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A tal da “Civilização Ocidental” – Parte I

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civilização ocidentalNormalmente a tentativa de “salvar” a Civilização Ocidental parte dos liberais, dos conservadores e dos tradicionalistas. Uns o fazem como uma das metas para os seus trabalhos e militâncias; outros, porém, porque enxergam a necessidade de uma Civilização responsável pelo Sistema de Mercado que fundamenta o Liberalismo, fora todo o bem político e moral que tal Civilização pôde criar na História.

Despotismos e tiranias foram, na teoria e prática, condenados por uma cosmovisão política exclusivamente ocidental; o Estado Racional – utilizando uma linguagem weberiana – ocidental foi, no mundo, o único que afastou de maneira concreta e benéfica o modo arcaico e a superstição da política em seus conceitos e normas ativas. Contudo, o que seria essa Civilização Ocidental? E mais: o que é uma Civilização?

A palavra Civilização deriva, na sua matriz latina, de civilis, ou seja, de civil. A civilidade consiste, de acordo com seu significado puro, “estar” em uma cidade, ser habitante de uma urbe. Se recordarmos dos processos que levaram a humanidade para o progresso, podemos ver claramente que a urbanização, isto é, a aglomeração sedentária de sociedades é imprescindível para uma progressão cultural. Foi no Oriente Médio, então, que nasce a primeira Civilização, de acordo com o estrito sentido de sua etimologia, entretanto, por que o mero agrupamento humano em uma urbe poderia ser considerado algo superior e um progresso?

Ao se agrupar em um local e se tornar sedentária, uma sociedade consegue, mais que as nômades e seminômades, uma condição mais propícia para o desenvolvimento das problematizações humanas. Essas problematizações são o conjunto dos problemas, as tentativas de análise e de solução destes dilemas que permeia a humanidade . É certo que qualquer sociedade humana terá problemas, análises e soluções para estes, contudo apenas se instalando permanentemente em um local que uma sociedade terá condições culturais e econômicas para “ver” o mundo à sua volta; a escrita cuneiforme, alfabética, as contas matemáticas, os códigos de leis (como o de Hamurabi), exércitos, entre outros, nascem de grupamentos urbanos de pessoas, de uma carga cultural de ordenação espontânea que, acumulada por milênios, conseguiu ter uma estrutura mais firme e organizada que nas sociedades não-urbanas, ou seja, não-civilizadas.

De certo que a civilização não é à base da humanidade, ou das sociedades. As coletividades nômades são as predecessoras às urbanas, com seus sistemas e organizações, de modo que a sociedade civilizada é, acima de tudo, dependente da carga cultural nômade que fez crescer toda a civilização. A religião, domesticação de animais, hierarquia, modos de contabilização, regras e conhecimentos diversos foram conseguidos durante o nomadismo humano, ou quando a humanidade se concentrava em certos centros “proto-urbanos”. A civilização, portanto, é devedora – em termos cronológicos, mas também em essência – do que a precedeu. Mas então vem a pergunta: por que as sociedades citadinas se desenvolveram de forma melhor que as não-citadinas?

Basta um olhar rápido para perceber a evidência da superioridade da Civilização e da não-civilização, em termos culturais. Sistemas de esgoto, agricultura, pecuária, pesca, arquitetura, engenharia, sistemas mais implexos de organização social, política e hierarquia. Tudo isso só se torna mais grandioso, imperioso e eficiente por conta de um fator: sua complexidade.

O que esta em evidência aqui seria, antes da aparência de grandeza, a complexidade qualitativa e quantitativa que envolve uma sociedade civilizada em comparação a não-civilizada. Se os Jardins Suspensos da Babilônia, as Pirâmides de Gizé ou os Palácios Minoicos puderam ser construídos, foi por conta de uma complexidade administrativa, religiosa, econômica, arquitetônica. Não é possível, por exemplo, ter uma cultura matemática simples e construir muralhas, esgotos, aquedutos e templos complexos. A lógica é implacável.

Com uma carga cultural cada vez mais lapidada e melhorada, a civilização tem sua superioridade. Mas, assim é em termos gerais. Civilizações podem acabar, podem ter inferioridades em comparação às sociedades tribais, eventos físicos e históricos acabam por deteriorar uma civilização ou destruí-la; os persas eram, antes de construir sua civilização em cima da Babilônica, povos sem muita complexidade, porém, conseguiram sobrepujar uma Civilização mais antiga e notória que suas sociedades. Como?

