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Ainda sobre liberais e conservadores. Ou: alhos não são bugalhos

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Um antigo texto meu, publicado ontem pelo pessoal do blog do Instituto Liberal, andou causando polêmica nas redes sociais, tanto na página do IL no Facebook quanto do Rodrigo Constantino, que gentilmente publicou o artigo em seu blog.

As principais críticas, provavelmente causadas pelo título provocativo e hiperbólico (“Não Existe Liberal-Conservador”)  foram referentes ao uso da expressão liberal-conservador, da qual muitos parecem nutrir algum orgulho.  É surpreendente como muitas pessoas, contaminadas pelo preconceito depois de ler um título que contraria suas convicções, acabam se esquecendo de atentar para o principal: o próprio texto. Por exemplo, diferentemente do que reclamaram alguns leitores, eu não disse que não se pode ser liberal em economia e conservador nos costumes.  Ao contrário, disse mesmo que uma das premissas do conservadorismo seria a defesa do liberalismo econômico.  Alguns, inclusive bons amigos, se apegaram a filigranas semânticas e escreveram coisas do tipo: “se não existe liberal-conservador, então eu não existo”.  Ora, ninguém em sã consciência pode querer impedir quem quer que seja de se autoproclamar “liberal-conservador”, “social-conservador”, “aborígene-conservador”, “bolivariano-conservador”, petista-conservador” e por aí vai.  Aliás, não posso evitar nem mesmo que um homem se declare mulher e vice-versa. Entretanto, não é disso que trata aquele texto, mas de tentar traçar fronteiras entre conceitos e doutrinas políticas.  E elas existem, gostemos disso ou não.  Afinal, se as palavras e os conceitos não têm significado, então nada faz sentido.

Outra crítica frequente dizia que o texto fomenta uma divisão desnecessária entre liberais e conservadores, algo que, de acordo com esses críticos, enfraqueceria a luta (ou guerra cultural) da direita contra o inimigo comum.  Assim, como eu já escrevi em outra ocasião, em nome desse “algo maior”, nós liberais deveríamos deixar de lado questões de direitos civis importantes, como a liberação das drogas, o casamento gay, a prostituição, a liberdade de imigração, a eutanásia, as pesquisas com células tronco, comércio de órgãos, etc., e focar exclusivamente em questões de cunho econômico, onde haveria convergência de princípios com os conservadores e um inimigo comum a combater.
 

O maior problema para a concretização dessa “união forçada” não são as diferenças de valores, como alguns insistem em fazer crer.  Como deixei claro no artigo anterior, nada impede que um verdadeiro liberal preserve valores conservadores, como tradição, prudência, família, etc.  A diferença importante e, a meu juízo, inconciliável está na esfera política, principalmente em relação às visões absolutamente incompatíveis das duas correntes sobre a intrusão do Estado na vida dos indivíduos.  Assim como conservadores (a exemplo dos liberais) defendem o direito de todos possuírem armas, ainda que não pretendam ter uma, os liberais defendem que todos tenham o direito de consumir drogas, ainda que critiquem o comportamento de quem as consome e não pretendam, eles mesmos, consumi-las.


