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A nossa liberdade e os outros

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O homem livre é dono de si mesmo. Ele pode causar dano a si próprio com a comida ou a bebida; Ele pode arruinar-se com o jogo. Se ele o fizer, certamente é um maldito idiota, uma alma condenada; Mas se ele não puder fazê-lo, ele será um homem tão livre quanto um cão. Gilbert Keith Chesterton

Como esperado, minha “cartinha” ao Constantino gerou alguma polêmica e muitas indagações, principalmente da parte de leitores conservadores.  Procurei, dentro do possível, não deixar ninguém sem resposta (pelo menos no blog, já que não tenho FB), até porque considero a questão importante – não o “poliamor”, um assunto, a meu juízo, menor e sem maiores consequências, mas sim as diferenças de princípios entre liberais e conservadores.

Entre as questões levantadas pelos leitores que comentaram aquele artigo, algumas merecem melhores esclarecimentos e detalhamentos, que não caberiam no espaço de resposta aos comentários.  Seguem abaixo, alguns desses questionamentos:

Da leitora Geysi Vieira: “O liberal defende o direito dos outros de se drogar, de praticar eutanásia, de prostituírem-se, de consumirem pornografia, de se casarem com gente do mesmo sexo, enfim, de tudo quanto afete somente a eles mesmos”. Mas como saber até que ponto afeta somente a eles mesmos? Como medir isso? Acredito que essa análise de liberal não é sustentável.

Do leitor Ahyr Maya Filho: Muitos liberais falam que o indivíduo tem o direito de usar o que quiser desde que afete somente a si próprio. Como podemos definir isso? Quem se droga, ao se comprometer quimicamente e perder o discernimento sobre suas atitudes, passa a interferir na liberdade de outros indivíduos. Primeiro os membros de sua família e na sequencia pessoas que não conhece. (…) Como fica a liberdade daquele que escolheu não se drogar e tocar a sua vida em frente, aceitando os desafios da vida e de repente tem a sua vida interrompida por alguém que escolheu se drogar? Como fica a postura liberal?  (…)

Um motorista que decide dirigir sem cinto de segurança ou um motociclista irresponsável que dirige em zigue e zague pelo trânsito. Vamos dizer que qualquer um dos citados se acidentem e se machuquem. Eles serão atendidos por um serviço de resgate público, talvez até um helicóptero da PM, serão encaminhados a um hospital, talvez do SUS e serão atendidos. A liberdade que eles tiveram de dirigir como quiseram trouxeram consequências a eles em um primeiro momento, mas em um segundo momento, toda a sociedade deverá pagar por esses “deslizes”. Qual deveria ser a posição de um liberal?

Do leitor Marcos Mesquita: “Em outras palavras, embora possa não praticar nem estimular quaisquer dessas atividades, o liberal defende o direito dos outros de se drogar… enfim, de tudo quanto afete somente a eles mesmos”. Dificilmente um drogado afeta somente a ele mesmo, começa afetando a família, depois a sociedade.

Primeiramente, é importante deixar claro que, ao falarmos de ações que só afetam aos próprios agentes, estamos nos referindo a ações intencionais, que causem prejuízo à vida, à liberdade ou à propriedade dos demais de maneira dolosa, volitiva.  Como eu disse à leitora Geysi, em sociedade qualquer ação humana, de alguma maneira, afetará alguém que não o próprio agente. Ainda que involuntariamente, o simples fato de nos sentarmos ao volante de um automóvel pode se transformar numa tragédia para outras pessoas, mas nem por isso defendemos que as pessoas deixem de dirigir.

Portanto, como já escrevi aqui mesmo nesse espaço, nada atenta mais contra a liberdade de alguém do que proibi-lo de usar o seu corpo e mente da maneira que melhor lhe convier, desde que isso não prejudique, de forma voluntária e propositada, a vida, a liberdade ou a propriedade de mais ninguém. Afinal, o que é a liberdade senão o direito de escolher o nosso próprio caminho, de buscar a própria felicidade de acordo com os nossos valores e avaliações, não os do governo, dos cientistas ou de qualquer outra entidade?  Quem deveria ser único responsável pela minha vida e pela minha saúde, senão eu mesmo?

