longas distâncias e
abastecê-las, porque o sistema rodoviário não era tão bom. Para os romanos, era bom. Esse era um dos segredos
do Império Romano, que o sistema de transporte funcionou, e quando o transporte, em larga escala, entrou em
colapso, não havia mais estradas eficientes, começou a decair. Então esse era um fator que estava a favor dos
impérios descentralizados da Idade Média. Quando a artilharia apareceu, aquelas guerras, guerras urbanas, não
usavam mais proteção, e esse foi o fim de Constantinopla. E ela se tornou Istambul, porque os turcos eram muito
bons na artilharia – ajudados pelos franceses, na época – com grandes canhões, como exportações francesas
que eles traziam para mercenários; e destruíram as muralhas da cidade de Constantinopla. Então, essa mudança
pressionou os turcos, que subiram para Viena. Eles foram derrotados. Mas então, descentralização romana. E
agora nós vemos novamente, creio eu, uma mudança. Porque uma vantagem dos grandes Estados era também
uma vantagem econômica, porque você tinha comércio dentro dessas grandes áreas. Estados pequenos com
todas essas restrições comerciais e protecionismo não têm um mercado grande o suficiente para se
desenvolverem industrialmente, e tornarem-se industrializados. Mas agora, como o livre comércio está
chegando, essa é novamente uma vantagem para os pequenos Estados, e portanto, obtivemos sucesso. Com
coisas como as Nações Unidas, entre outras… e áreas de paz, onde você não deveria mais ter permissão de atacar
outro país. Claro, tem a Rússia. Pará-la é um pouco difícil.

Bruno: Ok… você já respondeu a maior parte da próxima pergunta. Mas quais você acha, atualmente, que são
os pontos fortes, e quais seriam os desafios de Liechtenstein no futuro?

Hans-Adam II: Eu acho que a força é que nós temos uma burocracia pequena, baixa tributação, boa educação
para o povo. As políticas, eu diria, estavam sempre perto dos problemas, portanto, também estavam perto das
soluções dos problemas. Eu me lembro que nós tivemos um chefe de governo nos anos 50 que era muito bom.
E então veio, eu acho, era na época ou o chanceler alemão ou o líder de… outro… eu acho que de Bruxelas… na
época, no início dos anos 60, era sempre: “Quanto maior, melhor!”, e a sabedoria predominante era: “A Europa
se tornará os Estados Unidos da Europa, nós temos que nos unir, Estados pequenos não têm futuro”. Em uma
ocasião esse político disse: “Como você vê o futuro de Liechtenstein? Você não pode solucionar todos os seus
problemas; você é pequeno demais. Você precisa se unir um dia ou outro a essa União Europeia”. Ainda não era
chamada de União Europeia naquela época. Comunidade Europeia, acho que era como se chamava. Então, nosso chefe de governo disse: “Nós solucionamos nossos problemas antes mesmo de você ter percebido
que você terá um problema desses”. Não foi uma resposta muito diplomática. O convidado ficou um pouco
ofendido. Meu pai começou a rir dessa resposta e ele adorou a resposta. E acabou sendo a correta. Com
trabalhadores locais e duplamente com trabalhadores convidados, o que, eu creio, é bastante incomum… para
não falar dos austríacos, até mesmo alguns alemães vêm todos os dias trabalhar aqui. Então, eu acho que isso
mudou muito através desses livres comércios economicamente… e politicamente, acho que também é uma
vantagem. Claro, nós não poderíamos nos defender. Não temos exército. Foi extinto no século XIX. Um
antecessor meu o extinguiu. Com uma centena de pessoas, você não pode defender um país. Mas, enquanto a
Europa estiver em paz, estamos prontos para viver em paz aqui na Europa, eu creio que as vantagens são maiores
que as desvantagens. Para países mais amplos, eu acho que você pode alcançar a mesma coisa, mas com forte
descentralização. E esta foi basicamente a razão pela qual eu escrevi, também, o meu livro. Porque eu não quero
ter. Direi de uma vez… Eu não quero ter mais concorrência nos Estados pequenos. Melhor ter grandes Estados,
descentralizados, se tornando mais competitivos, porque isso ajuda também. E foi para isso. Isso, creio eu, seria
o papel pelo qual se desmoronar de novo, pode não ser um processo pacífico. Pode haver guerras civis, e assim
por diante.

Bruno: Você acha que o fato de a Europa estar cercada de diferentes culturas irá de alguma forma… isso ajuda,
por assim dizer, o fato de que você pode ter guerras civis, porque você tem opiniões tão diferentes sobre o
mundo, então você acha que é possível ter guerra aqui novamente, ou as pessoas têm muito medo disso e elas
aprenderam a lição, digamos assim?

Hans-Adam II: Meu pai me disse que após a Primeira Guerra Mundial as pessoas estavam convencidas de que
“Não haveria mais guerra na Europa”. Então, eu não tenho certeza. E o fato é que guerra civil nós tivemos agora
na Ucrânia. Basicamente, de novo, a luta é aqui e ali.

Bruno: E você tem a crise dos imigrantes, também.

Hans-Adam II: Nós temos a crise dos imigrantes, também.

Bruno: O que pode trazer algo desse fervor do nacionalismo. O que é provavelmente, como você disse no livro,
um dos maiores motivos para a guerra. Então, talvez esse seja o fantasma, de alguma forma…

Hans-Adam II: É o fantasma. Sim. Portanto, eu pensei que alguém tinha realmente que fazer algo para ir na
direção certa. E através da globalização, nós não somos… se você olhar o mapa, a Europa ou a Europa Ocidental é muito pequena. E se você olhar para o resto do mundo… se você olhar para a África ou o que seja… eles são
grandes, têm grandes populações. Ásia… se eles têm problemas lá, nós teremos os refugiados aqui, nós teremos
o terrorismo aqui, nós teremos todos esses problemas, por conta da globalização, aqui também. Então esse é
um grande desafio.

Bruno: E uma última pergunta. O Brasil, agora mesmo, como você sabe, está passando por uma crise, uma crise
muito difícil. Que conselhos você daria para a Dilma Rousseff, a presidente, no sentido de tentar minimizá-la e
voltar para o caminho certo?

Hans-Adam II: Bem, eu acho que sempre é muito difícil aconselhar outros políticos em países estrangeiros, pois
eu não sei o suficiente sobre eles. Especialmente, nesses níveis mais elevados: “Quais são os problemas? Quais
são as possibilidades para solucioná-los?”. Até mesmo aqui em Liechtenstein não foi tão fácil resolver alguns
problemas, porque havia muita resistência no lado político.

*Bruno Saboia de Albuquerque é formado em economia pela UFC (Universidade Federal do Ceará) e trabalha no BIS (Bank for Internacional Settlements) na Basiléia, Suíça.

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