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A falácia das ‘desigualdades’

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“Simplesmente pelo fato de a desigualdade da riqueza ser possível em nossa ordem social, simplesmente pelo fato de estimular a que todos produzam o máximo que possam, é que a humanidade hoje conta com toda a riqueza anual de que dispõe para consumo. Fosse tal incentivo destruído, a produtividade seria de tal forma reduzida, que a porção dada a cada indivíduo, por uma distribuição igual, seria bem menor do que aquilo que hoje recebe mesmo o mais pobre.”
(Ludwig von Mises)

Há alguns dias, passeando na internet, cliquei distraidamente em um link que conduzia ao portal de um grande jornal da velha imprensa, um daqueles abundantes de militantes e de mendicantes de verbas públicas. Foi quase como se houvesse permitido a invasão de um vírus! Imediatamente, dei de olhos com a seguinte manchete, a exibir na caradura uma obviedade gritante e vivífica como se fosse uma novidade brilhante e científica: “Sem os 10% mais ricos, Brasil seria um país igualitário, diz autor de novo livro sobre desigualdade”. Se existisse um detector de tolices em meu celular, seu ponteiro alcançaria naquele momento desditoso a posição máxima e talvez até estourasse. Francamente, é preciso escrever um livro para saber que sem 10% do açúcar em uma xícara o café ficará menos doce, ou que sem 10% do sal a salada ficará menos salgada? É trivial, assim como sabemos que sem 10% dos jornalistas capazes de inventar manchete tão cretina a imprensa tradicional recuperaria alguma credibilidade, supondo que os 90% restantes fossem profissionais preocupados em informar fatos concretos, e não em disseminar boatos abjetos.

É impressionante a obsessão que os progressistas — que, na verdade, em teoria e prática, são retrógrados consumados — têm com o que chamam de “desigualdades”. Em suas cabeças infectadas pela ideologia e em suas almas contaminadas pela inveja, se há muitos pobres é tão e somente porque existem poucos ricos. Em outras palavras, acreditam que a pobreza de uns deve-se à riqueza de outros e vice-versa, dando a entender que todos os “ricos” são pulhas exploradores e todos os “pobres” são santos em andores. Oi? Mas não é brigando com a riqueza que se diminui a pobreza!

Onde foi posto em prática, o progressismo produziu sociedades semelhantes a uma competição de automobilismo em que todos os carros, por determinação do controlador da prova, são obrigados a cruzar a linha de chegada ao mesmo tempo, só que muito depois dos que mandam na corrida e seus amigos, que abocanham as taças e os louros, principalmente os financeiros. Isso, sim, é profundamente imoral e gritantemente injusto.

É claro que no mundo real a partida dessa suposta corrida não pressupõe que todos os participantes larguem exatamente na mesma linha e que os “ricos” sempre vão partir na frente, assim como os carros e pilotos de melhor desempenho nas provas de Fórmula 1. Mas a teoria do capital humano, formulada há seis décadas e confirmada pela evidência empírica de muitos países, mostrou o que deve ser buscado: instituições e programas que garantam o mínimo possível de disparidades na largada. Feito isso, que prevaleça sempre o mérito. Mas os socialistas, comunistas, progressistas e outros “istas” — todos populistas —, em sua obtusidade e inveja, em nome de combater as “desigualdades”, simplesmente querem acabar com os melhores carros e pilotos para alinhar todos os demais e submetê-los a suas migalhas.

Ainda recorrendo a uma parábola com o esporte, seria como, em partidas de futebol, se proibissem craques de entrar em campo para que os jogos ficassem menos “desiguais” e mais “inclusivos” e se declarasse o empate como o único resultado “socialmente justo”. Ora, isso é de uma burrice gritante ou — o que é mais provável — de uma canalhice retumbante, todavia devidamente recompensada por votos.

O assistencialismo dos pretensos progressistas nos remete a algo terrível, que é o fomento, nas comunidades de baixa renda, da pobreza comportamental, constituída pela relativização moral, a ruptura de valores sólidos e a degradação da conduta. E leva também a uma ciranda viciosa: iludem os pobres, que votam em seus candidatos; estes, uma vez no governo, aumentam o assistencialismo, o que provoca crescimento das necessidades de financiamento do Estado; com isso, aumentam os controles e a carga tributária, a inflação dá as suas horríveis caras, o setor privado encolhe, e a pobreza aumenta, realimentando o ilusionismo, o assistencialismo, e assim por diante.

É evidente que aos populistas da política e da Academia não convém reconhecer que o verdadeiro problema a ser enfrentado não diz respeito às “desigualdades”, mas à pobreza, ou, mais especificamente, à pobreza absoluta ou miséria. E que para enfrentá-lo é preciso um ambiente institucional e legal que proporcione capacitação profissional e respeito à liberdade das pessoas. O Estado assistencialista embute um dilema: os programas de combate à pobreza, além de não reduzirem a pobreza material, agravam a pobreza comportamental, o que significa que, além de lesivos e desagregadores, pioram o problema, o que, aliás, já fora temido pelo próprio Roosevelt, o presidente do New Deal, que se referia aos “efeitos narcóticos” do Estado do Bem-Estar.

O que aconteceria com os seus beneficiados ao longo dessas duas décadas, caso fosse extinto? Voltariam a ser pobres como antes? A resposta é incontestavelmente afirmativa, o que é a prova irrefutável de que o programa não funcionou

A solução, irrefutavelmente, não está no determinismo econômico que sugere que a pobreza de Fulano é irremediável simplesmente porque ele é pobre e que, portanto, vai sempre precisar das esmolas do Estado; nem que ele é pobre porque Beltrano é rico e que, por conseguinte, é preciso tirar de Beltrano para “incluir” Fulano; e nem, muito menos, nos determinismos de origem genética, racial ou de gênero. Se essas teorias dogmáticas fossem válidas, os homens ainda estariam vivendo em grutas ou cavernas, todos seriam iguais na pobreza por decreto, a abominável teoria nazista estaria correta, o comunismo seria um sucesso, e não haveria nenhum negro, índio, mulher e homossexual capaz de subir na vida graças aos próprios esforços.