É verdade que as qualidades e valores de uma sociedade podem sumir com o tempo e com as mudanças culturais. Se hoje vivemos em uma sociedade com uma taxa baixa de racismo, também vivemos em uma com um alto índice de violência, contudo, o Brasil da década de 1950 tinha uma altíssima taxa de racismo e um índice de violência pífio. Outros exemplos históricos, em outras áreas, podem ser dados: se na Idade Média Central os franceses conseguiram superar os romanos em alguns quesitos arquitetônicos com seus arcobotantes, superfortalezas e uma mecânica mais avançada, não tinham o sistema de esgoto, o sistema urbano e de limpeza comparados aos romanos no apogeu do Império. Tanto em áreas mais “exatas”, ou mais “humanas”, existem retrocessos culturais, onde a eficiência, complexidade e qualidade (tanto no nível utilitário quanto no metafísico) são afetadas. Todavia, pode se dizer que existe um progresso, ainda que claudicante, na História Humana.

Em um nível material e utilitário, não temos uma nutrição igual à dos homens do paleolítico, tampouco temos armas tão eficientes quanto às da Renascença. Na era contemporânea a alimentação e os armamentos são infinitamente superiores do que eram há séculos ou centenas de milênios atrás. Em níveis suprafísicos, na contemporaneidade podemos recorrer a nomes como  John Locke, Adam Smith, Francisco de Vitória, S. Tomás, Boécio, Cícero, Platão, que podem definir, racionalmente, os pontos focais e transcendentais, nortes para o indivíduo e a sociedade, afetando tanto o útil, mas derivando do inútil – em termos produtivos, a filosofia de nada serve. Por exemplo: Tales, o pai do “embrião da filosofia”, como disse Will Durant, ao criar a primeira tese do mundo, era tão inútil em seu meio, que um escravo escavando uma vala de dejetos era mais funcional do que todo o princípio da Filosofia e, também da Ciência, que nasciam em Tales de Mileto. Assim também é com Platão, o descobridor da Metafísica, que contribuiu infinitamente para o que entendemos hoje por “conceito”, “teoria”, embora as Ideias platônicas não sejam necessariamente sinônimas de “conceito” e “teoria” no sentido contemporâneo. As Ideias platônicas, no âmago social que se encontravam, também eram inúteis.

Com tanta carga cultural, em tantos aspectos da ciência, como podemos, ainda, ser inferiores em muitos quesitos aos nossos antepassados?

Aristóteles responde, com maestria, essa questão. Segundo o estagirita, os Homens “são facilmente levados a acreditar que de alguma forma maravilhosa todo mundo se transforma em amigo de todo mundo, especialmente quando há alguém denunciando os males existentes (…). Esses males, no entanto, provêm de uma fonte muito diferente – a maldade da natureza humana” (Política, II, 5). E ainda, para o tutor de Alexandre Magno, “A ciência Política não faz os homens, mas tem que aceita-los como vêm da natureza” (idem, I, 10). Nossas políticas avançadas, tecnologias, riquezas e ciências não nos fazem essencialmente melhores aos povos do passado e nem mesmo aos do presente, aqueles que têm carência nos pontos citados.

Existe uma melhora positiva de fato – embora não como se prega no positivismo –, pois se vive melhor, há mais entretenimento, estudamos e aprendemos mais, contudo, não na totalidade. Não há uma melhoria total, mas sim uma linha progressiva que, além de não ser indestrutível, é bem tímida, dado que possuímos sempre a potência de ser piores que nossos “avós”. Tanto nós como nossos antepassados temos a potencialidade para monstruosidades, irracionalidades, erros, pecados, falsidades… O homem jamais sairá desse estado, pois faz parte de sua natureza perpétua. É seu drama metafísico, onde nenhuma realidade ou mudanças sensíveis mudarão algo.

A Civilização não é isenta de nada. Pode haver técnicas melhores, uma organização mais eficiente e, acima de tudo, um florescer do conhecimento, da espiritualidade, de saber discernir racionalmente o bem do mal, a Justiça, a Política, etc., mas ainda sim cairemos nas mais estapafúrdias contradições, nos mais macabros atos e ideias.

Na História Civilizacional, a Civilização que imperou e que, de certo modo dominou todas as outras, é a Ocidental. Nada na História do Homem se iguala a essa magnífica estrutura cultural que parece transcender tudo à sua volta, contudo, nem ela esta a salvo do drama que se abate em todos os seus componentes: os indivíduos e as correntes de pensamento.

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Hiago Rebello

Hiago Rebello

Graduado e Mestrando em História pela Universidade Federal Fluminense.

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