Homeschooling: a liberdade de ensinar liberdade
Quando se ouve falar de homeschooling, frequentemente imaginamos cenas como aulas de matemática matinais, na cozinha, seguidas de atividades de bordado e pintura à tarde, na mesa de jantar. Embora seja uma representação perfeitamente válida do homeschooling, não é a única possível. Pelo contrário, essa concepção está longe de abranger toda a sua essência. Mais do que uma educação caseira e artesanal, a educação domiciliar representa a liberdade incondicional e irrestrita dos pais de escolherem como, onde e o que seus filhos aprenderão.
O interesse político em torno desse tema é tão real quanto latente, dada a atual estrutura educacional federalizada e ineficiente do Brasil. Neste modelo, os políticos têm o poder de decidir o que as crianças – seus futuros eleitores – aprenderão. No entanto, questiona-se: qual é o incentivo de um político em promover uma educação que estimule o pensamento crítico e a inteligência? É sensato confiar a decisão sobre educação a alguém que não tem interesse direto em seu sucesso? Essas indagações emergem do simples reconhecimento da natureza humana.
Na contramão do interesse político, que visa ao monopólio de ensino, o homeschooling propõe descentralização, inovação e liberdade. Pais, professores e especialistas deveriam poder empreender livremente e experimentar diferentes abordagens para diferentes contextos e indivíduos. Um grupo de pais pode alugar um espaço, contratar tutor(es) e definir em conjunto o que será ensinado, de que forma, em qual horário e cadência. Outro grupo pode preferir um modelo híbrido, com aulas online e encontros presenciais.
Algumas outras famílias podem ser mais conservadoras, observando o que tem funcionado para alunos de contextos similares para que só então apliquem o mesmo modelo para seus filhos. A diversidade de abordagens reflete a diversidade de necessidades e preferências das famílias.
É importante enfatizar que, embora possamos imaginar possíveis modelos e soluções que seriam usados num ambiente de liberdade educacional, a ação humana é imprevisível e incalculável. Seria arrogante tentar antever o que as famílias fariam e quais soluções exatamente adotariam para seus filhos. E esse é o ponto da liberdade e descentralização: que surjam soluções melhores e mais eficientes, que um político ou um pequeno grupo deles não foi capaz de elaborar, ou prever.
O Nobel em Economia Friedrich Hayek afirmou que o conhecimento é essencialmente disperso e não pode ser reunido e transmitido a uma autoridade encarregada da tarefa de deliberadamente criar ordem. O Estado, portanto, que tende a concentrar poder, é incapaz de produzir eficiência na gestão da educação. Não se trata da incompetência eventual de um determinado político que hoje detém o poder de decisão; trata-se da impossibilidade lógica de que um único agente, burocraticamente experimentando uma hipótese de solução por vez – sem incentivo para o sucesso – tenha melhores resultados do que um sistema de inúmeros agentes, motivados, experimentando diversas soluções em paralelo e aprendendo uns com os outros.
Quando se discute homeschooling, é comum deparamos com argumentos sugerindo que se trata de uma solução elitista, voltada apenas para famílias ricas, de forma que “o pobre” ficaria sem acesso à educação caso o Estado não fosse benevolente o bastante para fornecê-la. No entanto, o livro “The Beautiful Tree”, do professor e pesquisador em educação James Tooley, relata sobre como descobriu escolas privadas clandestinas em países em desenvolvimento, como Índia, Nigéria e Gana. O professor visitou áreas urbanas e rurais, incluindo favelas e vilarejos remotos, descobrindo que essas escolas, operando com recursos mínimos – custando cerca de 2 dólares por aluno, por mês –, ofereciam uma educação de qualidade para famílias de baixa renda. Para sua surpresa, os alunos dessas escolas superam frequentemente o desempenho acadêmico de seus colegas das escolas estatais próximas, apesar dos recursos limitados.
