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As diferenças e semelhanças entre o ordoliberalismo e o liberalismo social

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  1. Introdução: o ordoliberalismo

A Escola de Friburgo de Economia foi pensada por economistas e sociólogos e é muito famosa na Europa, primeiro por ter reunido os grandes economistas e sociólogos alemães da época, tais como Wilhelm Röpke, Walter Eucken, Alfred Müller-Armack, Franz Böhm, Alexander Rüstow, entre outros, que começaram a discutir o futuro da Alemanha e da Europa, na Universidade de Friburgo, na Alemanha, pouco antes da queda do nacional-socialismo e do fim da Segunda Guerra Mundial. Alguns deles foram até exilados da Alemanha, como é o caso de Walter Eucken, que acabou indo para a Turquia, uma vez que era um grande opositor de Hitler, além de Wilhelm Röpke, que foi morar na Suíça, onde permaneceu até o seu falecimento, em 1966. Dentro da Universidade de Friburgo surgiu o ordoliberalismo, abordagem política da Escola de Friburgo, além da também conhecida Economia Social de Mercado (ESM), que foi um modelo econômico implementado na Alemanha e na Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, que colocou a Alemanha na quarta posição entre as maiores economias do planeta na década de 1980, além de realizar de maneira efetiva a integração regional da Europa e influenciar a política econômica de outros países, como a Itália de Luigi Einaudi e, posteriormente, dos governos do Partido Popular Italiano, de vertente democrata-cristã; a França de Charles De Gaulle; outros países do Vale do Rio Reno e vizinhos da Alemanha, como Holanda, Suíça, Suécia e Áustria; além de outros países dentro do continente asiático, como o Japão, assim como destaca o economista Michel Albert, em seu livro Capitalismo x Capitalismo, que traz a disputa entre o capitalismo anglo-americano e o capitalismo renano, do qual faz parte a ESM.

  1. O ordoliberalismo

O pensamento ordoliberal é um pensamento político e social, visto que ele inspirou uma doutrina política para o partido União Democrata Cristã (CDU) e também pensou a Europa através da integração regional, que futuramente viria a se chamar “União Europeia”. A palavra “ordo” vem de ordem e, somada ao “liberalismo”, quer dizer “liberalismo ordenado”. Certa vez, o grande pai do ordoliberalismo prático, Ludwig Erhard, ex-ministro da economia e ex-chanceler federal, disse que “a liberdade sem a ordem tende à implosão”. Junto ao ordoliberalismo, vem a ideia da Economia Social de Mercado, que é de combater monopólios, trustes e cartéis, que ameaçam a liberdade econômica, e é entendido que, sem ela, a economia tende a se esfacelar com monopólios, oligopólios e cartéis. A ESM também representa uma visão anti-cíclica da economia, ou seja, atua resolvendo os problemas do ciclo econômico de forma contrária ao problema e também antes de a crise alcançar o seu ápice. No sentido de sociedade, se não houver freios, a liberdade sem ordem pode colocar em risco a existência de um povo, os costumes e tradições de uma nação. Portanto, aquela máxima que já é clichê, mas sempre é bom repetir – “liberdade com responsabilidade” – cabe dentro do ordoliberalismo. Essa “liberdade com responsabilidade” é o que norteia os princípios dessa doutrina política, econômica e social. Inspirado no pensamento social-cristão, oriundo da Doutrina Social da Igreja Católica (DSI), o ordoliberalismo visa a uma sociedade com mais solidarismo e subsidiariedade. Somado a essa visão social e humanística, vem o liberalismo econômico e político, com a liberdade econômica (mercado e monetária), a democracia liberal, o Estado Democrático de Direito e a liberdade de escolha dos indivíduos (desde que essa escolha não afete a vida do próximo). O economista e cientista político argentino Marcelo Resico também mostra que a relação do ordoliberalismo não seria diretamente ou puramente com o liberalismo clássico, que pode ter uma visão demasiadamente individualista, muitas vezes egoísta e extremadamente racionalista. A relação que existe é especificamente com o liberalismo conservador, filosofia política britânica do século XIX, que mescla os valores do liberalismo político com uma visão mais cética e cuidadosa a respeito da sociedade.

