Por que o Brasil não é um país desenvolvido?
Recentemente, estamos acompanhando o debate de pessoas que estão se gabando do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil no primeiro trimestre deste ano. O ínfimo crescimento de 0,8% encheu de esperança os apoiadores do governo Lula, que esperam, ao final deste ano, comemorar mais um crescimento do PIB entre 2 e 2,5%. O que muitos não conseguem reparar é: o nosso país cresceu, ou seja, houve um aumento na produção interna, mas para onde está indo essa produção? Será que o cidadão está usufruindo dela? Será que o cidadão melhorou de vida? Este é um tema bastante profundo e vamos precisar entender a história econômica do Brasil para compreender se o cidadão brasileiro realmente pode se gabar de um crescimento de 0,8% do PIB do seu país.
O Brasil é um país que sempre foi marcado por muitas práticas que levaram esta nação ao subdesenvolvimento. Uma delas é o patrimonialismo. Essa palavra pode ser considerada como de orientação masculina, ou seja, de um “pai” ou de um “líder” que ocupa os cargos mais importantes da organização de um país ou de um Estado e o usa para fins próprios, confundindo os conceitos de público e privado. Foi implementado no Brasil pela colônia portuguesa, que tomou as terras brasileiras para obter recursos preciosos e de valor, tais como ouro e prata, a fim de enriquecer o Estado português. Essa prática remete ao contexto da economia mercantilista, muito presente nos séculos XV, XVI e XVII. Como já afirma o sociólogo brasileiro, Florestan Fernandes, em um dos seus livros conhecido como A Revolução Burguesa no Brasil.
O autor frisa que o patrimonialismo imperial português no Brasil surgiu como uma forma de organização social caracterizada pela dominação pessoal do monarca português sobre a sociedade colonial brasileira. Ele descreveu esse sistema como um tipo de patrimonialismo, onde o Estado e seus recursos eram vistos como propriedade pessoal do monarca. Florestan destaca que o patrimonialismo imperial português era baseado em relações de clientelismo, termos de que falaremos mais adiante, além do favorecimento pessoal, em que o monarca exercia controle direto sobre as terras, recursos e pessoas. Essa estrutura de poder centralizado dificultava o desenvolvimento de instituições inclusivas e impedia a emergência de uma sociedade civil autônoma. Esse exemplo da colônia se expandiu para o Brasil enquanto país soberano.
Em 1822, o Brasil conquistou sua independência. Dom Pedro I e muitos intelectuais brasileiros foram influenciados pelas ideias liberais-iluministas do século XVII, que haviam surgido na França e na Inglaterra. O liberalismo iluminista prega os conceitos de liberdade e igualdade, ou seja, que todos os seres humanos devem ser iguais perante a lei e livres e que o Estado não pode interferir em suas vidas, a não ser para resguardar os seus direitos de buscar a liberdade, a propriedade e a busca da felicidade, como já dizia o filósofo inglês John Locke. Essas ideias inspiraram os grandes burocratas brasileiros à época, porém, como o próprio Florestan Fernandes vai descrever, o Brasil passou por uma “Revolução Conservadora”, onde a base da sociedade colonial havia sido mantida, ou seja, numa economia agroexportadora baseada na mão-de-obra escrava, além de um Estado que não garantiu cidadania a toda a sociedade e não a incluiu de forma justa, com educação, terra e saúde.