Nesse sentido, a proibição, pelo Estado, do consumo de drogas é um ato dos mais cruéis contra a liberdade e a dignidade humana.  Ou o corpo é meu e posso fazer dele o que bem entender, ou não sou nada além de um escravo, fadado a obedecer aos desígnios de outras pessoas.

Quando se fala em drogas, logo pensamos em maconha, cocaína, heroína, etc. Porém o escopo do que sejam drogas é muito amplo, e vai desde o cigarro, o álcool, até os remédios.  Por exemplo, os proibicionistas da ANVISA já nos proibiram de ingerir remédios para emagrecer, mesmo se receitados por médicos. Antes disso, já nos haviam  proibido de pitar uns cigarrinhos eletrônicos. Para proteger a nossa saúde, obrigam as indústrias de alimentos a reduzir os teores de açúcar, gorduras e sal em seus produtos, mesmo contra o gosto dos consumidores, afinal, não basta informar, é preciso tutelar.

A lógica para ditar a dieta e o comportamento alheios, normalmente utilizada pela esquerda, é a mesma utilizada, por exemplo, para obrigar motoristas a utilizar o cinto de segurança ou motoqueiros a usar capacetes.  Segundo o raciocínio, o sujeito que, “irresponsavelmente”, se recusa a usar o cinto de segurança está prejudicando não apenas ele mesmo, mas também os demais, uma vez que, se ele sofrer um acidente e tiver ferimentos graves, o Estado irá cuidar dele, pagar o hospital, os remédios, os médicos, etc.

Tal argumento, embora cada vez mais em voga, como demonstrado pelo comentário do Ahyr, é bastante problemático. Vamos supor que vivemos num mundo em que não existam serviços públicos de saúde.  Neste caso, de acordo com o raciocínio exposto acima, não usar cinto de segurança seria algo normal e sem maiores consequências. Temos então que, ao criar e subvencionar sistemas públicos de saúde, o Estado adquiriu o poder de transformar comportamentos outrora absolutamente normais em contravenções. A questão central, portanto, é a seguinte: um comportamento inocente pode tornar-se moralmente criminoso apenas porque o Estado resolveu subsidiar alguns serviços que antes não eram subvencionados?  A meu juízo, isso é absurdo!

Mas falemos de algo ainda mais bizarro.  A revista Reason levantou a seguinte questão.  Suponha que você contraiu o vírus Ebola, encontra-se em estado terminal e ciente de que sua enfermidade mata, em média, 80% dos infectados.  A indústria farmacêutica vem desenvolvendo alguns remédios promissores, mas todos se encontram em fase experimental, sem a competente aprovação das autoridades sanitárias (no caso brasileiro, a ANVISA).

De acordo com a lei vigente, quem quer que lhe forneça o tal medicamento estará cometendo um crime, passível inclusive de prisão.  Assim, ainda que você queira servir de cobaia e testar algum desses medicamentos, sua chance de consegui-lo é quase nula, mesmo que isso signifique a diferença entre a vida e a morte.  Está certo isso, meus caros conservadores?  Notem que os fundamentos para proibir tanto o consumo de maconha quanto que qualquer droga experimental é o mesmo: salvaguardar a saúde dos eventuais usuários.

No mesmo diapasão, o raciocínio que prega a proibição de alguma coisa visando à proteção da família, das crianças ou de terceiros, ainda que proveniente de uma ação não intencional, é o mesmo usado pelos intervencionistas de esquerda quando propõem, por exemplo, proibir o consumo de alimentos gordurosos ou açucarados, que podem provocar doenças cardíacas e aumentar o gasto público (e até onde sei, a maioria dos conservadores é contra estas proibições).  Portanto, quando os conservadores usam esse tipo de argumento para defender as proibições que lhes são caras, devem estar preparados para aceitar o mesmo argumento vindo da esquerda, quando o assunto for armas, tabaco, açúcares ou mesmo leis protecionistas – não raro defendidas sob a alegação de defesa dos empregos locais.

