Decisões Judiciais e o caminho para o totalitarismo

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Great cases, like hard cases, make bad law. For great cases are called great not by reason of their real importance in shaping the law of the future, but because of some accident of immediate overwhelming interest which appeals to the feelings and distorts the judgment. These immediate interests exercise a kind of hydraulic pressure which makes what previously was clear seem doubtful, and before which even well settled principles of law will bend.” (193 U.S. 197, Northern Securities Co. v. United States, Dissenting Opinion, Justice Oliver Wendell Holmes)

Qualquer pessoa com um mínimo de bom-senso deveria saber que a Liberdade e o Direito de Propriedade são pilares essenciais de qualquer regime dito democrático. São pontos chaves da defesa do cidadão contra o Leviatã de Hobbes. Todo o resto gira em torno deles. Quando os Estados Unidos ­­–– ainda uma colônia britânica ­­–– se sentiram oprimidos pelo autoritarismo da Coroa, houve derramamento de sangue e a assinatura de um dos documentos mais importantes da história ocidental: A Declaração de Independência, datada de 1776. Para fins deste texto, vale destacar o seguinte trecho do famoso documento:

Na realidade, a prudência recomenda que não se mudem os governos instituídos há muito tempo por motivos leves e passageiros; e, assim sendo, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo as formas a que se acostumaram. Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, assistem-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiães para sua futura segurança.” (g.n.)

O clamor dos Founding Fathers, guardadas as devidas proporções, se assemelha a súplicas que alertam sobre os abusos e usurpações cometidos por alguns magistrados brasileiros, que, a bem da verdade, agem como se fossem justiceiros. Nunca é demais lembrar a advertência de Mauro Cappelletti: “O juiz que decidisse a controvérsia sem pedido das partes, não oferecesse à parte contrária razoável oportunidade de defesa, ou se pronunciasse sobre o seu próprio litígio, embora vestindo a toga de magistrado e a si mesmo se chamando de juiz, teria na realidade cessado de sê-lo.” (Juízes Legisladores, Ed. Sergio Fabris)

Para tentar coibir esse tipo de comportamento, a Constituição Federal, em seu Artigo 5º, dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)  LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.

O texto constitucional faz mais, exige que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (Artigo 93, inciso IX). Sobre o dever de fundamentar, vale recorrer aos gigantes Calmon de Passos e Barbosa Moreira:

“Estamos todos acostumados, entretanto, neste nosso País, que não cobra responsabilidade de ninguém, ao dizer de magistrados levianos, que fundamentam seus julgados com expressões criminosas, como estas: ‘atendendo ao quanto nos autos está fartamente provado…’, ‘à robusta prova dos autos…’, ‘ao que disseram as testemunhas…’, e outras leviandades dessa natureza, que, se fôssemos apurar devidamente, seriam, antes de leviandades, prevaricações, crimes, irresponsabilidade e arbítrio, desprezo à exigência constitucional da fundamentação dos julgados, ‘cusparada’ na cara dos falsos cidadãos que somos quase todos nós. Espero que não se tolere antecipações de tutela com fundamentações desse tipo, porquanto fundamentação não é pronunciamento judicial genérico, impreciso, leviano, impertinente e falseador da verdade dos autos.” (J.J. Calmon de Passos, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. III, Forense, 8ª edição, 1998, pág. 28.)

Por exemplo, se o juiz disser: estando presentes os pressupostos legais, concedo a antecipação. Isso, aqui entre nós, não é fundamentar coisa nenhuma. É fingir que se fundamente, é prestar uma homenagem verbal à exigência da fundamentação. É como se eu passasse perto de uma pessoa de quem não gosto e formalmente a cumprimentasse, tirando o chapéu, se usasse, ou fizesse um movimento de cabeça e, entre dentes, estivesse mandando a pessoa ao inferno. O juiz que fundamente uma decisão dizendo coisas desse gênero: defiro porque presentes os pressupostos legais, está prestando à garantia constitucional uma homenagem desse tipo. Esta fazendo de conta que fundamente sua decisão.” (José Carlos Barbosa Moreira, “A Antecipação da Tutela Jurisdicional na Reforma do Código de Processo Civil”, RePro 81/210.)

