A falácia do desenvolvimentismo no Leste asiático

Print Friendly, PDF & Email

Introdução

Nas academias brasileiras de humanas não aplicadas ou até mesmo nas academias de humanas aplicadas, sobretudo na área de Economia, que segue uma linha mais heterodoxa, é notável escutar que os países do leste asiático só prosperaram e se desenvolveram através de uma abordagem do modelo nacional-desenvolvimentista ou então de uma fortíssima intervenção do Estado na economia.

Bom, isso não poderia ser mais falacioso, uma vez que o livro O Milagre do Leste Asiático, criado pelo Banco Mundial em 1993, desmente todas as essas percepções com dados e com análise imparcial, como toda ciência precisa ter. Neste artigo, vamos discutir como os países do Leste Asiático pensaram seus modelos econômicos, além de ilustrar países mais ao sul da Ásia que aplicaram modelos mais destoantes dos países do leste asiático.

O Nacional-Desenvolvimentismo

Primeiramente, devemos explicar o que é o nacional-desenvolvimentismo a fim de fazer comparações com o modelo que os países do leste asiático aplicaram. O modelo nacional-desenvolvimentista é uma abordagem de políticas econômicas focada no desenvolvimento econômico e na industrialização dos países. Esse modelo se caracteriza por uma forte intervenção do Estado na economia com o objetivo de promover o crescimento industrial, além de investimentos em capital físico e fortalecimento da presença do Estado no âmbito empresarial, construindo a ideia de um “Estado empreendedor”.

Um dos maiores entusiastas dessa vertente econômica era o economista brasileiro, idolatrado pelos nacionalistas e extremo-esquerdistas da América Latina, Celso Furtado. O economista ressalta a importância do Estado no setor industrial e empresarial para induzir o crescimento econômico dos países. Como todo bom modelo nacional-desenvolvimentista, o setor industrial é a sua menina dos olhos, e os investimentos, sobretudo, em indústria de base, são fundamentais. Ademais, o protecionismo ao mercado local, os investimentos em capital físico e a centralidade do planejamento econômico nas mãos do governo central a fim de estabelecer metas de crescimento econômico são marcas muito fortes que caracterizam esse modelo heterodoxo da ciência econômica. Os países que aplicaram esse modelo são as nações da América Latina, sobretudo o Brasil da era Getúlio Vargas, onde houve forte presença de todos esses indicadores, além dos governos de Juscelino Kubitschek e da Ditadura Militar. No sudeste asiático, algumas economias também aplicaram esse conceito, tais como Indonésia, Malásia e Tailândia; mas vou explicar mais à frente como esses países fizeram o procedimento desenvolvimentista em suas economias.

Contexto histórico

O livro O Milagre do Leste Asiático começa ressaltando o contexto histórico dos países do leste/sudeste asiático que prosperaram. Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura são exemplos de sucesso de crescimento e desenvolvimento econômico. Outras economias dessa região, como Malásia, Indonésia, Vietnã, China e Tailândia, ainda estão na fase de “economias em desenvolvimento”. Dentre os países que obtiveram sucesso, podemos notar características muito semelhantes entre eles, sobretudo na Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura, pois estes tiveram governos seguidos de um mesmo partido ou de uma mesma figura política.

A Coréia do Sul, por exemplo, era um país extremamente pobre durante a década de 1950. A nação, que antes não estava dividida por conta da Guerra Fria, sempre teve sua política refém do imperialismo japonês, sobretudo durante o período entre guerras e da Segunda Guerra Mundial. Quando a Segunda Guerra terminou e o Japão passou por mudanças drásticas em seu comportamento de política externa, interna e econômica, a Coréia do Sul passou por um processo de guerra civil, onde grupos revolucionários do norte da Coréia queriam dar um golpe de Estado e implementar o socialismo em todo o país. Estes grupos, a fim de contextualizar o período, eram financiados pela União Soviética. Já o lado sul da Coréia queria se defender dos ataques e contou com ajuda do rival soviético no embate político, os Estados Unidos. A guerra terminou em 1953 e a Coréia foi dividida em duas: a primeira é a Coréia do Norte, sob o viés docialista e influência da União Soviética, e da China, que havia acabado de conseguir golpe de Estado com Mao Tsé Tung. A segunda é a Coréia do Sul, sob viés de uma economia de mercado e influência dos Estados Unidos.

