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Não, o Brasil não é um país rico

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Uma das afirmações mais batidas quando o assunto é a política brasileira é a de que o Brasil é um país rico. A frase comumente vem acompanhada de algum diagnóstico adicional: “o Brasil é um país rico, o problema é a corrupção”; “o Brasil é um país rico, o problema é a má distribuição”, etc. A frase é exaustivamente repetida a ponto de que muitos a tomem como um fato. Porém, levando em conta as implicações, convém questionar: o Brasil é mesmo um país rico?

Antes de tudo, que parâmetro ou parâmetros podemos usar para definir o nível de riqueza de um país? Seria o PIB uma boa opção? Comecemos por ele.

Não quero entediar o leitor com explicações que provavelmente ele já está cansado de ouvir. Basta que digamos que o PIB mede a renda total de todos em uma economia, ou ainda o total de despesas com produtos e serviços (os dois números se equivalem, de modo que, na economia como um todo, a renda é igual à despesa). Em suma, é “valor de mercado de todos os bens finais e serviços produzidos dentro de um país em um determinado período de tempo” (Mankiw, 2017).

No momento em que escrevo este artigo, o Brasil ocupa a posição de nona maior economia do mundo, com um PIB estimado em US$ 2,13 trilhões em 2023, posicionado até mesmo à frente do Canadá. De acordo com projeções do FMI, podemos nos tornar a oitava maior economia do globo em 2026.

Levando o PIB em consideração, parece que estamos muito bem, não é mesmo? Lembro-me de quando o Brasil chegou a ocupar a posição de sétima maior economia do mundo, fato amplamente explorado pelo governo da época (PT) e visto com muito entusiasmo e ufanismo.

Ocorre que, em que pese a relevância de se calcular e se saber o PIB, ele não parece uma medida muito adequada do nível de riqueza de uma sociedade. Não podemos deixar de considerar que a medição de tudo o que é produzido em um país terá sempre relação com o tamanho da população, bem como o tamanho do país. É verdade que o Brasil é hoje a nona maior economia do mundo, mas também é verdade que somos o quinto maior país do mundo e temos a sétima maior população. China e Índia, que ocupam respectivamente a segunda e quinta posição na lista de maiores economias, têm as maiores populações do globo e estão entre os maiores países do mundo. Assim como no caso do Brasil, isso não significa que sejam países ricos, e ambos os países são famosos pelo elevado nível de pobreza que ainda conservam. Na outra ponta, apenas pensem que o Brasil tem um PIB mais de cinco vezes superior a Honk Kong (considerando dados de 2022); significa isso que o Brasil é mais rico que Honk Kong? Estariam os noruegueses em pior situação que a nossa, já que seu PIB é cerca de três vezes inferior ao nosso? Basta que guardemos as devidas proporções e fica claro que o PIB não é o melhor indicador de riqueza e tampouco de bem-estar. Necessitamos medir algo mais do que a produção da economia.

Quando pensamos em contrapor a medição exclusiva do produto com um dado que leve em conta outros fatores de desenvolvimento, uma das opções mais frequentes é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Esse índice considera, além da renda, também a educação e a saúde como componentes de sua fórmula. Considerando ranking de 2021, o Brasil ocupa a 87ª posição, muito atrás da posição que ocupa por tamanho da economia. Contudo, a escolha desse índice não é uma unanimidade e há críticas ao seu uso como uma mensuração adequada do bem-estar humano. Fato é que, em que pesem os méritos que possa ter, não é o instrumento adequado para comparar níveis de riquezas entre países, sobretudo porque é necessário confiar na idoneidade dos dados divulgados pelos países (o que não é uma suposição razoável no caso de ditaduras, por exemplo).

Considerando que uma das limitações do PIB como indicador da riqueza de um país é desconsiderar o tamanho da população desse país, o PIB per capita, ao dividir o produto pela população, resolve esse problema. Temos duas possibilidades de cálculo aqui: o PIB nominal per capita e o PIB por Paridade do Poder de Compra. O PIB nominal per capita, como o nome sugere, é o PIB dividido pela população do país, o que, a nível interno, demonstra a “fatia” de cada um se o produto em um determinado período fosse dividido igualmente entre todos. Porém, quando se trata de fazer comparações entre países, o PIB nominal pode não ser a melhor opção, já que desconsidera a diferença da inflação de um país para outro. Por isso, é comum que se use o PIB por Paridade do Poder de Compra, levando em conta uma cesta de bens e serviços comuns aos países comparados. Como acontece com outros indicadores, há limitações do seu uso, mas me parece hoje a melhor ferramenta para o fim visado, por considerar algo tão fundamental para estabelecer níveis de riqueza/pobreza, que é o poder de compra. Sendo assim, no restante do artigo. quando me referir ao PIB per capita, estarei tratando do PIB por Paridade do Poder de Compra.

