Beleza é fundamental, sim. E, graças ao livre mercado, pode ser acessível a todos
Ricardo Bordin*
Era previsível que Rodrigo Constantino ouviria algumas vaias por seu artigo¹ em que homenageia a beleza da nova primeira-dama americana e, aproveitando o ensejo, critica as feminazi e sua apologia à fealdade, os homens cada vez menos propensos a portarem-se como tais, e a patrulha ideológica que banalizou o conceito de estupro e busca incessantemente ofuscar a venustidade de pessoas como Melania Trump. Alegam esses paladinos da isonomia laudatória (“elogios iguais para todos”, bradam eles em praça pública ou no Twitter) que o padrão de beleza seria determinado pelo patriarcado e pela indústria da moda, os quais supostamente impõe arquétipos e decidem quem é bonito ou feio – provocando, inclusive, casos de depressão.
Pois adivinhem só, militantes da beleza interior: nunca foi tão fácil, na história da humanidade, tornar-se bonito (qualquer que seja nossa definição particular para este conceito), independentemente da cota de beleza a nós reservada pela genética. E não precisam agradecer a ninguém: os responsáveis por tal dádiva já estão bem ricos por sua façanha.
Nascer e morrer mal-apessoado já não é mais uma sina de todo indivíduo desafortunado. Disponibilizar meios para melhorar a autoestima das pessoas, a custos continuamente minorados pela concorrência, sempre foi um nicho de mercado dos mais rentáveis, fazendo do setor de estética uma das atividades econômicas menos suscetíveis a recessões. Como consequência, investidores “gananciosos” tem logrado oferecer a possibilidade de aquilatar a própria aparência a camadas cada vez menos abastadas da população.
Neste cenário, ficar com o cabelo igual ao daquela musa do cinema, igualar o físico do galã da novela, abrir um sorriso tão bonito quanto o de Cameron Diaz (ou parecido, quem sabe), corrigir aquela imperfeição no rosto, exibir uma pele que nem mesmo princesas de grandes impérios da antiguidade sonhariam em ostentar, enfim: todas essas tornaram-se metas relativamente fáceis de atingir na atualidade, dado que existem em profusão prestadores de serviço destes ramos (sejam empresas especializadas ou profissionais liberais), para todos os gostos e bolsos.
Foi-se o tempo em que implantar próteses de silicone era sinônimo de morar no Morumbi; em que correr em uma esteira era resultado de anos de poupança; em que alisar o cabelo era coisa de burguês que possuía uma caríssima “chapinha”; em que seguir uma dieta alimentar seria impossível sem pagar altos honorários a um nutricionista ou à administração de um Spa; em que adquirir aquele óculos bacana ou aquela roupa nova eram realizações restritas a poucos felizardos.
A evolução dos meios de produção (pense em todos os melhoramentos nas indústrias que barateiam o custo e o preço final dos bens produzidos, desde vestuário até produtos de higiene), transporte (pense em sua bicicleta ergométrica comprada em uma loja online sendo trazida de uma fábrica localizada no outro lado do Brasil) e comunicação (pense em você aprendendo com um youtuber como perder peso ou como maquiar-se em casa através de um blog) possibilitou que todos esses objetivos pudessem ficar ao alcance até mesmo de pessoas mais humildes, bastando, no mais das vezes, vontade e disciplina – isso ainda não vendem pela internet.
Costuma-se alegar, nesta conjuntura, que tanta fartura de oportunidades de ficar mais orgulhoso diante do espelho tenha levado certas pessoas ao exagero. Na busca incessante pela beleza, alguns teriam esquecido-se de procurar engrandecimento intelectual. Bom, não há porque tais tarefas serem excludentes, e pelo mesmos motivos acima expostos: da mesma forma que encurtou o caminho para o corpo desejado, o “cruel capitalismo” também democratizou o acesso à informação, seja qual for sua natureza – de receitas culinárias a faculdades à distância. Mas sempre vai haver quem extrapole, inevitavelmente. Se há pouco mais de cem anos a desnutrição era um dos mais relevantes problemas da humanidade, hoje a obesidade tem tomado seu lugar no topo da lista de preocupações da medicina. Acontece, mas os psicólogos estão aí para isso.