  1. A Economia Social de Mercado

A Economia Social de Mercado (ESM/ordoliberalismo) ou a Ordopolítica, também assim alcunhada por Walter Eucken, é uma terceira via entre o capitalismo liberal laissez-faire, o capitalismo keynesiano (em todas as suas versões), o capitalismo nacional-desenvolvimentista e o socialismo marxiano, uma vez que ela mescla a liberdade econômica com uma visão humanística e social. Como já dizia Erhard: “o consumidor e o indivíduo devem estar acima de tudo e não o contrário”. No livro A Economia Humana, e também no livro A Crise Social do Nosso Tempo, Röpke afirma que o Estado deve ser apenas um “mediador” para que as leis sejam cumpridas e o funcionamento do mercado esteja em ordem. Outra questão que Röpke traz em outro livro de sua autoria, Crises e Ciclos, é a de que a ESM sempre vai analisar a história e as políticas que deram certo ao longo do tempo e não se prender apenas em números, tal como faz a ortodoxia. Por isso mesmo, Eucken diz que é preciso ter uma certa racionalidade dentro de um sistema econômico, como retratou em seu famoso livro Fundamentos de Economia Política. Ademais, citando novamente o economista francês Michel Albert, a ESM ou o modelo renano possui uma ética muito diferente do modelo anglo-americano de economia de mercado. Enquanto a ESM busca a ideia de um lucro a longo prazo, como fruto de um trabalho de longo prazo e bem estruturado, a economia anglo-americana visa a um lucro a curto prazo e também uma valorização demasiada do mercado financeiro, mais especificamente do mercado de ações, as chamadas “bolsas de valores”, o também conhecido “capital especulativo”.

  1. Êxitos da Economia Social de Mercado

Como já dito anteriormente, a Economia Social de Mercado teve seus conceitos implementados em diversos países europeus e também do leste asiático. Os princípios ordoliberais estão presentes em cada uma dessas nações, mas cada uma delas optou por fazer caminhos diferentes rumo ao desenvolvimento econômico. É possível reparar isso na Alemanha, na Suíça e na Holanda, que focaram numa ótica mais individualista, de fortalecimento do empreendedorismo. Os países do leste asiático também visaram a um crescimento através do empreendedorismo, porém como uma estratégia diferente, fortalecendo as grandes empresas de tecnologia como uma ideia de exportação de artigos de luxo. Por outro lado, os países nórdicos deram ênfase em criar um Estado de Bem-Estar Social bastante eficiente e mais inclusivo do que os outros welfare states vizinhos. A implementação da ESM na Alemanha foi com visão de longo prazo. Em 1945, a Segunda Guerra Mundial era finalizada com a morte de Adolph Hitler, líder nacional-socialista, com a conquista dos “Aliados” e com o ataque dos EUA a Hiroshima e Nagasaki. A Alemanha, antes mesmo de a Segunda Guerra Mundial acabar, já estava na pauta dos “Aliados”, que, nas conferências que fizeram entre 1943 e 1944, decidiram que o país seria dividido em duas áreas de influência, uma capitalista e democrática e a outra socialista, influência esta ligada ao período da Guerra Fria e à polarização do mundo entre Estados Unidos e União Soviética. Depois do “Tribunal de Nuremberg”, que julgou os crimes do nacional-socialismo na Europa, a Alemanha começou a passar pelo processo de formalização política, através da Constituição Federal, que só ficou pronta em 1949. O escolhido para levar a Alemanha aos seus dias de glória foi o prefeito de Colônia, Konrad Adenauer, do então novo partido e reformado, a União Democrata Cristã (CDU). Adenauer e os intelectuais de Friburgo estabeleram um plano de ação política e econômica que visou a dar fim à hiperinflação que assolava o país naquele momento, através de uma reforma monetária, a reforma do marco alemão. Ludwig Erhard mostra em seu livro A Prosperidade Através da Competição que ele e sua equipe, então, decidiram fazer uma desindexação, ou seja, os preços iriam parar de se basear na inflação passada. A reforma que iniciou em 1948 demorou a dar respostas e apenas se consolidou em 1951. Nesse período, a oposição ao governo ordoliberal de Konrad Adenauer (CDU), ou seja, na época, os outrora retrógrados social-democratas do SPD, queriam que o governo federal congelasse os preços e também pedisse mais dinheiro para os EUA, junto ao famigerado programa do Plano Marshall, visto que a Alemanha recebeu apenas US$ 1 bi dos US$ 13 bi destinados à Europa naquele período do pós-guerra. O reacionarismo social-democrata deu lugar à perplexidade, já que, como mencionado anteriormente, a reforma econômica de Erhard deu certo e, em 1954, com o país crescendo novamente, o partido União Democrata Cristã (CDU) venceu com ampla maioria as eleições diante do partido de esquerda moderada, o Partido Social Democrata (SPD). Apenas à título de comparação, os salários cresceram cerca de cinco vezes mais em comparação à época em que os nacional-socialistas estavam governando a Alemanha. Hoje, os países europeus e asiáticos que aplicaram os conceitos da ESM gozam de baixos índices de desigualdade social, de altos índices de desenvolvimento humano e de crescimento econômico. Apenas por questões de dados, dos vinte primeiros colocados no ranking do índice de desenvolvimento humano, dezoito aplicaram os conceitos da ESM. Se compararmos o IDH com o índice de liberdade econômica, entre os dez primeiros colocados, apenas quatro deles optaram pelo modelo anglo-americano de economia de mercado.