O partido que sempre dominou a política sul-coreana é o atual Partido do Poder Popular, que segue uma abordagem de direita conservadora. O partido foi se construindo e reconstruindo ao longo do tempo, sempre com outros nomes. No entanto, esses partidos foram se unindo até virarem a atual agremiação que, inclusive, comanda a Coréia do Sul atualmente. Seu “opositor”, o Partido Democrático da Coréia, governou a Coréia do Sul em algumas oportunidades, mas não tanto como o Partido do Poder Popular. Após o fim da Guerra da Coréia, o país, no início da década de 1960, passou por um golpe de Estado sob o comando do militar Park Chung-Hee, do Partido do Poder Popular, acabando com o governo de Yo Bo-Seon, do Partido Democrático, após sua renúncia do cargo em 1963. Park afirmava que o golpe iria instituir um novo governo e restabelecer a ordem. No entanto, Park, que permaneceu no poder até 1979, e que vencia as eleições com índices de 99% dos votos, foi assassinado por um opositor político. Em 1980, Chun Doo-Hwan, também do Partido do Poder Popular, venceu as eleições com impressionantes 99% dos votos. Isso foi fruto de outro golpe de Estado dentro do próprio golpe que Park Chung-Hee havia aplicado duas décadas antes. Somente em 1988 a Coréia do Sul teve eleições livres.

Mesmo sendo uma ditadura, a Coréia do Sul cresceu muito em todos os aspectos. À título de comparação, o PIB per capita do país era de US$ 158 dólares no início da década de 1960. Em 1988, quando o país teve a sua abertura democrática, a PIB per capita já ultrapassava os US$ 4 mil dólares. Já o PIB do país saiu da casa dos US$ 3 bi no início dos anos 1960 para US$ 200 bi no início da abertura democrática. Os níveis de educação e expectativa de vida também aumentaram drasticamente. Economistas do mundo todo chamam este acontecimento de “O Milagre do Rio Han”, uma vez que a Coréia do Sul era um dos países mais pobres do mundo e anos depois se tornou uma potência. Atualmente, seu PIB per capita está próximo dos US$ 40 mil dólares.

O Modelo da Produtividade

Mas qual foi o modelo que a Coréia do Sul implementou? Bom, como o próprio livro diz, os países do leste asiático, sobretudo a Coréia do Sul, se basearam em políticas macroeconômicas pragmáticas que visavam ao crescimento da produtividade para que o crescimento econômico fosse sustentável a longo prazo. Para isso, o governo de Park Chung-Hee se aproveitou de uma vantagem, que era a existência de uma burguesia industrial no país, ou seja, grandes empresários do ramo privado que tinham experiência no setor tecnológico. O governo de Chung-Hee ajudou esses empresários a criar um conglomerado tecnológico, que ficou conhecido como “Chaebol”. Essa ajuda veio através de alguns fatores, tais como instituições fortes e bem organizadas. Apesar de ser uma ditadura, Park Chung-Hee fez uma reforma administrativa, onde os funcionários públicos estavam sob o mesmo regime da iniciativa privada. Além disso, o Estado não era um grande empregador, cargo este que ficou por conta da iniciativa privada. Porém, para se criarem empregos na iniciativa privada, foi preciso criar um ambiente de negócios favorável à livre iniciativa, como o próprio livro do Banco Mundial conta sobre o processo. Para isso, foi preciso criar um sistema tributário e demais legislações de forma mais simples, visto que isso foi essencial para a criação de novas empresas e de novos postos de trabalho. Como o próprio livro cita:

“Foi preciso cultivar um ambiente favorável aos negócios para resolver os problemas de coordenação. Os líderes precisavam de instituições e mecanismos para garantir aos grupos concorrentes que cada um deles se beneficiaria com o crescimento”.