São devastadoras as políticas que estimulam os pobres ao comportamento autodestrutivo de viverem como animais em cercados, esperando que seu dono (o Estado) lhes provenha alimento, casa, emprego e roupa gratuitamente. Por isso, todos os programas que dão aos pobres “bolsas” disso ou daquilo são inúteis para eliminar as causas da pobreza. Estimulam o ócio e a preguiça e desencorajam os verdadeiros elementos e comportamentos que geram riqueza.

Há dias, o governo comemorou os 20 anos do programa Bolsa Família e isso nos leva a uma pergunta muito simples: o que aconteceria com os seus beneficiados ao longo dessas duas décadas, caso fosse extinto? Voltariam a ser pobres como antes? A resposta é incontestavelmente afirmativa, o que é a prova irrefutável de que o programa não funcionou. A mesma arguição vale para os diversos tipos de cotas, com a mesma resposta. Iniciativas desse tipo não podem ser transformadas em bolsas-votos permanentes, como o progressismo populista fez no Brasil. Têm que ter prazos predeterminados e estar associadas a investimentos em capital humano, como educação, saúde, ensino de profissões e avaliações individuais de desempenho.

Em A Vida na Sarjeta: o Círculo Vicioso da Miséria Moral, o médico britânico Theodore Dalrymple nos fornece muitas evidências de que os problemas enfrentados pelos pobres na Grã-Bretanha não são característicos apenas daquele país, mas universais, tanto no que diz respeito às suas causas como aos “remédios” que a grande maioria das pessoas no mundo acredita que o Estado do Bem-Estar possa prover. Lendo cada um dos 22 capítulos, é fácil convencer-se de que o Estado, além de não resolver os problemas associados à pobreza, na maioria dos casos os agrava. Muitas, senão todas, das situações relatadas no livro podem ser encontradas amiúde no Brasil.

Para Dalrymple, tudo é uma questão de atitude — das autoridades e dos indivíduos — perante a pobreza e o crime. O mundo atual, pautado pelos padrões progressistas, tende a colocar a culpa por ambos em supostas causas, que evocam o velho e roto conceito de luta de classes, como: a “sociedade”, a “concentração de renda”, o “preconceito”, a “dívida social” em relação aos negros e índios, o “machismo”, a “exclusão” das minorias, a “homofobia”, o “racismo estrutural” e a “misoginia”, todas desagregadoras e propagadoras de discórdia e, portanto, contrárias às verdadeiras fontes da prosperidade, que são a cooperação social com liberdade e leis justas.

É triste constatar que os instrumentos que de fato contribuem para eliminar a miséria e diminuir a pobreza são sistematicamente repudiados, ao passo que são proclamadas insistentemente falsas explicações para o problema, cujo efeito é o de fazer com que não seja solucionado. Essa verdadeira praga é baseada em ideologias que transferem sempre para terceiros — “os outros” — a culpa pelas próprias dificuldades, o que, sem dúvida, estimula vícios como a inveja, a revolta e o ressentimento. A consequência disso é que hoje existe uma geração de pessoas sem saber ler, escrever nem fazer operações aritméticas elementares e que não revelam a menor intenção de aprender como fazê-lo corretamente, assim como de empenhar-se para subir na vida. Para quê, se acreditam que o Estado assistencialista pode resolver os seus problemas e, mais do que isso, que tem a obrigação de fazê-lo? Essas pessoas são conduzidas a vidas desprovidas de significado, já que não são incentivadas a se orgulharem de conseguir pagar a própria casa e comida. Em outras palavras, são deixadas ao deus-dará e sem nenhuma noção de responsabilidade, em um mundo relativista, extremamente carente de juízos de valor e que trata o esforço e o mérito como se fossem pecados.

A primeira providência a ser tomada para combater a pobreza é tratar os pobres como seres humanos, e não como bois, dotá-los de senso de responsabilidade individual e social e mostrar a eles a importância dos valores morais tradicionais — como estudo, honestidade, trabalho, frugalidade e respeito ao próximo — que, infelizmente, vêm sendo progressivamente torpedeados pelos que usam a fome e a precariedade alheias para enriquecimento próprio. Combater verdadeiramente a pobreza é criar um ambiente institucional e legal que proporcione capacitação e trabalho. Lutar contra a pobreza é e será uma exigência permanente de todas as sociedades, uma vez que sempre haverá pobres no mundo. Como também há pobreza nos países desenvolvidos, só que em graus inferiores ao que se observa nos atrasados, concluímos que a vitória contra esse mal, do ponto de vista de uma sociedade como a brasileira, está em reduzir a pobreza relativa existente, ou seja, fazer com que a pobreza absoluta caia mais rapidamente do que nas sociedades desenvolvidas. Não é uma tarefa fácil, mas é possível, desde que abandonemos as práticas populistas comprovadamente equivocadas e tenhamos a coragem e a capacidade para institucionalizar as reformas que nos coloquem no caminho certo e tornem o jogo justo. Se desigualdades há a serem atacadas, são as de oportunidades e jamais as de resultados. Os seres humanos só são iguais na dignidade a que têm direito; no demais, são desiguais. E é bom que seja assim, porque são obras de Deus.

– Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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