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“Contabilidade criativa”: o Regime de Recuperação Fiscal precário do Rio de Janeiro

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O Rio de Janeiro tem enfrentado muitas divergências entre o governo federal e o governo do estado. As soluções vêm se dividindo a “pé de ferro” para aprovar o novo Regime de Recuperação do Estado (RRF). A Procuradoria Geral da Fazenda e a Secretaria do Tesouro Nacional rejeitaram as metas fiscais estabelecidas pelo governador Cláudio Castro e isso faz sentido: o novo projeto visava à expansão dos gastos, simultaneamente tendo projeção de cortes mais rígidos das despesas só para o último ano vigente do plano – em 2030.  Um plano que implica riscos à União, podendo fazê-la assumir os custos de socorro ao estado, além de ser um grande deboche a outros acordados com estados como Goiás e Rio Grande do Sul, que vêm se esforçando com os ajustes fiscais para continuar recebendo os direitos do projeto. É caminhar no sentido oposto ao regime de recuperação fiscal acordado em 2017. De lá para cá, o Rio tem se movimentado pouco para cumprir as regras. Liberaram verba indenizatória de R$ 12 mil para conselheiros, leis recentes concederam reajustes a servidores do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e da Defensoria Pública, impacto de R$ 4,5 bilhões de despesa com pessoal da área de saúde, realizando apenas a privatização da Cedae e, sendo devedor, não ressarciu em um centavo a União.

Observe a realidade financeira do estado fluminense: desde 2017, deixou de pagar R$92 bilhões à União e deu um calote recente de R$4,5 bilhões. Há falta de prioridade ao enviar um projeto que desconsidera o impacto da insegurança com o baixo desenvolvimento econômico, alta dependência de royalties do petróleo e aumentos nominais para o funcionalismo local. É uma conta criativa que não fecha, aumentando gastos correntes do estado em 45,2% até 2030, e as receitas expandindo 36,9%.

Trarei ao longo do texto situações fiscais de vários estados, movimentos feitos e que sirvam como exemplo para tomadas de decisões necessárias. O governador precisa definir o tom que irá tomar com as contas públicas, se irá atender o regime de recuperação fiscal do estado ou a projetos políticos. Tratar finanças aqui é empurrar as contas do estado a “banho-maria”; falta pragmatismo e senso de urgência nos parlamentares cariocas, como disse Nicolau Maquiavel – “a política não se faz com águabenta”.

 

Alinhar os limites de gastos com pessoal de acordo com a LRF

É fundamental que o Rio se adapte à Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece um limite de 60% para despesa com pessoal nos estados. Aqui se gasta 65% com folha de pagamento, sem contar que a média prudencial da União é de 57,9% – nos dois casos, está fora do padrão de despesa.  Segundo uma apuração do Tesouro Nacional, nove estados estão acima do limite da LRF, como mostra o gráfico 1. Nesses termos, o papel do estado se resume apenas ao pagamento da folha dos servidores públicos. Os recursos ficam quase nulos para suprir todas as rubricas do gasto público.

No novo plano apresentado, o estado previa reajustes salariais em todos os anos do regime de recuperação. Os aumentos seriam 5,8% em 2022, 3,5% em 2023, 3,25% em 2024 e 3% ao ano entre 2025 e 2030. Violava a manutenção do chamado triênio (adicional de salário a cada três anos de serviço para servidores), que já está na ativa. A intenção seria impedir apenas as projeções salariais para os novos concursados, mas a PGFN – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional diz que o arrocho precisa alcançar todos os servidores, incluindo os já ativos em carreira.

 

Recuperar a credibilidade do CAPAG

O Capag (Capacidade de Pagamento) é uma excelente métrica para avaliar a situação fiscal do estado. Ele funciona como uma classificação de risco para estados e municípios. De 2017 para cá, é baseado em três pilares: endividamento, poupança corrente e índice de liquidez. Dessa forma ficou mais fácil avaliar o grau de solvência, entre receitas e despesas correntes e a qualidade do caixa, chegando a uma interpretação dessas avaliações. Quem tiver nota A e B na tabela pode receber uma garantia da União; caso contrário, nota C e D, estão proibidos de receber certas garantias.