O Brasil era independente, mas seu modelo de sociedade ainda era colonial. O liberalismo iluminista que tanto inspirou a elite brasileira foi usado, como também afirma Florestan Fernandes, como um “Liberalismo de Conveniência”, ou seja, apenas alguns conceitos do liberalismo iluminista foram utilizados para os membros da própria elite brasileira, tais como a liberdade econômica radicalizada, através do laissez-faire, e a liberdade política e civil apenas para quem detinha determinada renda e determinado gênero sexual. Durante todo o período imperial, essa situação ficou praticamente inalterada. Dom Pedro II e alguns membros reformistas da elite brasileira, tais como o Barão de Mauá e o Visconde do Rio Branco, defendiam a modernização da economia brasileira, com uma diversificação na produção, que não ficasse refém apenas do monopólio agroexportador. Porém, acabaram vencidos, e o corporativismo permaneceu ditando as regras dentro do território brasileiro. A escravidão só terminou em 1888, com a Lei Áurea. Até houve uma oposição vindo “de baixo”, os liberais foram a grande força opositora aos conservadores e à escravidão, tendo diversos nomes abolicionistas dentro do meio liberal, como Luís Gama, Joaquim Nabuco, Maria Amélia de Queiróz e Sousa Dantas. Este último, inclusive, foi o autor do projeto da abolição da escravidão, no início da década de 1880. Porém, o corporativismo agrícola e o próprio governo boicotaram o projeto, que só veio a ter algo semelhante no final da mesma década, e sem indenização aos fazendeiros e, principalmente, aos escravizados. O patrimonialismo segue intocável até os dias de hoje, tendo membros do Estado brasileiro, como políticos, juízes e demais burocratas, se aproveitando do dinheiro dos contribuintes para se favorecer pessoalmente.
Um outro tópico que coloca o Brasil no subdesenvolvimento é o corporativismo. O corporativismo é um modelo de relacionamento entre o setor público e privado que se baseia no atendimento aos grupos representativos de diversos setores, tais como trabalho, indústria, agricultura, entre outros. Nesse sistema, esses grupos, chamados de “corporações”, têm uma relação muito próxima com o Estado, que atua como mediador, regulador e “pai” desses grandes grupos de interesse. Temos inúmeros exemplos de corporativismo. No Brasil Império, como já dizíamos anteriormente, o corporativismo agrícola exercia enorme pressão sobre o governo brasileiro, a ponto de praticamente manter a mesma estrutura político-social do país igual à do período colonial. Muitos desses corporativistas agrícolas ainda exercem poder hoje, porém, contam com a concorrência de outros setores, como o industrial. A indústria no Brasil se estabeleceu aos poucos. O corporativismo agrícola não desejava expandir seu capital para outras áreas da economia, tanto que, logo após a queda da monarquia, os burocratas do período da primeira república brasileira, também conhecida como “República do Café com Leite”, que durou de 1891 até 1930, mantiveram praticamente a mesma estrutura político-social e econômica do Brasil imperial. O nome “Café com Leite” faz alusão ao corporativismo cafeeiro de São Paulo e ao corporativismo leiteiro de Minas Gerais, que se alternavam no poder federal eleição após eleição. Outras oligarquias do Brasil se sentiam menos privilegiadas com esse favoritismo paulista e mineiro no poder, tais como as oligarquias gaúchas e nordestinas. Foi então que, nas eleições de 1930, um membro da oligarquia gaúcha chamado Getúlio Dornelles Vargas, em aliança com um membro da oligarquia nordestina, o político paraibano João Pessoa, decidiram se candidatar ao pleito presidencial. O nome da coalizão varguista se chamava “Aliança Liberal”, e o nome não se deve à defesa da filosofia liberal-iluminista, mas a uma suposta “liberdade política” que Vargas prometia. O vice de Vargas, João Pessoa, foi assassinado e Getúlio Vargas assumiu o poder como uma revolução, um golpe de Estado diante das oligarquias do “Café com Leite” de São Paulo e Minas Gerais e, como foi dito há pouco, a suposta “liberdade política” não foi cumprida. Vargas suspendeu a Constituição Federal de 1891 e promulgou uma nova Constituição Federal, em 1932, com inclinações ao Corporativismo Fascista, ou seja, setores da economia faziam parte da política e tinham representação dentro do governo – com inspiração no famoso ‘Totalitarismo” que Benito Mussolini aplicou na Itália. Mussolini já dizia “Nada fora do Estado, tudo dentro do Estado”, e foi isso que Vargas fez. Pior do que isso: em 1937, Vargas dá um golpe de Estado dentro do próprio golpe que havia dado anos antes e promulga uma nova Constituição Federal, a famigerada “Polaca”, nome devido às inspirações ao regime Fascista da Polônia na mesma época. Vargas ficou no poder até 1945, quando a ditadura do Estado Novo caiu e uma nova Constituição Federal emergiu.