Enfim, a liberdade sempre pressupõe algum tipo de risco. Mesmo a mais comezinha das atividades, como um passeio de carro pela orla, apresenta riscos à vida ou à saúde – própria ou de terceiros. Se nos deixarmos paralisar por esses riscos ou imaginar que um governo onipresente possa zelar pela segurança irrestrita da sociedade, seremos nada mais que escravos, não apenas do medo mas principalmente dos agentes do Estado-Babá.

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

8 comentários em “A nossa liberdade e os outros

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    11/01/2016 em 2:37 pm
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    Sinto que os conservadores apenas querem o liberalismo economico , tentando impor sua agenda conservadora aos liberais.
    Traçando um paralelo , para ver como é absurda essa apropriação indevida de conceitos, vou citar o Espiritismo Brasileiro , que diferente do Espiritismo original, surgido na França no final do seculo XIX, acrescentou elementos religiosos locais ,bem como conceitos católicos , conceitos estes contrários o que a doutrina original estabelece.

    E assim os conservadores querem impor sua agenda conservadora .
    Seriam futuros eleitores do Bolsonaro , uma vez que ele defende o liberalismo economico?

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    10/01/2016 em 5:44 pm
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    Me lembrei da Vila Madalena em São Paulo onde nos feriados prolongados, festas populares, a turba se reúne lá pra fazer sexo, usar drogas, e ouvir músicas no último volume durante dias seguidos, ou então da cracolândia, deve se horrível em nome da liberdade, ser morador de um lugar como esses.

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      11/01/2016 em 2:27 pm
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      Neste caso , a “liberdade”deles interfere diretamente na liberdade dos outros.

      Não foi um bom exemplo

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    10/01/2016 em 4:41 pm
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    Muito bom, estou cansado desse bando de estatista querendo mandar na vida dos outros..

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    09/01/2016 em 11:01 pm
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    Acompanho seu site e costumo elogiar muito as matérias, artigos e citações expostas, mas não posso concordar a posição apresentada sobre liberdades individuais.

    Primeiramente sou mais a favor da conscientização do individuo, e sobre direitos a famosa frase “seu direito acaba quando começa o meu” é bem aplicada ao caso, participo do governo como funcionário publico de carreira e embora discordo completamene da situação atual economica e governamental em que passamos, faço meu trabalho o melhor possível sempre tendo em mente que meu patrão não é o PT e sim a população e às empresas. que chamamos de setor regulado.

    As políticas de saúde que vejo sao eficazes na diminuição da mortalidade e morbidade da população sim, pois o povo não tem sequer a consciencia dos males de consumo de cigarro ou alimentos não saudáveis. Uma regulamentação dos alimentos de forma consensual com a industria produtora, sem imposição legal como é feito não prejudica a a liberdade de ninguém, pois as regras são aplicadas somente a alimentos vendidos ao consumidor. Se voce nao quer aquele bebida light com gosto de adoçante ou com pouco açúcar, ou aquele alimento sem gosto pela falta de sal, coloque voce mesmo o açúcar ou sal e coma!! O que não dá para aceitar é a verdadeira falta de liberdade da população que não pode comprar hoje um alimento industrializado com um minimo de qualidade nutricional. Informação e conscientização para mim são fundamentais.

    Só para destacar o exemplo dado, uma doença com alta mortalidade e sem visão de alternativa terapeutica melhor para uma vítima, somente drogas experimentais sem segurança ou eficácia comprovadas, ou medicamentos alternativos com eficácia e efeitos colaterais não conhecidos pode sim ser utilizada em um doente sem alternativa, de acordo com os protocolos atuais da medicina, então o exemplo dado não é adequado para ilustrar sua posição.

    Acho que há limites para a liberdade individual, se um indivíduo quer “desfrutar” de toda a liberdade que ele tem direito, isso é, tudo que não proibido pela lei, deveria primeiro ser conscientizado dos riscos e conseguencias, depois assinar termo onde se responsabiliza, e abre mão de toda a ajuda, atendimento e recursos que são dispensados a ele por lei, assim, ele não interferiria com os direitos e liberdades dos demais. Se alguém, não o Estado, se compadecer dele em caso de doença, acidente ou necessidade derivada de seus atos, fica a critério de cada um ajudar. Logicamente isso não é possivel pelas leis atuais, e assim o problema permanece em discussão.

