Crimes Vagos e a Teoria Tripartite do Crime
Luiz Elídio Menezes*
Motivado por uma discussão estúpida com uma professora tão autoritária, que diante de qualquer sinal de discórdia diante do que ela diz, parte para a humilhação de seus alunos dizendo a obviedade de que todos tem o direito de discordar dela, mas que devem ter em mente que ela sabe mais.
Obviedade sim, pois nossa Constituição Federal garante o direito à liberdade de expressão e de pensamento, e, se ela tivesse um domínio inferior ao de seus alunos na matéria em questão, não haveria por que remunera-la para assistir sua aula.
Desabafos a parte, a maçã da discórdia foi a definição apresentada do que é um crime vago.
A professora diz ser um crime cuja vítima é toda sociedade, enquanto eu teimosamente insisto que é um crime que não possui vítima alguma.
Ela fundamenta sua posição dizendo que esta é a definição dada por grandes juristas, como Damásio de Jesus, Luiz Flávio Gomes e Cia ltda.
Eu fundamento minha posição na lógica, e na teoria tripartite (ou bipartite para os que querem ser chatos) do crime. Sem entrar em detalhes, esta teoria define o crime como sendo fato típico, antijurídico e culpável. Ou seja, fato descrito em lei, defeso e o qual se pode demandar conduta diversa.
Tal lição é dada de cara nas aulas introdutórias de direito penal, e creio eu que não haja divergências sérias quanto a esta definição.
Pois bem, como diria Paulo Leminsky, preste muita atenção no que não digo. O que é que a teoria tripartite não diz? Pois é, ela não diz “vítima”. Não é possível encontrar na definição de crime, nem deduzir a partir das premissas de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade a existência de uma vítima.
Portanto, a teoria tripartite prevê a existência de crimes sem vítima.
Apesar disso, causa certa espécie de mal estar nos doutrinadores e demais juristas admitir o óbvio.
Que em nosso ordenamento jurídico pululam regras que preveem punição para pessoas que simplesmente não fizeram mal a ninguém, e, quando deparados com tais normas, incapazes de identificar quem foi prejudicado pelo criminoso, ao invés de simplesmente confirmarem a correição da teoria tripartite, sentem-se obrigados a encontrar uma vítima, que frequentemente é o conceito abstrato de toda a sociedade.
É uma tremenda insensibilidade negar o fato de que o nosso Estado diuturnamente prive de sua liberdade, sua propriedade e por vezes até da própria vida pessoas que não fizeram mal a ninguém.
Isto é injusto, imoral e desumano, e em respeito à estas pessoas, me recuso à participar deste jogo de autoengano.
Se há uma vítima nos casos de crimes vagos, são os próprios “criminosos”, estes sim, verdadeiras vítimas da sociedade.
*Programador e estudante de direito. Alguém que pretende trazer alguma lógica para a insanidade deste país.
Nota: “Evidente que o crime vago é o crime sem vítima”: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
A vítima, no sentido de sujeito passivo do ilícito penal, nos casos de crime vago, ou trata-se de ente sem personalidade (cadáveres, animais, meio ambiente), ou simplesmente não pode ser identificada (porte ilegal de armas, cultivo de drogas, contrabando)
A doutrina majoritária sobre o tema, simplesmente, quando deparada com um tipo penal cuja vítima não tem personalidade jurídica ou não é identificável, tenta cobrir este vácuo falando que trata-se de toda a sociedade como vítima.
Por que ou Como um criminoso de crime vago seria uma vítima?
A vítima a que a professora refere é uma pessoa humana, individual ou coletiva, ou pode ser uma pessoa jurídica?
Por que como a vítima ou não pode ser identificada, ou não tem personalidade jurídica, e o autor será punido por ato que não violou o direito de ninguém, ao ser punido, o autor se converte na vítima.