O poder do grupo de Getúlio Vargas ainda continuou, visto que seu sucessor foi o general Eurico Gaspar Dutra, seu ex-ministro de guerra, que quase fez com que o Brasil se aliasse ao Eixo (Alemanha-Itália-Japão), durante a Segunda Guerra Mundial. Vargas, além de eleger seu sucessor, conquistou uma cadeira no Senado Federal, onde permaneceu até 1951 para deixar o cargo, a fim de assumir a presidência da República, pois o mesmo venceu as eleições presidenciais de 1950. Vargas, com esta atuação corporativista e com a emergência de tirar o Brasil das garras do monopólio agroexportador, decide investir na indústria nacional. O historiador brasileiro José Murilo de Carvalho faz uma reflexão interessante sobre os processos políticos, sociais e econômicos do Brasil e do restante dos países ocidentais, sobretudo a Inglaterra. Na Inglaterra, a revolução industrial surgiu a partir de grandes empresários que decidiram alocar seu capital, que outrora era aplicado em setores agrícolas com mão-de-obra escrava, para abrir fábricas de diversos segmentos, tais como as fábricas têxteis. O processo de trabalho era dos piores, não havia nenhuma regra trabalhista, visto que a Inglaterra seguia a cartilha econômica dominante da época, o famigerado laissez-faire. Ou seja, havia o uso de mão-de-obra infantil e de longas jornadas de trabalho. Tudo isso começou a mudar durante a década de 1820 e 1830, quando começaram a surgir movimentos de contestação aos donos das fábricas que praticamente estavam escravizando seus funcionários, assim como afirmara o filósofo social-liberal Friedrich Halkort, que dizia a seguinte frase: “Não aceito a criação de riqueza humana baseada na degradação da classe operária”. Foi com esse pensamento que os movimentos ‘Ludistas” e, sobretudo, “Cartistas”, lutaram pela obrigatoriedade de regras trabalhistas e pela humanização do trabalho. Este foi um movimento que veio dos trabalhadores, das massas. Já no Brasil, a luta por melhores condições de trabalho, a implementação de direitos políticos e civis mais amplos e o desenvolvimento da economia nacional através de indústrias e empresas estatais, tais como a CSN (Companhia de Siderurgia Nacional) e a Petrobras, são criações que vieram do Estado brasileiro. Nos países ocidentais, a geração de riqueza e a conquista por direitos civis e políticos vieram da população, das massas, e não do Estado. José Murilo de Carvalho vai chamar esse movimento, sobretudo o político e o civil, no contexto brasileiro, de uma “cidadania tutelada”, ou seja, o Estado está “tutelando” o indivíduo na conquista de seus direitos. Nisso entra uma outra situação que faz conexão com este assunto, uma atuação que também possui relação com a questão do “pai” e do “líder”, que havíamos comentado anteriormente. O paternalismo é um outro problema que faz com que o Brasil seja subdesenvolvido. Todas essas situações elencadas anteriormente são de caráter paternalista, ou seja, foram “dadas” pela misericórdia do “bondoso” líder carismático, populista e personalista. O brasileiro está acostumado com essa situação até os dias de hoje, tanto que, dos últimos quatro presidentes eleitos, todos tinham este discurso do “pai protetor” dos pobres, da família e da “moralidade”. Esses “líderes” se apoiam nessa retórica e se utilizam de uma prática populista, ou seja, de um modelo político que visa a afagar as camadas mais populares da sociedade, mas que não pretende mudar as estruturas políticas, sociais e econômicas do país. A ideia do populista-paternalista é manter o poder e seu domínio sobre o Estado a fim de que possa continuar exercendo suas práticas patrimonialistas, como já dito anteriormente.
