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A Abdicação do Rei da Espanha

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Há pouco tempo, o mundo ficou estarrecido com a notícia de que Don Juan Carlos de Borbón tinha renunciado ao trono. Para a mídia internacional, a monarquia espanhola era tão sólida quanto as do Reino Unido, Holanda e outras monarquias da Europa.

Ledo engano. A instabilidade do trono não era desconhecida para El País e outros grandes jornais espanhóis, principalmente após escândalos que abalaram a credibilidade do Rei.

E credibilidade é um dos valores mais importantes em qualquer sistema político, a começar por uma monarquia constitucional. Sobre ela, credibilidade, é que repousa a legitimidade do soberano perante seus súditos.

Para compreender bem o significado dessa abdicação, é preciso fazer um breve relato da História da Espanha, desde os prelúdios da Segunda Guerra até o momento presente.

Na década de 30 do século recentemente passado, o mundo estava abalado com a Grande Depressão, e a Espanha também sofria com o crash da Bolsa de Nova Iorque (1929), causa principal do terrível evento.

Não só o grande desemprego assolava o país, como também a emergência dos radicalismos políticos, coisa esta que também ocorreu em países como a Alemanha e a Itália, mas não no país em que despontou a grande crise do capitalismo.

A União Soviética já experimentava os horrores do estalinismo, desde a morte de Lênin em 1924. Hitler e Mussolini tiveram sua ascensão ao longo dos terríveis anos 30.

Além da grande crise socioeconômica campeante pela Europa e o mundo, a Espanha não só experimentou a ascensão dos radicalismos de direita e de esquerda como também o acirramento de movimentos separatistas.

Principalmente o do “País” dos Bascos (Euskadi, na língua euskera) e o da Catalunha, que declarou, em 1931, a independência da República Independent de Catalunya (em catalão).

[Sabemos que essa província é a mais rica da Espanha, atualmente responsável por 18 % do PIB espanhol. Por isto mesmo, sua separação seria uma grande perda de receita para a Espanha].

Coube ao general Franco combater os dissidentes e restaurar a unidade nacional, como antes coubera a Lincoln combater os Estados Confederados e restaurar a unidade dos Estados Unidos da América.

Se faço essa comparação de ambos os estadistas, é unicamente pelo fator principal que movera a ambos: a unidade nacional, independentemente de quaisquer outras diferenças políticas.

E ao afirmar isso, não desejo entrar no mérito da validade ou não de quaisquer movimentos separatistas. Isso é uma outra e complexa questão.

É sabido que Hitler apoiou a causa da monarquia espanhola em sua luta pela unificação da Espanha. Os nazistas não só enviaram armas para Franco, como foram os responsáveis pelo bombardeio de Guernica.

Era uma aldeia na Província dos Bascos (Euskadi) e o bombardeio da mesma não tinha a menor relevância estratégica militar.

Era apenas um ato de crueldade do ponto de vista de espíritos humanitários e uma demonstração de força, do ponto de vista dos nazistas e dos franquistas.

De Guernica pouco restou, a não ser o belo painel pintado por Pablo Picasso, grande artista, membro do Partido Comunista Francês e, como seria de se esperar, inimigo dos nazistas, mais do que inimigo dos monarquistas e de Franco.

Como sabemos, a causa monárquica constitucional saiu vitoriosa, mas a Espanha estava arrasada pela guerra civil. Uma vitória de Pirro? Talvez…

Além de facções nazistas e comunistas, ainda havia as anárquicas, coisa que fez a guerra civil se parecer bastante com aquele horror pintado por um correspondente de guerra.

Referimo-nos ao grande romancista Ernest Hemingway e ao seu livro: For Whom The Bells Toll (Por Quem Os Sinos Dobram), frase retirada de um belo poema de John Donne e estória levada para a tela do cinema.

Apesar da paz instaurada pelo general Franco, a Espanha estava numa espécie de limbo: não foi abolida a monarquia, muito menos restaurada a mesma.

E monarquia sem monarca é como jogo de tênis sem bola, como em Blow Up, aquele grande filme de Antonioni.

Legítimo herdeiro do trono, Don Juan Carlos foi mandado para o exílio em Portugal e o então “generalíssimo” Franco passou a governar autocraticamente o país com o título de “Tutor do Trono de Espanha”.

Alegava ele que a Espanha precisava ser completamente pacificada e só aí, então, o Príncipe das Astúrias – equivalente ao título de Príncipe de Gales – assumiria o trono.

Com a morte do “Caudilho de Espanha” – outro epíteto de Francisco Franco – Don Juan Carlos de Borbón foi coroado rei.

Tudo parecia que a Espanha finalmente tinha chegado à normatividade constitucional. Outro ledo engano. Muitos espanhóis, conscientes do clima de instabilidade política em seu país, diziam que o rei não permaneceria no trono por mais de uma semana…

De fato, houve conflitos e arruaças em todo o país. Lembro-me de um tal de sargento Tejada que tentou dar um golpe ocupando, por pouco tempo e com um grupelho de simpatizantes, o Parlamento espanhol.

Todavia, tudo não passou de uma espanholice das boas…

Tejada acabou preso, não sem deixar poltronas rasgadas, consumir toda a comida da cantina do Parlamento – uma quizomba digna das páginas do imortal Don Miguel de Cervantes y Saavedra ou, quem sabe, deuma broma de Quevedo, o Bocage espanhol.

Graças ao Primeiro-Ministro Felipe Gonzáles e ao poder moderador exercido habilmente por Don Juan Carlos, os ânimos foram apaziguados e a Espanha entrou num período de paz e prosperidade, principalmente após seu ingresso na Comunidade Europeia.

