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Por que a população russa ainda não se revoltou contra a guerra na Ucrânia?

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Ao que tudo indica, a guerra na Ucrânia terá uma longa duração. De um lado, temos os ucranianos que não querem ser escravos de Putin, do outro, temos Putin que sabe que uma derrota poderia colocar em cheque seu regime.

Alguns analistas previram (erroneamente) que quando a contagem de corpos ficasse grande demais, a população russa se revoltaria. Porém, até o momento (quatro meses) os ucranianos mandaram cerca de 40 mil russos para a vala e nada de revolta popular. Para medida de comparação, 58 mil americanos morreram nos mais de 10 anos do Vietnã, o que gerou protestos que levaram ao fim do confronto.

Por que o mesmo não ocorre na Rússia? Neste texto pretendo explicar o motivo. Porém, antes, precisamos entender quem está lutando na Ucrânia.

Dizer que são russos que estão lutando contra os ucranianos é demasiado simplista. A Rússia vai do Cáucaso – que tem muitos povos de origem árabe e turca – à Sibéria, lar de muitas etnias “asiáticas”. E por que há tantas minorias no Exército? São dois motivos. O primeiro é a taxa de natalidade: enquanto russos étnicos se reproduzem pouco, há muitas minorias se reproduzindo mais. Uma olhada na taxa de natalidade por grupo étnico na Federação Russa, e percebe-se que os únicos grupos que são acima de dois filhos por mulher (taxa de reposição), ou muito próximo disso, são povos muçulmanos ou orientais. Em outras palavras, tais grupos possuem mais homens jovens disponíveis.

O segundo motivo é a pobreza. No país de Putin, os pobres servem no Exército e os ricos não. Na Rússia, o alistamento militar é obrigatório, porém, quem é rico sempre dá um jeito de escapar e um bom exemplo disso são as universidades. Enquanto os EUA pagam a faculdade para aqueles que se alistam, na Rússia, as pessoas vão para a universidade para escapar do alistamento. Desnecessário explicar que quanto mais rico você for, mais fácil é de acessar o ensino superior. É a mesma lógica do Brasil em relação à criminalidade: quem tem dinheiro para contratar advogado, escapa, pois vão recorrendo até ao STF para a pena prescrever. Quem não tem, vai para Bangu 3. Este é o caso das minorias e, claro, dos russos étnicos pobres. E o que ambos grupos têm em comum? Estão longe dos centros de poder e da elite cultural/econômica de Moscou e São Petersburgo.

Em outras palavras, a maioria daqueles que estão morrendo na Ucrânia é vista pelos donos do poder na Rússia como “untermenschen”, cujas vidas não valem um centavo. Ou seja, são totalmente descartáveis. Como bem observou Kamil Galeev, o erro da URSS foi mandar jovens das elites culturais de Moscou e São Petersburgo para o Afeganistão – incluindo aqueles que frequentavam universidades de prestígio. É claro que a ralé não quer que seus filhos morram, mas o que eles podem fazer? Com tais elites culturais/econômicas a coisa é diferente – há margem de manobra para algo ser feito. Não é de se surpreender que a URSS acabou logo depois do conflito contra os talibãs. Assim, não creio que Putin irá cometer o mesmo erro.

Há um rapaz no Twitter chamado Dmitri que traduz para o inglês vídeos e informações relacionados à guerra. Alguns dos vídeos que mais me chamam a atenção são as chamadas telefônicas entre soldados russos capturados com suas famílias. Diversas vezes os familiares fazem perguntas do tipo “você vai parar de receber seu salário?” ou “se você morrer, como vamos sacar a sua indenização?”. Durante séculos famílias pobres vendiam seus filhos à escravidão (Luis Gama) e à prostituição (Índia, Afeganistão). Para muitos, filhos também podem ser vistos como ativos financeiros, ainda mais em um país pobre como é o caso da Rússia. A renda per capita russa é de 40 mil rublos, sendo bastante comum famílias que recebem 20 mil. Sabe quanto recebe um soldado na Ucrânia? Pelo menos 50 mil rublos e mais 7 milhões caso sejam mortos. Em outras palavras, as famílias dos soldados russos não têm os incentivos corretos para protestar contra o conflito.

G. K. Chesterton certa vez escreveu que “todo o ponto da propriedade é que nela apenas pode crescer, naturalmente, o sentimento de honra”. Fazendo uma engenharia reversa dessa frase, podemos dizer que se não há propriedade, não há sentimento de honra. Não sei se é o caso de todas as pessoas miseráveis do mundo, mas seguramente, parece ser o caso dos russos. Assim, ao que tudo indica, duvido que uma revolta popular esteja entre as principais preocupações de Vladimir Putin.

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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