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Entenda as diferenças entre a Escola Austríaca e a Escola de Chicago de economia

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Há algum tempo vejo que seguidores do liberalismo têm tido grandes dúvidas sobre as diferenças que separam a Escola Austríaca e a Escola de Chicago de economia, seja pelas suas congruências de ideias, seja pela contemporaneidade de ambas as escolas.
 
Começando pelo começo, a separação de ambas as escolas já parte do princípio de ortodoxia e heterodoxia na questão econômica.
 
Com ênfase em dados empíricos para análise ao invés de focos teóricos para o estudo econômico, focando no que foi chamado de “Expectativas Racionais”, a Escola de Chicago adotou uma linha ferrenhamente ortodoxa, reconhecida por análises concretas de evidências. Em uma definição mais concreta, a Escola de Chicago pode ser caracterizada como: “um profundo compromisso com o estudo rigoroso e debate acadêmico aberto, uma crença intransigente na utilidade e visão da teoria de preços neoclássica e uma posição normativa que favorece e promove o liberalismo econômico e os mercados livres.”
 
Na Escola Austríaca, o pensamento heterodoxo se baseia no individualismo metodológico, o conceito de que os fenômenos sociais resultam exclusivamente das motivações e ações dos indivíduos.

Retomando Chicago, o termo foi criado na década de 1950 para se referir a economistas que lecionavam no Departamento de Economia da Universidade de Chicago e a áreas acadêmicas estreitamente relacionadas na Universidade, como a Booth School of Business e a Law School. Eles se reuniram em discussões frequentes e intensas que ajudaram a definir uma visão do grupo sobre questões econômicas, com base na teoria dos preços. A década de 1950 viu o auge da popularidade da escola keynesiana de economia, de modo que os membros da Universidade de Chicago foram considerados fora da corrente dominante.

Além do que é popularmente conhecido como “escola de Chicago”, há também uma “Velha Chicago” ou a escola de economia de primeira geração de Chicago, consistindo de uma geração anterior de economistas como Frank Knight, Henry Simons, Lloyd Mints, Jacob Viner, Aaron Director e outros. Esse grupo tinha diversos interesses e abordagens, mas Knight, Simons e o Director em particular defendem um enfoque no papel dos incentivos e na complexidade dos eventos econômicos, em vez do equilíbrio geral. Fora de Chicago, esses primeiros líderes foram influências importantes na escola de economia política da Virgínia. No entanto, esses estudiosos tiveram uma influência importante no pensamento de Milton Friedman e George Stigler, que foram os líderes da escola de segunda geração de Chicago, principalmente no desenvolvimento da teoria dos preços e da economia dos custos de transação. A terceira geração da economia de Chicago é liderada por Gary Becker, bem como pelos macroeconomistas Robert Lucas Jr. e Eugene Fama.

Retornando à nação que criou o schnitzel, a Escola Austríaca deve seu nome a membros da escola histórica alemã de economia, que argumentou contra os austríacos durante o Methodenstreit (“luta de metodologia”) do final do século 19, em que os austríacos defenderam o papel da teoria na economia como distinto do estudo ou compilação de circunstâncias históricas. Em 1883, Menger publicou Investigações sobre o Método das Ciências Sociais com Referência Especial à Economia, que atacava os métodos da escola histórica. Gustav von Schmoller, um líder da escola histórica, respondeu com uma crítica desfavorável, cunhando o termo “Escola Austríaca” na tentativa de caracterizar a escola como rejeitada e provinciana. O rótulo perdurou e foi adotado pelos próprios adeptos.

A escola teve origem em Viena, ainda no Império Austríaco. O livro de Carl Menger de 1871, Principles of Economics, é geralmente considerado a fundação da Escola Austríaca. O livro foi um dos primeiros tratados modernos a promover a teoria da utilidade marginal. A Escola Austríaca foi uma das três correntes fundadoras da revolução marginalista da década de 1870, com sua principal contribuição sendo a introdução da abordagem subjetivista na economia. Apesar dessa afirmação, John Stuart Mill usou o valor em uso neste sentido, em 1848, no livro Principios da Economia Política, como pode ser observado no trecho abaixo:

“Valor em uso, ou como o Sr. De Quincey o chama, valor teleológico, é o limite extremo do valor de troca. O valor de troca de uma coisa pode ficar aquém, em qualquer quantia, de seu valor de uso; mas que pode exceder o valor em uso, implica uma contradição; supõe que as pessoas darão, para possuir uma coisa, mais do que o valor máximo que elas mesmas atribuem a ela como um meio de satisfazer suas inclinações.”