Depois de criarem um ambiente institucional e de negócios bem organizado e favorável à livre iniciativa, foi preciso investir em setores, como da educação e da infraestrutura, ou seja, de capital humano e capital físico. Citando o livro novamente:

“A educação primária é, de longe, o maior contribuinte individual para o desenvolvimento dos países do leste asiático”.

Mas por que o capital humano foi tão importante? Simplesmente porque, para trabalhar nos novos postos de emprego, sobretudo nos conglomerados tecnológicos, era necessário que houvesse mão-de-obra qualificada e, por conta disso, o governo sul-coreano fez grandes investimentos, sobretudo na educação primária, ao contrário do que ocorre nos países latino-americanos, onde o grau de investimentos se dá, em maior quantidade, no ensino superior.

Após privilegiarem a formação de uma mão-de-obra qualificada e de um ambiente de negócios favorável, foi preciso investir em capital físico, sobretudo na infraestrutura do país, que não era adequada para a produção. Por fim, somado a tudo isso, os governos dos países do leste asiático, sobretudo a Coréia do Sul, seguiram as políticas econômicas ortodoxas de controle da inflação e de controle das contas públicas. Novamente citando o livro:

“Os governos alcançaram a estabilidade macroeconômica aderindo às prescrições políticas ortodoxas, em particular, mantendo os déficits orçamentários em níveis que poderiam ser prudentemente financiados”.

Afinal, sem política monetária e política fiscal responsáveis, jamais seria possível manter a estabilidade de um ambiente de negócios e atrair cérebros para trabalharem nas grandes indústrias dos países do leste asiático, em especial, da Coréia do Sul.

Uma política econômica que, claramente, foi voltada para privilegiar a produtividade; como já dizia o economista norte-americano Gregory Mankiw, um país só cresce economicamente através de um aumento de sua produtividade. As economias produtivas do leste asiático, como mencionei no início, tinham uma burguesia industrial com experiência para o ramo tecnológico. Na Coréia do Sul, o processo de conglomerados tecnológicos ficou conhecido como “Chaebol”. No Japão, o processo foi o do “Zaibatsu”. Em Taiwan e em Cingapura, não havia nomes específicos, mas o processo foi o mesmo. Esses conglomerados cresceram mundialmente através da exportação de bens de luxo, que valem mais na balança comercial e que fizeram os países do leste asiático enriquecerem muito rapidamente.

Os governos, inclusive, estimulavam as exportações desses bens desvalorizando seu próprio câmbio. O livro comenta em mais um trecho a importância do ambiente de negócios, do capital humano e das exportações de bens de luxo no sucesso dos empreendimentos tecnológicos privados dos países do leste asiático:

“Descobrimos, por um lado, que os esforços do governo para promover indústrias específicas geralmente não aumentariam a produtividade em toda a economia. Por outro lado, as evidências mostram que o amplo apoio governamental às exportações foi uma forma altamente eficaz de aumentar a absorção de tecnologia de melhores práticas internacionais, aumentando assim a produtividade e o crescimento da produção”.

Além disso, outro trecho ilustra bem as economias do leste asiático:

“Os países do leste asiático criaram ambientes institucionais seguros para o investimento privado. Os serviços civis desses países variam das burocracias altamente meritocráticas e isoladas do Japão, Coréia, Cingapura e Taiwan às administrações públicas menos eficazes e menos isoladas da Indonésia e Tailândia”.

Outro ponto importante relatado no livro é:

“A estreita ligação entre políticas macroeconômicas bem-sucedidas e o comércio livre podem ser vistas nas experiências da Coréia e Taiwan”.