Isso tudo, meus senhores, são as bases do Estado Democrático de Direito, que impedem o arbítrio, os abusos, as usurpações e o despotismo. O poder que, quando mal exercido, permite impingir tirania brutal contra cidadãos deve ser controlado. Esse controle está destilado em comandos explícitos da Constituição.

Uma ordem de prisão por autoridade incompetente, sem devido processo legal, sem contraditório e ampla defesa e desprezando, solenemente, o princípio da inocência é medida draconiana e totalitária. Faltante qualquer dos elementos acima –– salvo situações excepcionais tratadas, com enorme cuidado, pela lei ordinária, e interpretadas restritivamente –– revela tudo, menos o respeito ao Estado Democrático de Direito.

Feitas essas considerações, uma decisão como a que determinou a prisão do ex-presidente Michel Temer é a representação máxima de um Estado Policialesco, imponderado, açodado e capaz de violência acachapante contra o indivíduo. E, não fosse só isso, baseando tudo em suposições. O texto é permeado de especulações. Como diria o Bruxo do Cosme Velho: “Eis aí justamente o ponto intrincado. A imaginação perde-se em um mar de conjecturas, sem achar nunca o porto da verdade, ou pelo menos, a angra da verossimilhança.” (extraído do conto: Troca de Datas)

Antes de sair prendendo, de uma forma espetaculosa, há que se assegurar a qualquer um –– frise-se, a qualquer um –– os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição, que, tristemente, vem sendo rasgada diariamente em nosso país. Sem ela, contudo, estaremos seguindo, a passos largos, para o “Caminho da Servidão” de Hayek, numa corrida perversa para o totalitarismo.

Ser investigado e processado, no Brasil atual, virou, em linguagem machadiana, “um espetáculo misterioso, vago, obscuro, em que as figuras visíveis se faziam impalpáveis, o dobrado ficava único, o único dobrado, uma fusão, uma confusão, uma difusão…” (Esaú e Jaco). Pindorama, lamentavelmente, institucionalizou o Processo Kafkiano.

OBS (1).: Lula respondeu a seu processo em liberdade. Houve sentença condenatória, proferida, à época, pelo então Juiz Sérgio Moro. Manejou-se recurso contra essa decisão. O TRF-4 manteve a decisão e majorou a pena. Impetram-se sucessivos habeas corpus, passando pelo Superior Tribunal de Justiça, até chegar ao Pleno do Supremo Tribunal Federal. Só após encerrarem os recursos relativos ao habeas corpus no Supremo é que o TRF-4 determinou a prisão. Por que com Michel Temer tudo foi diferente?

OBS (2).: Aliás, por que o Ministério Público queria ficar com aproximadamente R$ 2.500.000.000,00 do acordo com o DOJ (Department of Justice) americano? Qual seria a legitimidade do Parquet para receber essa vultosa quantia? Mais! De onde vem a ideia de usar esse montante para a criação de um Fundo Privado que realizaria a gestão dos recursos da Lava Jato? Por acaso se quer criar um Estado paralelo?

Nada disso, data maxima venia, faz o menor sentido. Está faltando prudência, meus senhores, está faltando prudência… As próximas vítimas do açodamento atual serão os cidadãos comuns. Fogueiras e guilhotinas, eram instrumentos de inquisidores e jacobinos. A civilização já deveria ter deixado isso nos livros de histórias, para lembrarmos do que há de pior na brutalidade humana. Como alertado no pórtico do presente: “great cases, like hard cases, make bad law”. Devagar com o andor pois o santo é de barro.

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Leonardo Correa

Leonardo Correa

Advogado e LLM pela University of Pennsylvania, articulista no Instituto Liberal.

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