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Entre UDNs e “UDNs”

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Alguns dos principais veículos jornalísticos brasileiros afirmaram que Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) estaria pretendendo levar o “clã Bolsonaro” para uma nova versão da antiga União Democrática Nacional, com vistas a se desligar do PSL e conseguir ter mais controle e autonomia no suposto novo partido.

A ideia teria surgido depois de despontarem as acusações que pesam sobre o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebbiano, de ter destinado irregularmente fundos a candidatas “laranjas” em Pernambuco como presidente do partido. O próprio filho do presidente negou nesta segunda-feira (18) a informação.

De fato, desde que Eduardo se encontrou com Steve Bannon, líder do “Movimento”, uma coalizão de partidos e grupos políticos internacionais cujo propósito é defender uma retórica populista e “soberanista” contra o globalismo político – sem grande preocupação com os valores liberais ou democráticos, diga-se de passagem -, ele fala na necessidade de um novo partido. Nunca, entretanto, mencionou a intenção de ir para uma nova UDN.

Seja como for, desde pelo menos 2016 existem em curso tentativas de fundar partidos que resgatem o nome da antiga UDN. Uma dessas iniciativas foi feita em Brasília. Outro grupo de ativistas relativamente desconhecidos no Espírito Santo estaria articulando o mesmo projeto e seria a esse núcleo a referência feita pelos jornais neste domingo (17).

A UDN era um partido de diferentes faces e contradições, porque nasceu como uma grande frente de oposição a tudo que o varguismo e o estadonovismo representavam. Em seu início, para se ter uma ideia, havia socialistas na legenda, membros da chamada “Esquerda Democrática” – que saíram rapidamente para fundar o Partido Socialista Brasileiro. O processo histórico fez com que o partido congregasse principalmente forças descentralizadoras, de inspiração liberal e constitucionalista, com ênfase na moralização da administração pública e no anticomunismo. Isso fazia da UDN, ao mesmo tempo em que abrigava nomes egressos do tenentismo descontentes com o caminho que Getúlio Vargas deu à Revolução de 30, a maior legenda a abrigar lideranças com as ideias mais similares àquilo que hoje identificamos com o pensamento liberal conservador.

Falar em um “udenismo” puro é, de fato, de alguma sorte, uma simplificação. Sob a égide da UDN estavam, ao mesmo tempo, a “banda de música”, grupo dos tribunos combativos e estridentes, da estirpe de Carlos Lacerda, Afonso Arinos e Aliomar Baleeiro, abrigando-se em seu seio – particularmente da tendência lacerdista e da tendência liberal mineira – a identidade mais marcante e simbólica da UDN, e a “bossa nova” de um José Sarney (!). Não se pode dizer que a UDN era o partido mais coeso ou mais congruente do mundo, portanto.

Se, porém, alguém cogita resgatar a marca da UDN para um projeto político, carece de lógica que o faça procurando evocar a “bossa nova” ou os chamados “chapas brancas” – aqueles que costumavam cooperar mais com os projetos dos partidos varguistas no governo e tentavam “domesticar” a índole oposicionista do udenismo. Se o que se quer é resgatar um símbolo, a meta será, depreende-se, inspirar-se em sua faceta mais representativa. Quando se fala em UDN, não se pensa nos oligarcas nordestinos ou nos políticos pusilânimes que também tomavam parte na legenda; pensa-se no projeto de Carlos Lacerda, no discurso de Afonso Arinos referindo-se ao governo Vargas como um “estuário de lama e sangue”, na pressão virulenta contra as medidas inflacionárias do governo Kubitschek.

Se um governo ou qualquer liderança quiser encampar de alguma forma a marca e o legado da UDN, deve se inspirar na substância desses ideais. Especificamente tomando por exemplo o ícone maior e mais popular da UDN em seu tempo e na memória histórica, Carlos Lacerda, para alguém se dizer um udenista de estirpe lacerdista nos dias de hoje, não creio que bastaria estampar um nome.

Seria preciso, em primeiro lugar, reproduzir o horror de Lacerda por qualquer coisa que sequer cheire a nepotismo ou a dar influência a familiares nos rumos do governo. Lacerda chegou a afastar parentes de cargos para preservar essa imagem. Por essa lógica, deixar filhos “fritarem” ministros de Estado nos espaços de expressão do presidente da República, quando não foram eleitos para isso, por mais culpados que os ministros sejam, nem pensar.

Seria preciso, sim, ser anticomunista e defensor de que se combatesse a deformação do ensino em favor de ideologias totalitárias, mas reconhecendo que não vale a pena enaltecer nenhuma forma de autoritarismo como substituição ideal e sim perseguir sempre a melhor materialização da democracia liberal que o país pudesse experimentar – ciente de que a democracia parte da convicção na “relatividade das soluções”. Apoiar movimentos que contemplam a “democracia iliberal”, como Steve Bannon faz em relação ao húngaro Viktor Orbán, como algo bonito apenas por ser “antiglobalista”, nem pensar. Lacerda foi enfático contra a aliança entre Eduardo Gomes, como candidato presidencial, e os integralistas de Plínio Salgado, dizendo que unir-se a eles apenas por terem a esquerda e o varguismo como adversários em comum não passaria a mensagem correta.

Seria preciso reconhecer, aliás, para começo de conversa, que o regime militar foi uma traição ao autêntico movimento de 1964 e que os militares, com a prorrogação de seu sistema político estabelecido pelo que chamaram de “Poder Revolucionário Constituinte”, destruíram a carreira política de Lacerda e tudo que o udenismo lacerdista efetivamente significava e poderia vir a significar. Estariam prontos, os que se pretende que se encampem sob sua insígnia, para admitir tudo isso?

Será que os políticos de hoje resgatariam uma UDN, neste momento político, com fidelidade a esses princípios e aceitando esses fatos e linhas-mestras sem pestanejar? Já imaginaram uma UDN com um ex-ator pornô que sugeriu nas redes sociais a agressão a imigrantes venezuelanos? Ou uma UDN com “democratas iliberais”, simpatizantes de Orbán, que minimizam as prioridades econômicas e estruturais do país? Uma UDN com militantes de Twitter que montam “listas de falsa direita” para demolir a reputação de qualquer um que faça alguma crítica ao governo? Ou com deputados que se elegem criticando o comunismo e apoiando a ideia de um governo de direita, mas vão logo depois para a China do Partido Comunista com tudo pago para aprender sobre mecanismos de vigilância – e pior: dizem que a China é mais aceitável porque tem um “socialismo light”?

É um risco que se correria. Vale muito resgatar a história da UDN e os seus melhores e mais atuais princípios, mas talvez seja melhor resguardar seu nome. Como me disse um amigo e udenista histórico, melhor deixar a boa e velha UDN viver apenas em nossos espíritos, como inspiração e referência, e deixá-la descansar em paz.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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