Em termos simples, como bem resumiu James Eyer, a diferença essencial entre o liberalismo e as demais filosofias políticas representadas no triângulo de Hayek (conservadorismo e socialismo) envolve especificamente a quantidade de autoridade que o governo deve ter sobre os assuntos privados. Os esquerdistas, por exemplo, querem que o governo promova o bem, ou pelo menos aquilo que eles consideram bom, incluindo, entre outras políticas, cuidar da saúde e educação, promover ações afirmativas ou distribuir a renda de forma mais equânime. Para isso, esperam que o governo taxe pesadamente as empresas e os cidadãos de maior renda, além de regular os negócios e o comportamento das pessoas, na medida necessária para a promoção da indefectível “justiça social”.  Já os conservadores querem que o governo evite o mal, a degeneração dos valores e dos costumes, enfim, o comportamento imoral, ainda que este comportamento não traga dano para terceiros e afete exclusivamente os próprios agentes. Enfim, embora gostem de dizer que preferem um governo limitado, eles geralmente não resistem à implantação de programas governamentais e leis positivas que promovam a sua agenda moral.  Assim, tanto esquerdistas quanto conservadores acreditam, cada um a seu modo, ser missão dos governos tornar o mundo melhor, exercer uma liderança moral e, last but not least, proteger as pessoas de si mesmas, seja em relação a sua saúde ou sua moralidade. E, concorde-se ou não com esses objetivos, todo cidadão será forçado a pagar pela sua implementação, seja com seu dinheiro ou com a sua liberdade.

 

Os liberais, diferentemente das duas outras filosofias políticas anteriormente citadas, acreditam que a caridade é voluntária, a moral é pessoal (no sentido de que não deve ser legislada) e só o dano a terceiros deve ser considerado ilegal – razão pela qual excluí o aborto dos direitos civis acima mencionados, já que este constitui, a meu juízo, uma clara violação do direito à vida.  Para os liberais, portanto, o auto-governo é um direito inalienável de cada indivíduo.

Para um conservador, por outro lado, a sociedade (a cidade, a comunidade ou seja lá que nome queiram dar ao coletivo), em grande medida, deve prevalecer sobre o indivíduo, a fim de manter o que chamam de “ordem natural”. Ocorre que nem sempre os desejos e objetivos do indivíduo estão em conformidade com os da comunidade. Permitir, por exemplo, o consumo de drogas, o casamento gay ou a prostituição significa quebrar certas tradições, razão pela qual a maioria dos conservadores denunciam essas bandeiras liberais como francamente imorais e defendem que os governos proíbam tais atividades. Olhando por este prisma, como enfatizou Jeremy Kolassa em artigo sobre o tema, não há como negar que conservadores e progressistas são dois lados da mesma moeda intervencionista.  Já para os liberais, como bem definiu o grande Bastiat, a lei existe para e deve restringir-se à defesa dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade dos indivíduos.

Mesmo na esfera econômica, liberalismo e conservadorismo apresentam diferenças.  Enquanto os liberais são pró-mercado, muitos conservadores são pró-negócios – vide as políticas protecionistas defendidas por Donald Trump.  Se os liberais são contrários a quaisquer tipos de subsídios e privilégios a empresas estabelecidas, alguns conservadores adotam a política inversa, defendendo subsídios, proteções tarifárias e benefícios que aumentem a competitividade das empresas tradicionais estabelecidas e evitem a todo custo o impulso da destruição criadora.

A verdade é que a confusão entre conservadorismo e liberalismo costuma dificultar o discurso liberal, pois muitas vezes somos tachados de hipócritas pelas pessoas desinformadas, que acreditam que políticas e bandeiras conservadoras e liberais são sempre as mesmas, quando efetivamente não são.  Cabe a nós liberais tentar esclarecer às pessoas desinformadas de que existe uma teoria política liberal, que não é nem conservadora, nem esquerdista.

Isso não quer dizer, evidentemente, que liberais e conservadores devam brigar permanentemente, que não possam aliar-se sobre determinadas questões. Se há uma agenda positiva em que conservadores e liberais concordam, devemos trabalhar juntos nela, por que não?  Porém, para o sucesso da causa liberal, é essencial que saiamos com urgência da sombra dos conservadores. Precisamos acabar de uma vez por todas com essa “simbiose” e emergir como uma marca totalmente independente, equidistante de conservadores e progressistas, como queria Hayek, e não como sub-produto ou nuance do conservadorismo. Precisamos, acima de tudo, defender a liberdade sem ressalvas, deixando claro, sempre que necessário, as nossas diferenças, não raro profundas e inconciliáveis.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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