  1. Portanto…

O ordoliberalismo, portanto, é uma doutrina política que mescla o liberalismo econômico, a filosofia liberal-conservadora, o pensamento social-cristão da DSI e que renovou a democracia cristã na Alemanha. Ademais, os intelectuais de Friburgo também pensaram a Europa. Antes mesmo do término da Guerra, já havia um planejamento para a unificação das comunidades e tratados entre os países europeus a fim de criar um Mercado Comum Europeu e uma Comunidade Europeia que reforçasse os valores democráticos, o Estado de Direito e a liberdade de mercado, além de uma maior facilidade na conversibilidade monetária dentro dos países europeus, a fim de aumentar o comércio entre eles, como retrata Ludwig Erhard em seu livro A Prosperidade Através da Competição. Na constituição da República Federal da Alemanha, de 1949, já estava prevista a criação de uma Comunidade Europeia de Nações.

  1. O liberalismo social

O liberalismo social, também conhecido como liberalismo progressista no Brasil e apenas chamado de liberalism no mundo anglo-saxão, é uma corrente de pensamento que surgiu dentro do debate liberal sobre o papel do Estado na sociedade, principalmente na questão de garantir igualdade de oportunidades e justiça social. Isso faz com que social-liberais tenham um approach mais consequencialista, pragmático e, na grande maioria dos casos, se opõem ao conceito de direitos naturais. Eles enxergaram que apenas o mercado não seria o suficiente para atingir os objetivos do liberalismo e entendem a propriedade privada como um meio, não um fim em si mesmo, fazendo com que eles sejam mais pragmáticos na questão da intervenção estatal. Sendo assim, o liberalismo social é uma variante do liberalismo que vê os direitos positivos/sociais e liberdades positivas com maior ênfase.

  1. A política real do liberalismo social

O liberalismo social agiu de maneira eficaz sobre as crescentes questões sociais decorrentes do desenvolvimento da economia capitalista. O foco era aumentar o bem-estar das pessoas e o combate às desigualdades sociais. Para atingir esses objetivos, os liberais realizaram diversas reformas sociais, como, por exemplo, as Reformas Liberais britânicas e neozelandesas, a criação da seguridade social na França, com influência do Partido Radical francês, e na Finlândia criada pelo Partido Progressista Nacional. A primeira lei social da Holanda foi criada pelo liberal Samuel van Houten, e o maior sucesso do liberalismo social, o “Relatório Beveridge”, que trouxe as bases para o Welfare State britânico, canadense e diversos outros do pós-guerra. As ideias do liberalismo social não são encontradas apenas em partidos e políticos liberais, mas diversos partidos da Europa foram e são influenciados pelo liberalismo social, principalmente partidos da esquerda moderada, os social-democratas (com ênfase no SPD alemão e no Partido Trabalhista britânico).

  1. Liberalismo social e o welfare state

O liberalismo social forneceu contribuições para as bases teóricas do Estado de bem-estar social em diversos países – Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Países Baixos, Finlândia, França -, assim como foi base para o consenso do pós-guerra e da ordem internacional do pós-guerra. Alguns social-liberais menos intervencionistas que os keynesianos preferem um modelo de economia social de mercado, como foi o caso de Ludwig Erhard, que dizia defender um liberalismo social para a Alemanha.