Todavia, não é salutar rotular como futilidade a atitude de alguém que resolve mudar de vida e cuidar mais da aparência. O ganho de autoconfiança neste processo é fundamental para um grande número de pessoas, e que acaba repercutindo positivamente em diversos outros aspectos de suas vidas. Assim, se você considera frescura ir para a academia, ou que mudar de cardápio é uma típica submissão aos modelos de beleza estabelecidos em passarelas, melhor seria tentar não convencer disso aqueles que estão lutando por uma fisionomia mais condizente com suas aspirações. Trocando em miúdos: se quiser ficar sem se depilar ou mal arrumada de propósito, não enche o saco de quem quer se sentir bem consigo mesmo de outra maneira. Tal precaução costuma evitar bloqueios nas redes sociais, por sinal.
Ademais, esta concepção de que as pessoas vestem-se e comportam-se como marionetes da indústria da moda e do entretenimento é uma meia verdade: esta via costuma ser de mão dupla, pois os empresários deste ramo erram muito antes de acertar. Na medida em que várias coleções levadas ao mercado acabam por não vender quase nada, e somente algumas delas vem a render bons retornos financeiros, resta claramente caracterizado que, na prática, são os consumidores que ditam o que será moda, com sua escolhas e decisões subjetivas tomadas na hora de ir às compras.
A mesma lógica aplica-se aos demais bens oferecidos por quem vende beleza: ninguém vai continuar insistindo e desperdiçando recursos em propaganda e demais ações de marketing para um produto ou serviço que não agrade ao público. Se o tênis cano alto foi uma das sensações dos anos 1980, foi porque satisfez quem o comprou ou mesmo o viu na vitrine. Se é possível praticar cross-fit em um número cada vez maior de estabelecimentos, é porque seus adeptos estão gostando dos resultados obtidos. E assim por diante.
Talvez alguém considere fútil, então, gastar dinheiro em cirurgias plásticas. Há não muito tempo atrás, ir à manicure era tido como luxo. Se estas intervenções cirúrgicas estão ficando mais populares, é porque muita gente está conseguindo pagar por elas. Será que pessoas que foram submetidas a reconstruções faciais, após acidentes ou incêndios, não são gratas por existir esta especialidade médica? Pois é, mas esses profissionais existem, em boa parte, para cuidar de quem quer fazer pequenas alterações.
E será “justo”, então, pessoas como Marcela Temer terem tido tanta sorte de nascerem belas, ao passo que tantas outras são, digamos, desprovidas deste atributo? Ora, Oscar também deu sorte de nascer com altura para jogar basquete, e nem por isso adversários baixinhos costumavam pedir para sair vinte pontos na frente do placar, ou jogar de salto alto, para compensar. Nem todos nasceram para este esporte, nem para serem modelos – ou casadas com presidentes. Se uma mulher não é tão bonita para fisgar um figurão como Trump, sem problemas: não existe demanda que não seja atendida em um livre mercado. Para isso estão aí aplicativos como o Tinder e diversas outras ferramentas (fruto do desenvolvimento tecnológico e da criatividade de investidores) que aproximam pessoas com interesses comuns, correlacionando suas características físicas e psicológicas – a tal ponto que seria possível afirmar que, hoje, só fica solteiro quem quer.
E assim ocorre com quase tudo o mais: se não posso ter uma Ferrari, tanto faz: o que diferencia o clássico italiano do meu modesto carro são itens que não fazem a menor falta; vou chegar ao meu destino de qualquer forma, afinal. E se alguém pensa em contrário, nada impede que esta pessoa corra atrás das condições para comprar um carango desses – e tal empreitada será tão mais fácil quanto mais liberdade econômica houver no país em questão. Só não vale ficar com inveja daquele conversível que o tiozão passa dirigindo na sua rua – nem da esposa dele…
Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR. Também publica artigos em seu site:https://bordinburke.wordpress.com/