As escolas clandestinas observadas por Tooley começaram a operar não porque as alternativas estatais gratuitas não existiam ou não podiam ser acessadas. Ao contrário, as famílias de baixa renda entenderam que seus filhos estariam mais bem-educados nessas estruturas privadas, mesmo que isso significasse ter que pagar por elas. A adesão aumentou enquanto os melhores resultados se evidenciaram, mesmo sob risco de que a escola fosse fechada, dado que se tratava de estruturas clandestinas e, para todos os efeitos, criminosas. Esse cenário pôde ser observado em diversos países e contextos, levando-nos à conclusão de que “os mais pobres” não precisam da ajuda e benevolência estatal; são perfeitamente capazes de se organizarem e criar estruturas que transmitem conhecimento e o fazem mais barato e com melhores resultados, mesmo sob repressão dos governos locais.
Outro argumento contra a liberdade de as famílias decidirem sobre educação propõe que algumas pessoas deveriam ser proibidas de educar seus filhos. A ideia subjacente é a de que pais são potenciais abusadores e/ou incapazes de oferecer uma educação adequada, podendo ensinar conceitos extremistas, anticiência e até absurdos maiores como liberalismo ou libertarianismo. Portanto, conclui-se que todas as famílias devem ser proibidas de ter liberdade educacional, já que o número de pais que não fariam um trabalho aceitável é maior do que zero, tratando-se de um risco à sociedade que deve ser combatido pelo Estado.
Esse argumento, porém, não encontra respaldo quando confrontado com suas implicações lógicas. Se existem pessoas ou famílias tão perigosas a ponto de fazerem mal ao que lhes é mais íntimo e caro, quais outras liberdades deveriam lhe ser permitidas? Por que lhes confiar a decisão do que seus filhos comem, onde dormem ou influenciar sobre qual religião seguem? Uma vez estabelecido que se trata de indivíduos com ideias nocivas à sociedade – ou mesmo altamente incapazes e desqualificados –, deveríamos lhes remover qualquer autonomia e direito. Certamente esses indivíduos não poderiam ter direito ao voto, a se candidatar a cargos eletivos ou possuir uma carteira de habilitação – e ainda, já que não seria viável privar de todos destes direitos, é possível inferir que o Estado, através dos seus políticos, deveria ser encarregado de distinguir os indivíduos que possuem ideias perigosas e antidemocráticas, ou que são incapazes e desqualificados, de maneira que seus direitos fossem completamente tolhidos e seus filhos retirados imediatamente de sua guarda para o bem da sociedade.
Se essa ideia parece perigosa e autoritária, é porque de fato é. Punir e censurar antecipadamente com base em riscos subjetivos é uma medida perigosa e autoritária. Não há uma maneira objetiva de definir o que é o certo a se ensinar ou até mesmo determinar se uma família está ensinando bem o suficiente. Cada família tem suas prioridades e valores e deve ter assegurado o direito de passar conhecimento adiante da maneira que julgar mais eficiente conforme as habilidades, preferências e individualidades de seus descendentes.
Defender um único sistema de ensino é o mesmo que defender a implantação de um ministério da nutrição encarregado de determinar uma única dieta que seria seguida obrigatoriamente por todas as crianças do país, ignorando as particularidades, condições físicas e de saúde, preferências alimentares e predisposições. O homeschooling defende o direito à liberdade das famílias de determinarem, sem qualquer intervenção política coercitiva, sobre algo tão íntimo quanto a educação de seus filhos.
Experimentos ao redor do mundo têm demonstrado que até mesmo os mais vulneráveis optam por dispensar a suposta boa intenção estatal quando se trata da instrução de suas crianças. Considerando as implicações lógicas, não há como justificar uma intervenção – mesmo que parcial – do Estado sem endossar uma tecnocracia autoritária. A escolha se resume a apoiar o monopólio estatal da educação, com os resultados que temos testemunhado, ou a liberdade absoluta e inegociável das famílias. Não há meio-termo.
*Philipe Gutemberg é libertário, engenheiro de software formado pela PUC-MG, investidor e consultor em tecnologia com foco em mercado financeiro, blockchain e inteligência artificial.