Segue a tabela de um estudo feito pelo IFI – Instituto Fiscal Independente, para exemplificar melhor essa situação.

O Rio apresenta uma nota final “D”. Isso mostra que teve nota “C” nos três últimos indicadores, ou seja, está endividado, tem baixa liquidez e poupança. É perturbador por ser um dos estados mais desenvolvidos do ponto de vista econômico, porém com a dívida consolidada acima de duas vezes a receita corrente líquida e também a despesa corrente igual ou superior à receita corrente e os piores índices de liquidez.

 

Caixa da Cedae e efeitos pandêmicos não são infinitos

Uma frase dita por Armando Castelar Pinheiro explica muito bem essa situação: “A sociedade brasileira se preocupa demais em expandir seu pedaço de bolo e de menos em aumentá-lo”. Houve uma empolgação com o dinheiro em caixa com a privatização da Cedae, aumento da arrecadação dos efeitos inflacionários, repasses feitos pelo governo federal, suspensão de pagamento de dívidas federais desde 2020, e a folga com o recurso 173/20; esses incidentes não são duradouros, não dá para desdenhar o impacto da crise e criar uma zona de conforto oposta à realidade vivenciada pelo estado.

A arrecadação do Rio de Janeiro em 2021 aumentou 46,3%, as receitas totais chegaram a R$57 bilhões no ano passado, enquanto em 2020, foi de R$38,9 bilhões. Parte desse caixa decorre dos R$18 bilhões do leilão da estatal e algumas entradas tributadas, mas não é motivo para arraigar os gastos – descontando o ganho de verba em caixa do leilão, a receita se iguala ao período anterior. É importante realizar um trabalho a longo prazo, mas que não coloque em risco a situação financeira do estado. Alguém irá assumir a responsabilidade dessa contabilidade criativa daqui a alguns anos.

 

Os cariocas deveriam se inspirar nos capixabas

 Há bastante tempo o estado do Espírito Santo vem fazendo um bom trabalho com as contas do estado. É um ofício árduo de longo prazo, mas funciona. Já faz 10 anos que eles vêm conquistando o selo nível “A” do Tesouro Nacional. Há bons exemplos para se espalharem e o trabalho do Espírito Santo mostra muito bem isso. É o estado mais transparente do País na administração pública e que, entre os outros indicadores, tem a segunda maior esperança de vida entre todas as unidades da Federação, acima da média nacional (79,1 anos ante 76,6 da média do Brasil).

Não é “puxar sardinha”, mas observe um ponto fora da curva em meio a tantos estados endividados no Brasil. O Espírito Santo é o único ente federativo do Brasil que reserva parte dos recursos do petróleo para o futuro, com o Fundo Soberano. Enquanto isso, tivemos situações como em 2018, quando o Rio teve que usar 75% da participação dos royalties de petróleo para cobrir um rombo bilionário previdenciário. Um recurso que deveria ser utilizado para investimento do estado a longo prazo, os cariocas empobreceram e muito rápido. Basta perceber o investimento de 2,1% de ROL em 2021, o pior percentual de investimento do país.

