O velho corporativismo ainda se manifesta nas pautas mais importantes para o país

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A discussão sobre o crescimento econômico do Brasil, refletido no aumento do PIB e da renda média do cidadão, muitas vezes ignora questões estruturais que afetam a inclusão social e o desenvolvimento sustentável do país. Uma dessas questões é o corporativismo, que permeia a relação entre Estado e setores econômicos, influenciando as reformas necessárias para uma verdadeira transformação das estruturas econômicas e sociais do país. Recentemente, a reforma tributária proposta pelo Congresso Nacional trouxe à tona debates sobre o tratamento especial para diversos setores, revelando a persistência de práticas corporativistas que podem perpetuar as desigualdades sociais e manter o “espírito conservador”¹ das estruturas econômicas e sociais do país.

O corporativismo no Brasil tem raízes históricas profundas, que remontam ao período colonial e imperial. Nesse período, o corporativismo agrícola exercia enorme pressão sobre o governo brasileiro, a ponto de praticamente manter a mesma estrutura político-social do país igual à do período colonial. Muitos desses corporativistas agrícolas ainda exercem poder hoje, porém, contam com a concorrência de outros setores, como, por exemplo, o industrial. Esse aspecto peculiar é, inclusive, relatado pelo sociólogo Florestan Fernandes² em seu livro A Revolução Burguesa no Brasil, onde Florestan afirma que o país passou por uma “modernização conservadora”, o que mostra que, práticas como a do corporativismo impulsionam a manutenção das estruturas sociais vigentes.

No Brasil de 2024, o corporativismo se manifesta de diversas formas, mas podemos analisar pela ótica da proposta de reforma tributária, em especial, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que trouxe à tona a demanda por tratamentos diferenciados para vários setores da economia, como agricultura, saúde e meio ambiente. Durante as audiências públicas, representantes de diversos segmentos pediram isenções e reduções de impostos, ressaltando a necessidade de tratamento especial para garantir uma suposta competitividade e sustentabilidade de suas atividades.

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) argumentou que a tributação sobre alimentos deve ser ajustada para evitar o aumento dos preços e a inflação. Da mesma forma, o setor de saúde defendeu a clareza nas isenções tributárias para serviços de home care, temendo que a reforma aumentasse a carga tributária em 17 pontos percentuais.

Esses pedidos evidenciam a luta de setores por benefícios que, embora possam parecer necessários para a sobrevivência de determinados ramos, reforçam as práticas corporativistas. Ao privilegiar certos grupos em detrimento de uma abordagem universal e inclusiva, a reforma pode consolidar um modelo que favorece o interesse de poucos em vez de promover um crescimento equitativo.

Com isso, o tratamento especial para setores da economia, conforme solicitado na reforma tributária, pode ter um efeito cascata que agrava a desigualdade econômica. Quando um setor é favorecido com isenções ou reduções, outros setores podem ser sobrecarregados com a necessidade de compensar essa perda de receita. Assim, em vez de promover um ambiente de negócios mais justo, a reforma pode resultar em um ciclo de favorecimento que perpetua o corporativismo.

O exemplo do setor ambiental é emblemático. A pressão por alíquotas zero para atividades de reciclagem, como a reforma de pneus, reflete a luta desse setor por condições tributárias mais favoráveis, a fim de promover práticas mais sustentáveis. É evidente que práticas mais sustentáveis sejam louváveis, porém, essa abordagem pode desviar o foco de uma reforma tributária mais ampla que beneficie todos os cidadãos e estimule práticas ambientais sem recorrer a privilégios setoriais.

A formulação de instituições fortes e inclusivas, como afirma o Nobel de Economia Daron Acemoglu, em seu livro Por que as nações fracassam?, é resultado de um sistema que fortaleça a democracia, o Estado de Direito e, sobretudo, um ambiente de negócios que seja justo e inclusivo para todos. Com uma reforma tributária que sofre com investidas do velho corporativismo brasileiro, fica difícil imaginar que o país terá mudanças significativas nas suas estruturas políticas, econômicas e sociais, o que reforça o caráter de “modificações conservadoras”, assim como já dizia Florestan Fernandes.

Notas

1 – Evidentemente, o termo “conservador”, nesse contexto, não se refere a qualquer tradição filosófica conservadora ou corrente política de inspiração burkeana, mas simplesmente à manutenção do estado de coisas.

2 – Também, por óbvio, utilizar parte do instrumental teórico de Florestan Fernandes não significa subscrever sua visão política marxista.

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Kayque Lazzarini

Kayque Lazzarini

Estudou ciências econômicas na FECAP e atualmente é estudante de relações internacionais na FECAP.

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