Embora o marginalismo fosse geralmente influente, também havia uma escola mais específica que começou a se aglutinar em torno da obra de Menger, que veio a ser conhecida como “Escola de Psicologia”, “Escola de Viena” ou “Escola Austríaca”.

As contribuições de Menger para a teoria econômica foram seguidas de perto pelas de Eugen Böhm von Bawerk e Friedrich von Wieser. Esses três economistas se tornaram o que é conhecido como a “primeira onda” da Escola Austríaca. Böhm-Bawerk escreveu extensas críticas a Karl Marx nas décadas de 1880 e 1890 como parte da participação dos austríacos na Methodenstreit do final do século 19, durante a qual eles atacaram as doutrinas hegelianas da escola histórica.

Frank Albert Fetter foi um líder do pensamento austríaco nos Estados Unidos. Ele obteve seu PhD em 1894 na Universidade de Halle e, em seguida, foi nomeado Professor de Economia Política e Finanças em Cornell em 1901. Vários economistas austríacos importantes formaram-se na Universidade de Viena na década de 1920 e posteriormente participaram de seminários privados realizados por Ludwig von Mises. Estes incluíram Gottfried Haberler, Friedrich Hayek, Fritz Machlup, Karl Menger (filho de Carl Menger), Oskar Morgenstern, Paul Rosenstein-Rodan, Abraham Wald e Michael A. Heilperin, entre outros, bem como o sociólogo Alfred Schütz, todos durante o período em que se formou o chamado “Círculo de Viena”, uma congregação de intelectuais que negavam a metafísica dentro das compreensões intelectuais da época.

Em meados da década de 1930, a maioria dos economistas havia adotado o que consideravam as contribuições importantes dos primeiros austríacos. Fritz Machlup citou a declaração de Hayek de que “o maior sucesso de uma escola é que ela deixa de existir, porque seus ensinamentos fundamentais se tornaram parte do corpo geral do pensamento comumente aceito”. Em algum momento durante a metade do século 20, a economia austríaca foi desconsiderada ou ridicularizada pelos economistas convencionais porque rejeitou a construção de modelos e métodos matemáticos e estatísticos no estudo da economia.

Após a década de 1940, a economia austríaca pode ser dividida em duas escolas de pensamento econômico e a escola “se dividiu” em algum grau no final do século XX. Um grupo de austríacos, exemplificado por Mises, considera a metodologia neoclássica irremediavelmente falha; o outro campo, exemplificado por Friedrich Hayek, aceita grande parte da metodologia neoclássica e aceita mais a intervenção governamental na economia. Eis onde acredito que esteja a causa da maior confusão sobre a diferenciação das escolas, uma vez que Hayek se torna um importante parceiro intelectual de Milton Friedman e da Escola de Chicago.

Henry Hazlitt escreveu colunas e editoriais de economia para várias publicações e escreveu muitos livros sobre o tema da economia austríaca dos anos 1930 aos anos 1980. O pensamento de Hazlitt foi influenciado por Mises. Seu livro Economia em Uma Lição, de 1946, vendeu mais de um milhão de cópias e ele também é conhecido por The Failure of the New Economics de 1959, uma crítica linha por linha da Teoria Geral de John Maynard Keynes.

A reputação da Escola Austríaca aumentou no final do século 20 devido em parte ao trabalho de Israel Kirzner e Ludwig Lachmann na Universidade de Nova York e à renovada consciência pública do trabalho de Hayek depois que ele ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 1974. O trabalho de Hayek foi influente no renascimento do pensamento laissez-faire no século 20.