    Continue seu trabalho juntamente com os colaboradores e colunistas, pois admiro e acompanho muito este trabalho.

    Att,

    Péricles.

    • João Luiz Mauad
      09/01/2016 em 11:52 pm
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      Caro Péricles,

      A frase “o meu direito acaba onde começa o seu” tem tudo a ver com o que escrevi. Ocorre que não existe um “direito” de não ser magoado ou de não sofrer. Se tentássemos evitar a todo custo quaisquer sofrimentos humanos, teríamos de proibir quase tudo. A frase aplica-se aos sagrados direitos à vida, liberdade e propriedade.

      Também não sou contra a informação pública sobre riscos de alimentos, remédios, drogas, etc., mas daí a proibir o consumo de alguma coisa vai uma enorme diferença. Não concordo que as pessoas não saibam dos prejuízos causados pelo cigarro ou pelo excesso de açúcar. As informações a respeito desses temas estão totalmente disseminadas e disponíveis a todos. Quem fuma hoje em dia, ou consome glicose além da conta, sabe exatamente o que está fazendo. E assim deve ser. Outra coisa: não acredito em acordos consensuais entre indústrias e governos. Sempre haverá coerção por trás, ainda que encoberta, quando o governo entra na história.

      Por último, o exemplo que dei do remédio em teste é da Revista Reason, americana. Portanto, as leis são de lá, não daqui. Embora, recentemente, tenhamos tido um caso semelhante com uma certa substância contra o câncer, fabricada num laboratório da USP, se não me engano, que precisou ser liberada pela justiça, pois a ANVISA a proibia.

      No mais, grato por nos ler.
      Abrs

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        11/01/2016 em 12:55 pm
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        Caso você esteja fumando perto de alguém que tem asma, tu não esta tirando a liberdade dessa pessoa? OU você acha que a pessoa com asma deveria se afastar, para que vossa majestade continuasse a fumar em paz?

        Seu tom quando disse:” caros conservadores” foi no mínimo de desprezo, o que me espanta, já que você diz nada ter contra estas pessoas.

        Sou libertário, mas discordo respeitosamente de muitos valores pregados como “sagrados”.

        Já é difícil ser liberal/libertário, trazer alguém pra “cá” então, e vocês “liberais/libertários” old school ficam impondo barreiras.

        Só porque vocês estão a mais tempo neste movimento pensam que são especiais, e vão contra o que pregam, pois logo vai apontando quem discorda da forma exata de se pensar o liberalismo.

        Sou novo no libertarianismo, (6 meses) e confesso tenho muito a aprender, mas uma coisa que aprendi ainda quando era centrista, é de estar sempre aberto às mudanças.

        • João Luiz Mauad
          11/01/2016 em 1:44 pm
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          Caro Força Bruta,

          Acho que você está vendo chifre em cabeça de cavalo. Se eu realmente desprezasse os conservadores, não perderia tanto tempo respondendo aos seus questionamentos, muitas vezes num tom muito acima do razoável.

          Quanto à questão da fumaça, os liberais têm como norma que quem manda é o proprietário do lugar. Na minha casa, não é permitido fumar. Quem vai lá sabe disso. O mesmo deve valer para estabelecimentos comerciais. Se o dono de um restaurante resolvesse admitir fumantes e colocasse um aviso na porta, só entraria lá quem quisesse (aliás, na maioria dos cassinos de Las Vegas, é assim que funciona).

          No mais, ninguém aqui está impondo nenhuma barreira ao pensamento de quem quer que seja. Agora, goste-se disso ou não, o liberalismo está vinculado a certos princípios e ideias, que precisam ser divulgados e defendidos, o que não o impede de se autointitular liberal, ainda que contra esses princípios e ideias – nos EUA, os esquerdistas se dizem liberais…

Fechado para comentários.

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