Além disso, é preciso também entender como eles conseguem se manter no poder por tanto tempo. Como, por exemplo, os oligarcas do café e do leite conseguiam manter estrutura da sociedade sem pouca ou nenhuma contestação popular? Ora, os nomes dessas práticas se chamam clientelismo e coronelismo. O clientelismo é um sistema de troca de favores políticos baseado em relações de dependência entre um “cliente” (geralmente uma pessoa comum, um eleitor) e um “patrono” (um político ou líder local). O patrono fornece benefícios, como empregos, assistência social e outros favores, como, por exemplo, comida, roupas/sapatos e demais presentes, em troca do apoio político do cliente, geralmente manifestado por meio do voto. Essa prática cria laços de lealdade e dependência, muitas vezes em detrimento da meritocracia e do interesse público. Já o coronelismo é um sistema caracterizado pelo domínio de líderes locais conhecidos como “coronéis”. Esses coronéis exercem controle sobre determinadas regiões por meio de sua influência política, econômica e social. Eles controlam a distribuição de terras, cargos públicos e recursos. O coronelismo envolve práticas coercitivas para garantir a submissão política da população local, incluindo o controle das eleições e a utilização da violência para reprimir oposição. No Brasil oligárquico, por exemplo, o voto era aberto, e as pessoas ou eram obrigadas a votar num determinado candidato local ou então recebiam presentes desse mesmo candidato a fim de se obter a sua eleição. Isso ainda é muito presente, sobretudo o clientelismo. O cidadão sempre está esperando algo em troca para votar num determinado candidato político, como mostra numa pesquisa realizada pelo professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e cientista político Umberto Mignozzetti.
O Brasil sofre com diversos outros problemas, como, por exemplo, o perdularismo, uma prática de arrecadar muito dinheiro dos contribuintes e gastar muito mal. Um reflexo disso é a carga tributária brasileira, que, antes da época de Vargas, era de 10% e hoje já está quase na casa dos 35%. Porém, arrecadar não é o problema; o que de fato é o problema são os serviços que o Estado brasileiro se dispõe a fazer, tais como saúde, educação, segurança e infraestrutura. Somente a título de curiosidade, em 2018, o Brasil, por meio de seu sistema de saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde), teve mais de 153 mil mortes por falta de atendimento, equipamentos, remédios, insumos ou tratamentos. Além disso, o Brasil ocupa os últimos lugares no ranking do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), quando o assunto é linguagens e matemática. O que estamos tratando aqui é que o Estado brasileiro arrecada como um país desenvolvido do Ocidente e entrega serviços básicos como um país miserável da África.
O economista Daron Acemoglu, através de seu best seller Por que as Nações Fracassam?, mostra como os países desenvolvidos formularam instituições inclusivas, que reafirmaram os valores democrático-liberais, o Estado de Direito e, principalmente, uma melhor definição das “regras do jogo”, ou seja, a legislação que define como o ambiente de negócios irá funcionar. Ou seja, tudo o que o Brasil não fez, uma vez que o país tupiniquim perdeu tempo apostando em práticas patrimonialistas, populistas, paternalistas, corporativistas, clientelistas e coronelistas, que atrasaram a formação dessas instituições inclusivas que Acemoglu retrata. Ao contrário disso, o Brasil possui instituições extrativistas.
Portanto, não é um mero crescimento do PIB estatal brasileiro que fará com que os indivíduos tenham um padrão de vida melhor, mas melhores políticas, que promovam a inclusão social e não a opressão populista-paternalista que foi elencada ao longo deste texto.