Na década de 80, a Escola Austríaca se rachou, principalmente devido à ação de intransigência dogmática criada por Murray Rothbard, Hans-Hermann Hoppe e Joseph Salerno, que falaram que Hayek era “um empirista britânico que é oponente do pensamento de Mises e Rothbard”. A crítica selou a cisão dos austríacos do liberalismo e criou a nova corrente conhecida como anarcocapitalismo, que não partilha grandes características com o liberalismo austríaco e nem com as demais formas de liberalismo. Nota disso é que, se Hoppe sente que a adoção do Estado como parte do capitalismo por Hayek seria uma traição à tradição austríaca, ele estaria diretamente criticando o criador da escola Carl Menger, que defendia um Estado bem mais atuante que o de Hayek, inclusive defendendo impostos progressivos, a que a escola austríaca tende a ser contrária, e uma extensa legislação trabalhista, à qual Hayek sempre se posicionou contra.

Menger, por exemplo, enfatizou a ideia de que existem várias instituições que não foram criadas deliberadamente, têm uma espécie de “sabedoria superior” e cumprem funções importantes para a sociedade, algo que certamente rompe diretamente com a ideia dos seguidores de Rothbard.

Além de grande parte da negação da economia neoclássica, ambas as escolas por vezes entram em rota de colisão de ideias entre si, algumas das mais notórias são as seguintes:

O papel do Estado: Embora ambas as escolas defendam um livre mercado, o papel do Estado em outras áreas além da economia é amplamente diverso entre a Escola de Chicago e a Escola Austríaca, sendo a divisão interna entre os austríacos ainda mais difusa, mesmo ignorando o anarcocapitalismo que defende sua total extinção. Como citamos antes, Menger era defensor de uma tributação progressiva, uma extensa legislação trabalhista e instituições criadas pautadas em “sabedoria superior” para a importância da sociedade.

Hayek, por exemplo, era defensor de um Estado com instituições fortes, porém mínimas. Em alguns exemplos, Hayek era totalmente contra a existência de uma instituição monetária central e defendia uma competição entre moedas dentro da própria sociedade, sem uma autoridade regulatória, em um trabalho que o seu próprio parceiro de Chicago, Milton Friedman, denominou “Torre de Babel monetária”. Ele não acreditava no papel da democracia liberal representativa que se apresentava e defendeu um conceito que ele mesmo chamou de “demarquia”.

A demarquia é a seleção de funcionários políticos como uma amostra aleatória de um grupo maior de candidatos – preenchimento de cargos individuais ou, mais comumente em suas aplicações modernas, para preencher câmaras colegiadas. O sistema pretende garantir que todas as partes competentes e interessadas tenham oportunidades iguais de ocupar cargos públicos. Também minimiza o partidarismo, uma vez que não faria sentido fazer promessas de conquistar constituintes-chave se alguém fosse escolhido por sorteio, enquanto as eleições, pelo contrário, o fomentam. Na antiga democracia ateniense, a classificação era o método tradicional e principal para nomear funcionários políticos, e seu uso era considerado a principal característica da democracia.

Hayek defendia que estes funcionários aptos a serem sorteados seriam pessoas de alta qualificação que seriam eleitas para mandatos de 15 anos e por sorteio escolhessem estes a governarem. Embora eu seja crítico pessoal do sistema de demarquia, o sistema se pautava no mesmo critério usado para a seleção de júris populares em países de common law.

Hayek acreditava apesar disso que o Estado deveria atuar em pilares de educação e saúde, através do fornecimento de vouchers, ideia inspirada na Escola de Chicago, na segurança, justiça, relações exteriores e defesa.

Mises era um pouco mais radical no desejo de um Estado pequeno, ensejando a criação de um conceito chamado de “minarquia”, onde o único papel que o Estado poderia exercer era o judiciário, cuja razão de ser Mises concebia como única função na qual não se podia confiar na livre iniciativa popular. Em alguns escritos, Mises admitia também que, após algum tempo na minarquia, era possível que forças de segurança tomassem o monopólio da situação para auxiliar o judiciário.

A Escola de Chicago pouco divergia entre si nas ideias; era quase uma unanimidade a defesa da democracia liberal representativa, a atuação dos pilares do Estado conforme expostos em Hayek e até mesmo na defesa de algumas instituições com grau de autoridade, como a autoridade monetária, que não é defendida por austríacos, mesmo com Friedman criticando o funcionamento do FED, pois defendia uma nova atuação da autoridade monetária federal.

Estes são apenas os principais pontos de separação da Escola Austríaca da Escola de Chicago, pois, se eu fosse entrar em pequenas minúcias, já poderia dar entrada em uma tese de doutorado.

* Artigo publicado originalmente na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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