 

O Rio de Janeiro tem solução

Não seremos tão pessimistas. É claro que sim, tem solução. Se observarmos outras regiões, como Alagoas, Paraná, Ceará, Maranhão e Piauí foram os únicos estados cujas contas não se deterioraram nos últimos anos. São estados que saíram de um déficit acumulado de R$548 milhões para superávit de R$943 bilhões, resultados que vieram através de arrocho fiscal, adotando-se medidas como a redução de 30% no número de cargos comissionados e o fim de cinco secretarias estaduais. Investimentos só se houvesse recursos da União. É como diz Carlos Melconian, consultor econômico argentino: “ajuste fiscal é como fazer abdominais: se não doer, é porque não está sendo bem feito”. Sim, haverá um esforço maior durante e após a pandemia, mas é uma realidade dura que tem que ser encarada.  Corrigir as contas públicas é melhorar a produtividade do estado e sucessivamente outros atributos evoluíram ao mesmo tempo, como: infraestrutura, solidez fiscal, segurança pública, potencial de mercado, eficiência da máquina pública.

Um exemplo citado por Fabio Giambiagi em seu livro Tudo sobre o déficit público engloba muito bem características específicas que três presidentes dos brasileiros tinham e que com certeza é uma “carapuça” para os parlamentares cariocas. Os atributos são: um toque de pragmatismo do Fernando Henrique Cardoso, uma pitada de persuasão de Tancredo Neves e a capacidade oratória de Lula. Trabalhar incessantemente em prol das reformas, querer resolver e convencer ambas as partes que a partir deste ponto é a única solução a curto, médio e longo prazo, dialogar não só com parlamentares, mas com todo eleitorado para extinguir a alusão que medidas populistas irão funcionar – assim o Rio de Janeiro poderá voltar a prosperar.

Fontes:

Fabio Giambiagi. “Tudo sobre o déficit público”. 2021. Alta Books Editora.

Felipe Santo e Mansueto Almeida. “Finanças públicas: Da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade”. 2016. Editora Record, 2º edição.

Josué Pellegrini. “Análise da situação fiscal dos estados”. 2020. Instituição Fiscal Independente.

Nicolau Maquiavel “O príncipe” e os políticos modernos”. 2019. Jornal O Liberal

http://www.transparencia.rj.gov.br/transparencia/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-renderer.jspx?_afrLoop=40711918592555382&datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC200135&_adf.ctrl-state=16g7ey2wx_9

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-01/plano-de-recuperacao-do-rj-podera-passar-por-ajustes-diz-governador

https://www.gov.br/economia/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2022/janeiro/nota-do-tesouro-nacional-sobre-o-regime-de-recuperacao-fiscal-rrf

http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC42000017294

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/580041/EE14.pdf

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/24/tesouro-nacional-diz-que-9-estados-superaram-limite-da-lrf-para-gastos-com-pessoal-em-2019.ghtml

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/01/4977900-mg-rs-e-rj-que-estavam-quebrados-recuperam-o-caixa-na-pandemia.html

http://www.contabilidade.fazenda.rj.gov.br/contabilidade/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-renderer.jspx?datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC275754&_adf.ctrl-state=617vlj2h1_2&_afrLoop=83779542396881898&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=181kbl94it

https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=396036

https://www.rioprevidencia.rj.gov.br/PortalRP/Informativos/Noticias/RP_001578

https://www.es.gov.br/Noticia/espirito-santo-mantem-5-lugar-no-ranking-de-competitividade-dos-estados

https://www.es.gov.br/Noticia/espirito-santo-mantem-5-lugar-no-ranking-de-competitividade-dos-estados

https://www.rankingdecompetitividade.org.br/sudeste%7D/rj/ranking-geral/nota-do-pilar?year=2021

https://oglobo.globo.com/economia/maioria-das-cidades-campeas-de-royalties-do-petroleo-investe-abaixo-da-media-nacional-24085041

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-01/uniao-cobriu-r-896-bilhoes-de-dividas-de-estados-em-2021

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Wadathan Felipe

Wadathan Felipe

Formado em Administração de Empresas e gestão financeira, associado do IFL - Instituto Formação de líderes, especialista no Instituto Millenium e alumni da Students For Liberty Brasil. Liberal clássico e entusiasta pela liberdade, economia e empreendedorismo. Um ser humano bem crítico com pensamentos inovadores.

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