Mas com a recente crise da Zona do Euro – mais precisamente do que da Comunidade Europeia – os assim chamados PIGS (Portugal, Ireland, Greece, Spain) foram os que mais sofreram com altos índices de desemprego e baixíssimo crescimento.

Na tentativa de conter a crise – ou ao menos amenizá-la – Angela Merkel propôs uma série de medidas de austeridade, coisa que tem o poder de desagradar governantes perdulários e massas alheias à sábia máxima da Economia: Jamais gastar além do que o arrecadado pelos impostos.

Dito e feito. Em todos os PIGS pipocaram movimentos contra a austeridade em que seus ativistas estavam unicamente preocupados com seus empregos e com as benesses da socialdemocracia, sem vincular esta última com as gastanças irresponsáveis de seus governantes.

Coisa pela qual o Rei, enquanto Chefe de Estado, não pode ser responsabilizado, mas sim o Primeiro-Ministro, enquanto Chefe de Governo.

[Sobre a Grécia, o pior dos PIGS, assisti a um inacreditável documentário. Um turista tinha ficado perplexo ao constatar que todos os motoristas de táxi de uma das muitas ilhas e ilhotas gregas usavam óculos escuros.

So far so good… Conversandocom os nativos, ele ficou sabendo que aqueles motoristas eram “cegos” e que o governo grego dava uma bolsa especial para os deficientes visuais… Cego mesmo é quem não quer ver!].

Como não podia deixar de ser, a Espanha foi o palco dos mais veementes protestos contra a calamitosa situação do país, acrescentando-se aos mesmos protestos contra a monarquia, o que parecia coisa de um passado de separatismos republicanos.

Para completar esse quadro de insatisfação generalizada, Don Juan Carlos nos últimos tempos tinha se esquecido da dignidade de seu cargo e revelara-se um grande garanhão, mais parecido com o Don Juan de O Convidado de Pedra, de Tirso de Molina, um insaciável conquistador de chiquitas muy guapas.

Recentemente, o rei tinha ido para um safári na África, onde abateu vários elefantes.

Coisa esta que não teria a menor repercussão social fosse ele o índio cocalero que (des)governa a Bolívia e não, um membro da nobre estirpe dos Borbón, rei da Espanha e fundador da WWF, ONG internacional dedicada à preservação da natureza e suas mais variadas espécies.

Parece que foi a gota d’água!

Sofrendo ataques da opinião pública e da opinião publicada, num momento de grande tensão e consternação, Don Juan abdicou e a Espanha ficou aguardando o Príncipe das Astúrias suceder seu pai no trono.

Todavia, o povo espanhol está clamando nas ruas por um plebiscito em que seria decidida a continuidade da forma de governo ou a mudança para a forma republicana. Mas cabe ao Parlamento aprovar ou não essa consulta ao povo.

Embora eu seja declaradamente um monarquista constitucional convicto, sou obrigado a reconhecer que nada mais democrático do que um plebiscito, como o que tivemos há alguns anos.

A forma monárquica constitucional e o regime parlamentarista foram ambos derrotados; venceram a forma republicana e o regime presidencialista, conjunção esta que só deu certo num país de todo o mundo: os Estados Unidos.

Ao passo que a outra conjunção tem dado certo no Reino Unido – desde 1688 com a Revolução Gloriosa – nos países escandinavos, à exceção da Finlândia – na Holanda, Bélgica, Japão e, com acertos e desacertos, para bem ou para mal, na Espanha.

Mas só não fiquei amuado com a derrota da monarquia no Brasil porque fiquei na companhia de ao menos dois grandes liberais brasileiros: os embaixadores Roberto Campos e Meira Penna.

Quanto ao plebiscito na Espanha, caso este venha a ocorrer, estou torcendo pela vitória da monarquia. Os reis passam, mas o trono fica. As instituições são mais importantes do que bons ou maus reis.

Caso ela seja derrotada pela vontade da maioria, temo que isto abale a unidade nacional e sejam acirrados os movimentos de contestação e movimentos separatistas de longa data.

Escrevi este artigo pouco tempo após a abdicação de Don Juan Carlos, mas hoje, 24/6/2014, o Príncipe das Astúrias já foi coroado Felipe VI.

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Espero que não seja um demente, como Jorge III da Inglaterra, nem um tolo arrogante, como Felipe II da Espanha. Mas se por acaso for uma coisa ou outra, não tem importância: os reis reinam e passam, mas o trono fica.

Além disso, é um lugar-comum, mas sempre oportuno de dizer: numa monarquia constitucional, o rei reina, mas não governa. Quem governa é o Primeiro-Ministro escolhido pelo partido majoritário no Parlamento cujos membros são eleitos pelo voto direto do povo.

Viva Don Felipe VI, El-Rey de España!

[divide] imagens: Wikipedia

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Mario Guerreiro

Mario Guerreiro

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

3 comentários em “A Abdicação do Rei da Espanha

  • Avatar
    26/06/2014 em 6:33 pm
    Permalink

    “Blow Up, aquele grande filme de Frederico Fellini.” ????? Coitado do Antonioni e de quem gosta de Cinema !! Me desculpe Mario mas isto compromete completamente seu texto, no mínimo indica que você não pesquisa ao falar sobre o que não domina.

    • Ligia Filgueiras
      26/06/2014 em 8:11 pm
      Permalink

      Prezado Ivan, antes mesmo de saber de sua oportuna observação, o autor pediu a correção do texto:

      Cara Lígia,
      Erro meu. O autor de “Blow Up” é Antonioni e não Felini.
      Agradeço a correção.
      Abs.
      Mario

  • Avatar
    26/06/2014 em 10:41 am
    Permalink

    Bom conhecer mais um monarquista! Também sou liberal e defendo a restauração de uma moderna monarquia parlamentar no Brasil…Viva Dom Luís!!!

Fechado para comentários.

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