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Agora é lei na França: se eu não te ligar, você não atende

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Entrou em vigor na França, em dois de janeiro do corrente ano, diploma legal que obriga as empresas com mais de cinquenta trabalhadores a “tomarem providências para estabelecer um regulamento de conduta que define os períodos em que é permitido ignorar e-mails profissionais, respeitando os tempos de repouso e o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho”. Tal medida vai na mesma linha adotada pelo ministério alemão do Trabalho em 2014, quando este introduziu uma lei que proíbe os dirigentes das empresas de telefonar ou enviar e-mails aos empregados fora das horas normais de labor, exceto em situações de emergência.

Cumpre ressaltar que esta normatização representa, em verdade, um “afago” em meio a um pacote de inovações justrabalhistas aprovadas em 2016 pelo governo do socialista François Hollande (quando a realidade bate à porta, o socialismo pula a janela, como diz o provérbio adaptado) que desagradaram à população da terra do croissant – entre elas, a possibilidade de que os contratos de trabalho firmados entre empresas e funcionários prevaleçam sobre as convenções coletivas das categorias (elaboradas com intermediação dos sindicatos), inclusive nos casos em que isso contrarie a legislação (produzida pelo Parlamento) concernente.

No Brasil, a Lei 12.551/2011 confere os mesmos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como hora extra, adicional noturno e assistência em caso de acidente de trabalho, para quem exerce tarefas remotas, ou seja, em casa ou à distância, usando computadores, telefones, celulares e smartphones, mas não há, por ora, nenhum mandamento com o mesmo teor deste “presente de ano novo” recebido pelos franceses.

Mas haveria alguma chance de ser este um presente de grego em plena Paris? Vejamos, pois.

1) Primeiramente, um exercício de imaginação: observe as duas figuras abaixo, e indique quais desses trabalhadores estão mais propensos a receberem comunicações de suas chefias no horário de folga:

Nova Lei França

 

 Suponho que a caixa de entrada do correio eletrônico (e demais depositórios de mensagens, como Whatsapp e SMS) do pessoal de terno e tailleur apresente probabilidades muito maiores de ficar cheia durante o descanso, uma vez que, quanto mais alta a hierarquia do trabalhador no quadro da empresa, maior é o compromisso deste com os resultados práticos alcançados pelo estabelecimento nos qual labora. Para esses empregados com perfil de gerentes, a chance de que situações imprevistas (como necessidade de remanejamentos de escalas, descumprimentos contratuais de fornecedores, e por aí vai) surjam em seu horário de repouso são bem maiores.

Se a diretoria de uma dada empresa estiver desautorizada por lei, diante de um caso concreto que só possa ser resolvido pelo chefe de um de seus departamentos, a estabelecer contato com esta pessoa durante seu intervalo interjornada, os resultados advindos desta prática, dos desdobramentos encadeados por esta proibição, irão atingir quem está na última ponta da rede produtiva: o consumidor. No exemplo das figuras, pode ser que falte carne no seu açougue. E caso prejuízos desta natureza tornem-se rotineiros na atividade econômica em questão, em função desta nova diretriz, é também para os clientes que estes serão repassados todos os custos, com certeza.

Não por acaso, nossa legislação, por mais arcaica que seja, permite que, uma vez caracterizado o cargo de confiança, excluído seja o trabalhador do controle de jornada do empregador – desde que o salário deste seja acrescido em 40%, no mínimo – possibilitando, destarte, que este seja acionado sempre que preciso.  Alguma dúvida de que vale a pena elevar a remuneração deste empregado e poder contar com ele para descascar abacaxis que eventualmente apresentem-se depois que ele já foi para casa? Veja a que ponto chegamos: nossas leis de 1940 mostram-se mais apropriadas ao ambiente organizacional, neste aspecto, do que o novo regramento francês.

2) Você não é um trabalhador com perfil de gerente (não possui autonomia para tomar decisões de qualquer espécie), foi contratado e recebe para trabalhar um determinado número de horas semanais, mas costuma precisar estender a jornada laboral após ir para casa, por meios eletrônicos, sem por elas ser remunerado? Está errado. O acordo entre as partes está sendo descumprido, e, por tal, você deve ser ressarcido, em decorrência da supracitada Lei 12.551/2011 – e da lógica, convenhamos. Simples assim.

 

Seria o caso, pois, de proibir que tal prática ocorra, por meio de imposições legais, a exemplo da França? Voltemos ao tópico anterior: se você não for um trabalhador com perfil de direção ou chefia, tal expediente não irá ocorrer com frequência, e não haveria, portanto, motivos para se preocupar.

Se seu empregador, por outro lado, entra em contato habitualmente durante sua folga pedindo para resolver pepinos, mas esse seu envolvimento com a gestão do negócio não é reconhecido pelo empregador (que não lhe gratifica a mais por tal responsabilidade extra nem lhe promove a um cargo de mais alto relevo), de duas uma: ou ele vai acabar falindo por não motivar adequadamente àqueles responsáveis por conduzir os rumos do empreendimento (que fazem, no caso, muito além de tão somente cumprir ordens e precisam empenhar criatividade e iniciativa em suas tarefas cotidianas), ou você vai acabar indo parar em outra empresa que lhe confira a distinção merecida – esta segunda hipótese, infelizmente, tornar-se-á mais factível quando a economia do Brasil sair do estado de letargia em que se encontra; até lá, é bem possível que você acabe cruzando com seu patrão atual nos corredores do Judiciário (que lástima).

E se o empresário contratasse outra pessoa, uma espécie de “gerente reserva” do setor, para que ele engaje-se nas ocupações do “gerente principal” durante seu repouso, em vez de manter esse em sobreaviso? Possível é, mas não é de graça nem a opção mais eficaz: é extremamente recomendável que determinadas funções de supervisão, coordenação e liderança sejam desempenhadas por um único empregado, e que ele somente seja substituído em suas férias; proceder em contrário implicaria em comprometer a já combalida competitividade de nosso setor privado. Além disso, este acréscimo no número de linhas da folha de pagamentos vai redundar, mantidas constantes as demais variáveis, em aumento de preços. Alguém ainda interessado na ideia?

Conclusão: Quanto maior for o grau de envolvimento e responsabilidade do empregado para com a consecução dos fins da atividade empresarial (ou seja, quanto mais relevante for sua posição no organograma), mais imperativo será, vez por outra, contatá-lo durante seu descanso, e não será uma lei que irá alterar esta realidade – quando muito, irá gerar desordem no processo produtivo e acarretar perdas para toda a sociedade. É claro que ele deve ser remunerado a mais por tal incumbência especial, o que, normalmente, já ocorre até mesmo a despeito do ornamento jurídico – e tais remunerações, assim como a daqueles trabalhadores braçais, tende a aumentar na medida em que a carga tributária e a burocracia estatal for reduzida. E em um hipotético cenário de mais elevada concorrência no livre mercado, empresas poderiam até mesmo atrair a mão de obra que disputariam entre si oferecendo benefícios diversos, tais como…não ser chamado na folga, quem sabe.

Até que este quimérico dia chegue, não adianta reclamar para o Hollande ou para o Temer: tem mensagem para você!

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Ricardo Bordin

Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR.

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