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Afinal de contas, o que é o comunismo? (III – Conclusão)

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(para ler a primeira e a segunda partes, clique respectivamente aqui e aqui)

comunismoComo já dissemos, Marx falou muito pouco sobre as vindouras sociedades socialista e comunista, como sobre suas instituições políticas e econômicas.

Na sociedade socialista, os meios de produção econômica deveriam pertencer a um único proprietário: o Estado. A educação, embora fosse um meio de aquisição de conhecimento, não exatamente de produção econômica, também acabou nas mãos do Estado.

Acredito que esse acréscimo foi influência da República (Politeia), de Platão. Como se sabe, nesta primeira utopia da civilização ocidental, a educação era somente fornecida pelo Estado. Ao nascer, as crianças eram separadas de suas famílias, criadas pelo Estado, que devia prepará-las para serem os Guardiões do Estado.

Assim foi na União Soviética com a Komsomol (Juventude Comunista) e assim foi na Alemanha nazista com a Hitlerische Jugend (Juventude Hitlerista).

Os dois sistemas totalitários do século XX, comunismo e nazismo, eram irmãos siameses, como mostraram K.R. Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos e Friedrich Hayek em O Caminho da Servidão.

E o século XX, mais especificamente o período histórico que começou em 1917 (Revolução Russa) e terminou em 1991 (dissolução da URSSS), foi apropriadamente chamado, pelo historiador britânico Eric Hobsbawm, de A Era dos Extremos.

Mas se não foi difícil estatizar todo o ensino, desde o primeiro ao terceiro grau, o mesmo não ocorreu com a estatização dos meios de produção econômica.

Logo no começo da Revolução de 1917, Lenin estatizou todos os meios de produção, mas na década de 20 a União Soviética enfrentou uma grave crise de abastecimento de bens primários, comida,  roupas, etc.

As fazendas coletivas não produziam o suficiente e, apesar do (ou por causa do) congelamento de preços, a pífia produção não satisfazia à portentosa demanda do país.

Foi aí então que Lenin lançou um programa de governo: a Nova Política Econômica (Novaya Ekonomiseskaya Politika (NEP), que consistia em permitir que alguns produtos fossem produzidos pela iniciativa privada e, embora não fossem congelados pelo Estado, eram tabelados por ele.

Importante sublinhar que a NEP não obedeceu a nenhum princípio do marxismo, mas foi gerada por causa da estagnação econômica. Foi um plano semelhante às privatizações de FHC, que não foram feitas por nenhum princípio liberal, porém por puro “pragmatismo”: falta de dinheiro em caixa (o mesmo motivo das privatizações do social democrata FHC).

Lenin governou autocraticamente a URSS de 1917 a 1924. A NEP livrou o país da total precariedade econômica, mas não conseguiu livrá-lo da baixa produção econômica e do racionamento, com seus talões de cotas de consumo, exatamente como ocorreria mais tarde em Cubanacan, misterioso pais del amor. E que ainda ocorre até hoje…

Lenin foi sucedido por Stalin que, com seus Planos Quinquenais, conseguiu industrializar a URSS e aumentar significativamente a produção, porém principalmente a voltada para a indústria pesada, coisa que se intensificou com a entrada da URSS na Segunda Guerra.

De um modo geral, em toda a história da URSS, seus governantes deram muito maior atenção à produção do que ao consumo, principalmente ao dos artigos considerados “supérfluos”.

Ora, supérfluo não é algo que possa ser definido do ponto de vista das demandas dos consumidores por bens mais sofisticados. Supérflua é uma mercadoria que fica encalhada porque muito poucos consumidores querem comprá-la.

É a soberania do consumidor, não os agentes do Estado, que determina o que é supérfluo ou não, ainda que se trate de shampoo e/ou diet food para cachorros.

O grande entrave da economia soviética foi explicado por um economista da Escola Austríaca: Ludwig von Mises.

De acordo com ele, neste modelo econômico, era impossível fazer o cálculo econômico, porque não existia o sistema de preços produzido pelo livre jogo da oferta e da demanda.

Desse modo, o Estado ofertava alguns bens muito além da demanda e outros muito aquém da mesma. E esse grande desequilíbrio entre oferta e demanda fazia com que os cidadãos soviéticos entrassem em qualquer fila para comprar qualquer coisa.

Compravam até mesmo artigos que não desejavam e que não precisavam. Fossem estes os casos, levavam suas compras para o grande mercado de escambo em que trocavam por coisas que desejassem ou precisassem.

