Drogas, questões individuais e questões sociais

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opioA questão da liberação das drogas é sempre um tema que desperta muitas paixões na sociedade, principalmente junto a pessoas que tiveram ou têm parentes e amigos envolvidos no uso de drogas. O jornal “O Globo” de hoje tem como manchete a notícia de que o uso de drogas seria a maior causa de abandono de crianças no Brasil, de acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público, com a maior parte dos problemas advindo especificamente do uso do crack. Essa é uma questão profunda que merece maiores reflexões.

A primeira reflexão que eu trago é que eu não gosto do uso do consumo de drogas como desculpa para comportamentos abjetos. O discurso exculpante de que uma causa externa foi a responsável por um opção individual infantiliza a sociedade e, no longo prazo, incentiva a ocorrência do fato social que se pretende combater. O abandono e maltrato de crianças e adolescentes é um problema gravíssimo, e o uso de drogas pelos pais e responsáveis desses jovens não pode servir como desculpa para tais comportamentos. Focar o problema no uso de drogas é esquecer a quebra da unidade familiar, dos valores morais e, principalmente, das questões internas do sujeito imoral que perpetrou esse comportamento contra sua prole, que, diga-se, em algum momento exerceu a liberdade de usar drogas de maneira voluntária, livre e desimpedida.

Isto posto, podemos partir para um segunda reflexão, decorrente da primeira. O uso de drogas é um problema individual antes de ser um problema social. Há pessoas que usam drogas com relativa frequência e lidam bem com isso, ao passo que outras pessoas lidam mal e seus comportamentos erráticos acabam por influir na saúde, bem-estar e liberdade de terceiros, assim como temos pessoas que lidam bem ou mal com o consumo de drogas legais, como álcool, analgésicos, barbitúricos, e assim sucessivamente. Há um grande erro dos especialistas em geral em focar em causas sociais para o consumo de drogas, quando é da história da humanidade o uso cotidiano de tais substâncias para fins recreativos ou medicinais. Seria mais produtivo, para toda a sociedade, entender não porque pessoas usam ou não usam drogas, mas entender porque pessoas usam drogas de maneira errada e/ou abusiva. Tal estudo, no entanto, passa ao largo da discussão sobre esse fenômeno.

Uma terceira reflexão tem a ver com os freios de mercado à venda de substâncias mais comprometedoras à saúde humana, como crack e desomorfina (krokodil). É da lógica de mercado que produtores não querem ver seus consumidores morrendo. Um consumidor morto é um consumidor que não consome. O que explica então a venda de produtos como crack e krokodil? Na verdade, os dois produtos são frutos da obstrução de mercado. Crack e krokodil são substâncias nocivas que são derivadas, respectivamente, da matéria prima da cocaína (folha de coca) e heroína (ópio/papoula). Dada a proibição sobre o consumo de drogas, tais substâncias originais, em seu estado de melhor qualidade e menor nocividade, se tornam extremamente caros, vindo a se tornar inviáveis para as classes econômicas mais baixas. Como o traficante se vê impossibilitado de acessar o mercado das classes D e E, os subprodutos crack e krokodil passam a ser economicamente viáveis, pois é melhor vender uma única vez ou pouquíssimas vezes drogas para essa classe, ainda que destrua seu comprador, do que não vender nunca. Portanto, a política de proibição deve ser sempre analisada com o maior cuidado possível, pois as classes mais pobres são sempre as mais prejudicadas, principalmente porque as drogas de pior qualidade terminam sendo consumidas por elas.

Minha quarta reflexão sobre o tema é que a questão da política de drogas não envolve  apenas questões econômicas, envolve também questões morais. A proibição das drogas, pela pura lógica econômica, é inviável e mais ineficiente do que uma política de liberação com criação de mecanismos de responsabilidade pessoal. Mas a questão dos valores morais da sociedade também entra em discussão aqui, sendo compreensível o uso da política proibitiva. Apenas o debate mais aprofundado, racional e menos apaixonado sobre o tema é que poderá nos levar a conclusões sobre as melhores políticas a serem adotadas para se restringir ao máximo o problema social que é a restrição da liberdade de indivíduos inocentes atingidos por quem usa drogas, vende drogas ou combate quem usa e vende drogas.

Minha quinta e última reflexão sobre o tema foge da questão das drogas e mira no problema das crianças. Uma evolução concreta do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é a ideia de que as medidas civis aplicadas a elas deixam de ter como parâmetro o melhor interesse dos pais ou da sociedade e passam a ter como base o melhor interesse dela, a criança. Esse princípio, no entanto, ainda é mal observado, interpretado ou aplicado no que tange a questões de guarda da criança. Quem trabalha em hospitais públicos, como é o caso da minha esposa, vê uma série de problemas e questões nesse sentido, com grande falta de apoio à família e às crianças, por vezes dificultando a retirada de crianças de lares que não possuem estrutura para abrigá-las, por vezes retirando crianças de famílias que amam seu filhos e cuidam bem deles, ainda que em dificuldades financeiras. O resultado da ineficiência estatal do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), tão inacreditavelmente ruim quanto sua contraparte na saúde, o SUS, é a desestruturação de famílias pobres sólidas e o desarranjo psicológico de crianças. Está faltando, dentro do movimento liberal, uma luz crítica sobre a situação da SUAS.

Fica sempre nosso desejo de ver sempre as famílias unidas e as crianças protegidas, mas precisamos com urgência de uma reforma pontual na política de drogas, na política do SUAS e no foco do combate ao vício, saindo da visão holística-coletivista para uma visão familiar-individual. Sem isso continuaremos a enxugar gelo enquanto vidas são perdidas.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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