  1. Características do liberalismo social

O liberalismo social pode vir com diversos “sabores”, desde liberais com mais ênfase no social, outros mais georgistas, outros mais “capitalistas”, outros que defendem uma economia mista entre uma economia de mercado e uma de planejamento, outros que defendem o Estado de bem-estar social, outros mais igualitários e assim por diante; mas as principais linhas do liberalismo social são a utilitarista, keynesiana, beveridgiana e a rawlsiana. A utilitarista e a rawlsiana apresentam a questão da justiça distributiva, a keynesiana já foi dita como a teoria econômica do liberalismo social e a beveridgiana foi responsável pela criação do Estado de bem-estar social.

  1. Diferenças e semelhanças entre o ordoliberalismo e o liberalismo social

Por mais que ordoliberalismo e liberalismo social possuam diversas semelhanças, essas duas vertentes do liberalismo são de origens distintas e, por vezes, discordam. Trazendo para a discussão uma análise de Isaiah Berlin e sua teoria das “duas concepções de liberdade”, tem-se o conceito de que a “liberdade positiva” implica uma visão mais favorável ao intervencionismo do Estado tanto na economia quanto na vida privada das pessoas, além da “liberdade negativa”, que enxerga essa atuação estatal com mais ceticismo. Nesse caso, o ordoliberalismo se encaixa na segunda definição retratada por Berlin. Os ordoliberais são favoráveis à justiça social, à solidariedade, mas defendem a subsidiariedade, ou seja, uma maior descentralização do poder e das decisões. Ademais, como já retratado neste texto, os ordoliberais veem no Estado um instrumento de combate a monopólios, trustes e cartéis, a fim de preservar o livre mercado. Portanto, o Estado deve ser apenas um “mediador”, alguém que fiscalize, não que interfira a todo instante nas esferas econômicas e sociais. O liberalismo social, por sua vez, já possui uma visão mais positiva do Estado, o que é definido por Berlin como a “liberdade positiva”. Isso quer dizer que os liberais sociais acreditam que o Estado pode ter mais liberdade para interferir na economia e nas questões sociais a fim de buscar a melhoria da vida das pessoas. Essa busca pela melhoria possui grande influência utilitarista, uma vez que o liberalismo social possui a intenção de trazer aos indivíduos o bem-estar social. Outra diferença que se relaciona com o que foi dito há pouco é a questão “moral” ou “individual”. O ordoliberalismo, como uma política criada a partir da Doutrina Social da Igreja Católica (DSI), pode ser menos progressista “moralmente” do que o liberalismo social. O economista de Friburgo, Walter Eucken, em seu livro Fundamentos de Economia Política, traz outro conceito bastante interessante e que pode servir como instrumento de semelhança entre essas duas posições do liberalismo. Eucken traz as ideias da “liberdade dos antigos’ e da “liberdade dos modernos”. A primeira faz referência ao liberalismo que buscava conter o poder tirânico do absolutismo e que visava a dar mais autonomia aos indivíduos. Já a segunda aspira à ideia de trazer mais igualdade de oportunidades aos indivíduos ou, como já dizia o economista francês Léon Walras, trazer mais “igualdade de condições” as pessoas. O instrumento para chegar a tal objetivo é a prática da justiça social e da solidariedade, conceitos estes que fazem parte desses dois posicionamentos liberais. No aspecto econômico, o ordoliberalismo e o liberalismo social possuem suas semelhanças, principalmente na questão de serem a favor de uma intervenção estatal para combater monopólios, desigualdades e promover a justiça social. Ambos são a favor de uma economia social e de livre mercado, mesmo que de maneiras diferentes. Outra questão em que possuem convergência é sobre a criação de um Estado de bem-estar social, onde ambos foram forças protagonistas na criação dos Estados sociais modernos e na criação do “capitalismo social” moderno.

*Kayque Lazzarini estudou ciências econômicas na FECAP e atualmente é estudante de relações internacionais na FECAP. Alexandre Conchon é estudante de ciências econômicas no Mackenzie.

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Kayque Lazzarini

Kayque Lazzarini

Estudou ciências econômicas na FECAP e atualmente é estudante de relações internacionais na FECAP.

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