Uma das grandes conquistas econômicas da humanidade foi a substituição da economia de escambo pela economia monetária, mas ao que parece a economia soviética regrediu da monetária para o sistema de escambo.

Darei apenas dois exemplos tirados da vida cotidiana. Um amigo meu, economista, viajou para a URSS nos tempos de Bejnev. Estando em Moscou, ele fez sinal várias vezes para táxis que não paravam para atendê-lo.

Assim sendo, ele perguntou a um cidadão soviético por que isso ocorria. E o soviético lhe ensinou o “pulo do gato”: “Faça sinal balançando três maços de cigarro americano que eu garanto que ele pára” [e pararia mesmo que o motorista não fosse fumante, porque cigarros americanos eram artigos bastante valorizados no mercado de escambo].

Acresce-se a isto o fato de que todos os taxistas eram funcionários públicos, que ganhavam um salário estipulado pelo Estado, não importando o número de passageiros que transportassem. Desse modo, eles ficavam rodando pelas ruas e só paravam para mulheres, mesmo assim só para as jovens e bonitas.

Conheci um pianista brasileiro que foi fazer pós-graduação na URSS. Ele me contou que, nas férias da universidade, ele costumava vir ao Brasil para rever parentes e amigos. Quando voltava, levava calças Lee e Levi’s, e discos de vinil dos Beatles, mercadorias raras na URSS bastante procuradas no mercado de escambo.

Se a economia informal é um mal em qualquer sistema econômico, porque prejudica comerciantes que pagam impostos e prejudica o Estado por ele não arrecadar impostos, o sistema de escambo é muito pior: é a falência da moeda, que perde seu valor como objeto universal de troca, gerando graves consequências econômicas.

A história da economia soviética é a história de um grande fracasso. O mesmo se poderia dizer dos países que seguiram mesma trilha: a China de Mao Tsê Tung, Coreia do Norte de Kim Jong Il e Cuba de Fidel Castro.

O sistema capitalista é um sistema econômico que historicamente seguiu acoplado a um sistema político: a democracia.  O comunismo e o nazifascismo acabaram com ambos: o livre mercado e a liberdade de escolha dos representantes políticos.

Embora seja desejável um regime democrático com liberdade econômica, isto não tem um caráter necessário. Creio que foi Pinochet, no Chile, o primeiro governante a implantar uma ditadura de direita, mas mantendo o mercado livre.

E o Chile, apesar de ter passado por uma ditadura cruel, teve um notável crescimento econômico e continua tendo agora no regime democrático de Michèle Bachelet.

Pinochet foi seguido por Deng-Chiao-Ping, que manteve uma ditadura de esquerda, mas flexibilizou o sistema de fazendas coletivas em que os camponeses podiam comerciar livremente o excedente de suas cotas de produção para o Estado.

E nas cidades do litoral, Beijing, Shangai e outras, Deng Chiao Ping estabeleceu uma forma de “capitalismo selvagem”, pior do que o capitalismo manchesteriano da primeira fase da Revolução Industrial, com operários trabalhando num regime semiescravocrata, sem direitos trabalhistas e com baixos impostos sobre os produtos produzidos por eles.

E esta é a razão da ascensão da China como a segunda economia do mundo, tendo um PIB de 9 trilhões de dólares, só ultrapassado pelo PIB dos EEUU, de 17 trilhões de dólares. Quase o dobro, e alcançado dentro de um regime democrático!

Para não entrar em maiores detalhes, o que toda essa transformação histórica nos mostra?

O completo fracasso da economia dirigida pelo Estado, tanto que a maioria dos neomarxistas contemporâneos acabou concordando que para dividir o bolo – i.e. fazer redistribuição de renda – é necessário fazer o bolo crescer.

E tal crescimento só se faz possível em uma economia de livre concorrência capitaneada pelas empresas privadas. Isto é a vitória de Eduard Bernstein sobre Karl Marx.

Embora eu não aprecie o socialismo democrático proposto pelo primeiro, sou obrigado a reconhecer que é muito melhor do que o socialismo totalitário proposto pelo segundo.

Mas bom mesmo é uma união nem sempre fácil de ocorrer: a do liberalismo com a democracia, união do mercado livre com escolha de representantes políticos e rotatividade periódica do poder.

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Mario Guerreiro

Mario Guerreiro

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

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