Considerando dados de 2022 (os mais recentes encontrados), o Brasil ocupa a 83ª posição, com um PIB per capita de $17,822 (valor anual). As posições extremas ocupadas pelos países com dados disponíveis são de Luxemburgo, na primeira posição, com um PIB per capita de $142,214 e Burundi, com módicos $836, na 176ª posição.

Colocar o caso brasileiro ao lado de valores tão díspares pode parecer reconfortante, já que “faz sentido estarmos distantes de um país tão desenvolvido quanto Luxemburgo”, ao passo que estamos bem afastados da pobreza extrema de um Burundi. Não nos limitemos, portanto, aos números extremos, para não nos iludirmos com um efeito ancoragem.

O PIB per capita brasileiro, para além de oito vezes inferior ao de Luxemburgo, é mais de quatro vezes inferior ao dos EUA, mais de quatro vezes e meia inferior ao da Suíça, três vezes e meia menor que o da Austrália, mais de três inferior ao do Canadá e quase três menor que o da Itália.

Pensemos então na comparação com alguns vizinhos latinos. A Argentina, na posição 63, tem um PIB per capita superior ao nosso ($26,505), assim como o Chile ($30,209) na posição 58, Colômbia ($20,287) na posição 75, Uruguai ($28,842) na posição 59. Por outro lado, estamos melhor posicionados (embora não muito) do que o Paraguai ($15,977), na posição 91, e o Peru ($15,048), na posição 95.

Vale registrar ainda que temos uma renda per capita inferior à de países tais como Líbia, México China, Tailândia, Irã e Botsuana. Estamos ainda em um patamar de renda per capita mais elevado, mas muito próximo de Azerbaijão, Santa Lúcia e Suriname. Se estamos distantes da miséria extrema de um Burundi, de uma República Democrática do Congo ou de uma Nigéria, para citar alguns exemplos, os números supracitados não permitem de forma alguma dizer que o Brasil é um país rico. Ao invés disso, lançam luz a cifras internas e nada animadoras, derrubando o argumento de que temos tão somente um problema de distribuição.

“Ah, mas temos um grande potencial de riqueza”. Potencial é uma coisa, mas estamos tratando de ser ou não ser, e o fato é que não somos um país rico. “Mas somos ricos em riquezas naturais”. Esse argumento, um tanto quanto anacrônico, já começa pecando por associar a disponibilidade de recursos naturais de um país com sua riqueza. Sabemos que não há necessariamente relação de casualidade entre uma coisa e outra. Invoquemos uma célebre entrevista de Roberto Campos de 1997 ao Roda Viva: “Haveria país fadado a maior pobreza do que Honk Kong? Não tem nada. São rochas, uma ilha rochosa, sem sequer água. Hoje, Honk Kong tem uma renda por habitante superior à da Inglaterra, a potência imperialista metropolitana que colonizou Honk Kong“.

Vinte e cinco anos depois, a “ilha rochosa” segue tendo uma renda por habitante superior à da Inglaterra e quase quatro vezes maior do que a do rico em recursos naturais Brasil. E o que Roberto Campos enxergava de meritório no desenvolvimento de Honk Kong e prescrevia, como por tanto tempo prescreveu, à nossa nação sul-americana? Mercado. Talvez, se tivesse sido devidamente ouvido e não seguíssemos apostando no estatismo e em fetiches ufanistas, pudéssemos hoje dar uma resposta diferente à questão aqui discutida. Por ora, o Brasil segue sendo um país pobre. Invoco a sabedoria de Marcos Lisboa, outro grande economista: “O Brasil não é pobre à toa. Isso aqui é trabalho de profissional! A gente faz um esforço imenso para ser um país pobre”.

Fontes:

Principles of Economics (8th edition) — N. Gregory Mankiw

https://www.estadao.com.br/economia/maiores-economias-mundo-2023-fmi-ranking-brasil-nprei/

https://economia.u9ol.com.br/noticias/redacao/2023/09/02/brasil-dez-maiores-economias-do-mundo.htm#:~:text=O%20pa%C3%ADs%20chegou%20a%20ter,mundo%20a%20partir%20de%202025.

https://www.worldometers.info/world-population/population-by-country/

https://www.worldometers.info/gdp/gdp-by-country/

https://www.undp.org/pt/brazil/idh#:~:text=O%20%C3%8Dndice%20de%20Desenvolvimento%20Humano,%3A%20renda%2C%20educa%C3%A7%C3%A3o%20e%20sa%C3%BAde.

https://hdr.undp.org/data-center/country-insights#/ranks

https://www.investopedia.com/ask/answers/042815/are-there-critics-human-development-index-hdi.asp

https://statisticstimes.com/economy/gdp-nominal-vs-gdp-ppp.php

https://www.worldometers.info/gdp/gdp-per-capita/#:~:text=Gross%20Domestic%20Product%20(GDP)%20per,divided%20by%20its%20total%20population.

https://varos.com.br/blog/artigo/o-que-e-como-o-pib-por-paridade-funciona

https://www.youtube.com/watch?v=u46o-Avc9GY

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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