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Caça aos CEOs?

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As tragédias recentes vêm pondo holofotes em uma questão delicada. Há uma verdadeira caça aos CEOs (ou Presidentes de organizações), como se eles fossem onipotentes e onipresentes – quase divindades. O caso da Vale em Brumadinho é o primeiro exemplo. O incêndio no CT do Flamengo, outro. Em ambos, é crucial avaliar a situação dos CEOs com muita cautela e parcimônia.

Existe uma ilusão –– no senso comum –– de que CEOs têm poder absoluto nas organizações. Isso, contudo, não reflete a verdade. Estruturas corporativas e organizacionais são bem fragmentadas e, além disso, a capacidade de cognição humana é bem limitada. Diante disso, vou tentar usar a Análise Econômica do Direito para trazer luzes ao debate.

A economia é a ciência que trata da escassez/ temos desejos infinitos para bens finitos. Essa premissa vale, também, para a capacidade de ingerência dos CEOs nas empresas. É absolutamente impossível que um ser humano tenha controle pormenorizado de todas as atividades de uma empresa (ou de outras formas organizacionais). Por mais que um indivíduo, no topo da pirâmide corporativa, queira ter controle, ele encontra uma barreira elementar: o tempo.

O dia tem 24 horas e ele precisa lidar com questões estratégicas para traçar diversos caminhos, sendo, por vezes, o árbitro interno dos grandes tradeoffs. Ou seja, ele precisa decidir ­– sob o aspecto macro ­– em que a organização focará seus esforços e do que abrirá mão. É preciso, também, criar planos estratégicos que permitam ajustes marginais no curso das atividades e, ainda, estruturar tudo sob uma ótica de incentivos para que as pessoas se sintam motivadas a seguir suas diretrizes. Desta feita, não é humanamente possível fiscalizar tudo. A tarefa de um CEO é eminentemente no plano das ideias e dos conceitos. Imaginem, por exemplo, se um CEO tivesse que aprovar cada compra, desde os lápis usados pelos funcionários até a aquisição de uma outra empresa! Nem com muita vontade, garra e desejo ele conseguiria isso.

Por essa razão, há uma divisão de tarefas e uma delegação de poderes. Cabe ao CEO traçar as linhas mestras de sua gestão e liderar ­­– em um plano conceitual – as equipes, a partir de pessoas chaves nas mais diversas áreas: vendas, finanças, jurídica, compras… entre outras tantas, dependendo do perfil da corporação. Mas ele não consegue fiscalizar, no aspecto micro, as atividades dos subordinados. Invariavelmente, ele precisa lidar com os erros, olhando para o futuro, de modo a corrigir e redirecionar o rumo estratégico da empresa.

Olhando sob esse aspecto, é importante se perquirir sobre o grau de ingerência do CEO e seu perfil de liderança. Temos alguns que, além do aspecto estratégico, costumam adotar práticas do que se chama, em administração, de micromanagement (micro gerenciamento). Estes últimos, por óbvio, assumem uma responsabilidade maior, uma vez que observam mais detalhes operacionais. Todavia, mesmo assim, eles não sabem tudo, nem comandam tudo. É humanamente impossível saber e fazer.

Ademais, novas gestões são caracterizadas pela adoção de novas culturas. Os indivíduos, todavia, costumam ser avessos às mudanças, uma vez que elas alteram suas rotinas. Querendo ou não, de um modo geral, seres humanos se sentem mais confortáveis e tranquilos quando há uma rotina a ser seguida. Isso decorre do automatismo perverso que é estudado pela Psicologia Social. Com a profusão de informações, todos nós criamos pequenos atalhos de modo a facilitar a tomada de decisão.

Esses atalhos, por sua vez, costumam ser encaixados em procedimentos rotineiros, onde o pensamento crítico fica dormente. Sair desse ciclo vicioso é muito difícil e, por que não dizer, doloroso no aspecto psicológico. Isso posto, percebe-se que mudanças estruturais e conceituais propostas por um CEO encontram, per se, uma barreira na natureza humana.

Estamos, então, com duas dificuldades patentes: (i) não é possível controlar tudo; e, (ii) há que se enfrentar ­­–– de forma eficiente –– o boicote natural dos colaboradores que tentam evitar mudanças em suas rotinas. Diz-se que “o tempo é o senhor da razão”. Nessa toada, ele é também o senhor das mudanças culturais em uma corporação.

Diante dessas questões, e considerando a responsabilidade subjetiva dos gestores, muitos aspectos devem ser ponderados. Não é possível, em uma vistosa petição de princípio – dando por demonstrado o que se precisa demonstrar ­–, condenar um CEO exclusivamente em razão do cargo que ocupa. Trata-se de argumento circular auto evidente, o famoso “é porque é”: é responsável porque é CEO. Como se diz, a prática é o único critério da verdade. Logo, a responsabilização da pessoa que ocupa o topo da estrutura corporativa depende de uma análise completa e exauriente de suas condutas, anteriores e posteriores, com uma visão holística, sem imediatismo e com a devida ponderação.

Faz-se aqui um parágrafo para mostrar que os argumentos deste modesto texto têm fundamento, econômico, jurídico e inclusive na Neurociência, como mostrou de forma pormenorizada o Dr. Rodrigo Massaud em artigo para o Instituto Liberal. Vale lembrar, por oportuno, que, nos Estados Unidos, de acordo com a Lei societária de Delaware (Delaware General Coporate Law), a análise da responsabilidade dos administradores e conselheiros exige o enfrentamento da Business Judgement Rule (“BJR”).

Por essa regra, as condutas deles possuem, em princípio, uma presunção ao seu favor. Sendo assim, se os administradores e/ou conselheiros invocarem a BJR e ela for aceita pela Corte, para superá-la, o autor de uma demanda deverá provar que houve negligência grosseira. A norma americana tem fundamento na questão econômica do risco. Se o risco dos administradores e conselheiros fica muito elevado, há uma redução na eficiência da atividade empresarial e uma aversão dos maiores talentos para a assunção dessas posições nas empresas.

Obviamente, não haverá justiça com as fogueiras de um Torquemada, nem, tampouco, com as guilhotinas de Jacobinos. Ira, revolta, melancolia, tristeza e raiva não costumam ser boas conselheiras. Sem violação expressa aos deveres de cuidado, diligência, lealdade e transparência, não é possível sair condenando CEOs, numa típica exibição medieval em praça pública. Principalmente, com base no opinódromo das redes sociais que vem, cada vez mais, reverberando na mídia. Responsabilidade civil de administrador pressupõe ato ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade. Devagar com o andor pois o santo é de barro. Vamos dar algum crédito aos CEOs que atuam com coragem e determinação; sem medo de “dar a cara a tapa” nos momentos das crises mais agudas.

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Leonardo Correa

Leonardo Correa

Advogado e LLM pela University of Pennsylvania, articulista no Instituto Liberal.

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