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Como avaliar o liberalismo de Dom Pedro I

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Não há a menor dúvida acerca da importância histórica da figura de Dom Pedro I. Protagonista da independência brasileira – que neste ano completa dois séculos – e libertador da tirania miguelista portuguesa, o “doador de Constituições” é um personagem indispensável para a compreensão dos acontecimentos do século XIX, bem como das ideias que transformaram o mundo de maneira irreversível.

Ao mergulhar na biografia de Dom Pedro, percebe-se como a sua trajetória é recheada de contradições, marca registrada de sua personalidade. Uma delas é a aparente oposição entre liberalismo e autoritarismo que se encontra nas suas ações de homem público, ficando a muitos a dúvida acerca da figura de príncipe liberal pintada por seus inúmeros biógrafos.

Apesar de suas atitudes pouco ortodoxas, Dom Pedro era um liberal. O leitor ávido de Gaetano Filangieri e Benjamin Constant – teórico da destacada singularidade da Constituição de 1824, o Poder Moderador – nunca escondeu as preferências pelas “ideias do século”, ou seja, o liberalismo. Embora associado ao jacobinismo francês e a um revolucionarismo anarquista, o liberalismo trazia em seu bojo a defesa do Estado de Direito, Constituição, liberdade religiosa e de opinião e limitação dos poderes governamentais. Dom Pedro I era simpático aos novos caminhos que o mundo de então vinha traçando.

Tal predileção não impediu o imperador de suprimir a liberdade de imprensa no Brasil por um curto período, nem de dissolver a Assembleia Constituinte ou promover devassas judiciais contra opositores. Ainda que liberal, Dom Pedro tinha gosto pelo mando e de se fazer obedecido – era um traço característico de sua personalidade. Vale ressaltar que o Brasil era um noviço, uma nação no começo de sua formação, com uma representação política deficiente, problemas sociais gravíssimos e uma independência ainda não reconhecida pela totalidade do mundo.

Mas como duvidar da fidelidade liberal de Dom Pedro tendo ele morrido pelas ideias do século? A Guerra Civil Portuguesa era uma questão dinástica e até mesmo familiar, com a usurpação do trono real herdado legitimamente pela filha do imperador brasileiro, a infanta D. Maria. Porém, a querela era também uma peleja que colocava frente a frente as duas correntes de opinião da época: absolutismo e liberalismo. De um lado, o miguelismo, o Antigo Regime, a ordem de coisas defendida pelos reacionários portugueses. Do outro, o liberalismo, a Constituição, as liberdades e a separação dos poderes. Por esse conflito de ideias lutou Dom Pedro, comprometendo a sua saúde e vindo a falecer pouco depois.

Os críticos de Dom Pedro – e de sua sinceridade na aderência ao liberalismo – apontam o descompasso do Imperador com a opinião liberal brasileira como prova da sua inclinação autocrata. Em que pese a sua pró-atividade em dissolver a Assembleia Constituinte, esse não foi o principal fator para a cisão entre ambas as partes. O principal motivo atende pelo nativismo exacerbado dos patriotas brasileiros, sentimento a desaguar em uma profunda lusofobia. Portugal, na figura dos revolucionários do Porto, havia tentado uma recolonização e anular as conquistas brasileiras advindas da estadia da família real portuguesa. As ações insultuosas não foram esquecidas.

Pois bem, Dom Pedro era português. Ainda que tendo escolhido o Brasil, tornando-o independente e renunciando aos direitos de sucessão da Coroa Portuguesa, sua origem bastava para colocá-lo em um estado de permanente desconfiança perante a opinião brasileira. A presença de portugueses no comércio, no governo e nos altos postos da burocracia estatal desagradava aos brasileiros, criando um clima de intensa rivalidade entre ambos. O círculo do imperador era também de maioria portuguesa. Os jornais da época, em tom extremamente nativista, começaram a pintá-lo como autoritário e mais dedicado aos negócios de Portugal que aos do Brasil – a querela da sucessão portuguesa. Tal crise distanciou irreversivelmente Dom Pedro dos brasileiros, culminando na sua abdicação em 7 de abril de 1831.

Ao pensarmos em modelo de liderança liberal, tipos e modelos vêm à mente. Certamente que há uma predileção por estadistas cultos, de retidão fiscal e com apego às liberdades mais caras aos nossos princípios – e, o que é inevitável, descartamos quem não esteja plenamente alinhado a tal cartilha, pois a falha em alguns dos quesitos comprometeria o todo e estaríamos falando de um autocrata ou populista. Dom Pedro I acaba sendo vítima de tal julgamento.

Porém, não podemos ficar presos a uma abstração e ignorar quem contribuiu para o liberalismo – seja lá como for. Isso não exclui, no caso de Dom Pedro I, críticas justas aos seus atos intempestivos de restrições às liberdades. Erros e acertos devem ser bem pontuados para um julgamento justo de qualquer biografia, ainda mais do homem responsável por empreender a nossa independência.

Dom Pedro era um liberal com gosto pelo mando. Suas contradições são resultantes de sua personalidade encolerizada, seu desejo de se fazer obedecido e do amor pelo protagonismo. Liberal, sim, mas desejoso de conservar a primazia da posição dinástica reservada a ele pelo destino. É um liberalismo com ressalvas das particularidades do indivíduo e do contexto da época.

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Carlos Junior

Carlos Junior

É jornalista. Colunista dos portais "Renova Mídia" e a "A Tocha". Estudioso profundo da história, da política e da formação nacional do Brasil, também escreve sobre política americana.

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