Os processos macroeconômicos de Japão, Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura se deram de forma muito parecida: países extremamente pobres que tiveram longos governos de um partido dominante, de direita conservadora, como no Japão, com o Partido Liberal Democrata, que governou de 1948-1993, de 1996-2009 e de 2012 até os tempos atuais; Coréia do Sul, com o Partido do Poder Popular; Cingapura, com o Partido de Ação Popular, que governa o país desde 1959; e Taiwan, com o Kuomintang, que governou o país 1948 até 2016. Além disso, são países que apostaram na produtividade para ser o indutor do crescimento econômico, através de um ambiente de negócios favorável à livre iniciativa, de uma mão-de-obra qualificada com investimentos em capital humano e também de investimentos em capital físico, política monetária e fiscal responsáveis.

Com isso, podemos definir que esses quatros sucessos econômicos asiáticos tiveram um modelo econômico pragmático, onde olharam para políticas ortodoxas e também heterodoxas, contrariando os ideológicos propagandistas do nacional-desenvolvimentismo. O economista francês, Michel Albert, em seu livro Capitalismo x Capitalismo, associou a economia japonesa ao modelo do Capitalismo Renano, que visava a um crescimento econômico sustentável de longo prazo. Michel estava correto e poderia incluir os outros países bem sucedidos do leste asiático dentro desse modelo, que também representa a Economia Social de Mercado, muito presente na Europa Central, além do modelo Beverigdiano e Keynesiano, muito presentes na América do Norte e no norte da Europa.

O modelo dos países mais ao sul da Ásia

Mas, como mencionei no início do texto algumas economias do sudeste asiático que, de certa forma, tiveram algum crescimento econômico, também vamos comentar sobre elas. O livro traz os processos macroeconômicos da Indonésia, Malásia e Tailândia. A Indonésia conquistou sua independência em 1948 e, como diz o livro:

“Após a independência, em 1948, a política econômica foi moldada por um forte sentimento de nacionalismo aromatizado com sentimento anticolonial e antichinês. Houve algumas tentativas de liberalização, mas o regime político tornou-se cada vez mais orientado para dentro”.

A Indonésia praticou inúmeros pontos do nacional-desenvolvimentismo, tais como o forte protecionismo, o desestímulo às exportações, o fechamento do mercado nacional, políticas de estímulo ao setor industrial lideradas pelo próprio governo, altos gastos com políticas públicas que levaram a um alto déficit fiscal e política monetária também irresponsável. O presidente da Indonésia, Sukarno, que esteve no poder de 1948 até 1967, batizou o nome dessa política econômica de “Democracia Guiada”, o que reforça claramente o papel dirigista do Estado na economia. Depois que Sukarno deixou o poder, a Indonésia acabou mudando um pouco a sua política econômica, abrindo mais o mercado para fora e tentando se liberalizar. Atualmente, o PIB per capita da Indonésia é de apenas US$ 4 mil dólares, ou seja, um país de renda média baixa. Ademais, outro país que seguiu política parecida foi a Malásia, que, em 1971, adotou quase todos os pontos que a Indonésia havia aplicado. A NEP (Nova Política Econômica), de 1971, fez com que o Estado da Malásia fosse o grande protagonista do desenvolvimento econômico. Atualmente, a Malásia tem pouco mais de US$ 11 mil dólares de renda média.

Conclusão

Dessa forma, vimos que o modelo mais bem-sucedido dentro dos países do leste asiático seguiu políticas pragmáticas visando à produtividade. Em contrapartida, os países mais ao sul da Ásia, como mencionado acima, decidiram seguir uma política mais nacionalista e desenvolvimentista, que resultou num crescimento econômico mais lento.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Kayque Lazzarini

Kayque Lazzarini

Estudou ciências econômicas na FECAP e atualmente é estudante de relações internacionais na FECAP.

Pular para o conteúdo