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A incompetência mata

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No momento em que escrevo esse artigo, quase 50 países já iniciaram a vacinação contra a covid-19. Por aqui, não temos qualquer previsão de início, tão somente promessas vagas. Para além da negação dos fatos defendida por Bolsonaro ao longo de toda a pandemia, o que explica o atraso são a má vontade e uma incompetência cavalar. Se deixamos as paixões personalistas de lado, podemos concluir facilmente que estamos diante de um notório caso de incompetência estatal. Tal incompetência não é necessariamente inerente ao Estado, agente natural da vacinação em massa, mas antes resultado de escolhas e omissões de agentes públicos específicos – neste caso, o presidente da República, Pazuello e todos os demais, fardados ou não, que fazem parte do circo.

A vacina que está sendo predominantemente aplicada, em caráter emergencial, é a da Pfizer/Biontech. Em entrevista à revista Veja, o CEO da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, relatou que em agosto “a Pfizer fez uma proposta formal de fornecimento da vacina ao Brasil, sujeita à aprovação regulatória, claro. Essa proposta permitiria vacinar milhões de brasileiros e especificava um prazo para o governo nos responder. Mas nós nunca recebemos uma resposta formal do governo brasileiro, nem pelo sim nem pelo não”. Vale destacar que em nenhum momento o governo brasileiro contradisse a afirmação de Murillo.

O país acumula até o momento 193.875 mortes, mas para que a pressa, não é mesmo? Na opinião do mandatário, “a pressa da vacina não se justifica”, ao passo que o ministro da Saúde rebate os que o cobram perguntando “para que essa ansiedade, essa angústia?”. A dificuldade do governo em entender a pressa revela falta de empatia e contradição. Bolsonaro escolheu ser, desde o princípio, o principal opositor do isolamento social. Não se tratou de uma mera rejeição ao lockdown mais radical e prolongado, mas uma rejeição de toda forma de isolamento, à exceção da preconizada pela imunização de rebanho, que agora, mais do que nunca, sabemos ser um caminho equivocado, haja vista que é possível haver reinfecção. A lógica seria que quem se opõe tão energicamente às medidas profiláticas de isolamento fosse o primeiro a defender a urgência da vacina e a estimular o povo a se vacinar, mas claro que cobrar lógica deste governo é pedir demais. Bolsonaro não só age de má vontade com a vacina, como o descaso para com a proposta da Pfizer comprova, como resolveu também embarcar no discurso antivacina da parcela mais tosca do seu eleitorado. Diz ele, por exemplo, que teve a melhor vacina, “o vírus”. Além de fazer um esforço pífio para que iniciemos a vacinação, atua para desinformar a população, o que terá como efeito prolongar ainda mais a necessidade do isolamento que ele tanto rejeita. Se há lógica por trás disso, deixo para os psiquiatras explicarem.

Podemos perceber também que parte da incompetência é oriunda daquele nacionalismo tacanho que ignora as leis básicas de economia, área em que Bolsonaro sempre foi uma nulidade. Disse o presidente, recentemente, que “quem quer vender” as vacinas é que tem que ir atrás para vender para o Brasil. Ora, o mundo inteiro demanda as vacinas, sendo que os países que já estão vacinando o estão fazendo em caráter emergencial, isto é, estão vacinando grupos específicos, uma vez que não há vacinas para todos ainda. Do lado da oferta, há oito vacinas aprovadas para uso até o momento. É fácil perceber que a demanda por vacinas excede e muito a atual oferta. Não são as farmacêuticas que vão bater na porta do governo e dizer: “Com licença, vocês gostariam de comprar umas vacinas para evitar que mais vidas brasileiras sejam ceifadas?”.

Comparando a eficiência do nosso governo com o de diversos outros países no que concerne à vacinação contra a covid-19, ficamos muito para trás, ainda que o Brasil seja uma referência mundial em termos de vacinação em massa. O governo federal apostou todas as fichas na vacina de Oxford, parceria entre a AstraZeneca e a Fiocruz, e na aliança Covax, consórcio coordenado pela OMS que visa a promover o acesso global a um imunizante. Qualquer principiante no mundo dos investimentos aprende desde cedo sobre a necessidade de se diversificar, sobre o risco que é colocar todos os ovos na mesma cesta. Tal raciocínio não vale apenas para o mercado financeiro e podemos experimentar agora as consequências de se ignorar esse sábio conselho. Tivesse o governo brasileiro efetuado desde muito antes parcerias com outras farmacêuticas, o Brasil poderia agora compor a fileira dos países que já estão vacinando as suas populações. “Ah, mas não havia como saber se essas vacinas se provariam eficazes”; mais um motivo para diversificar a aposta e para se ter feito isso antecipadamente.

Agora, mesmo que o governo federal tivesse feito o correto em relação às vacinas, ainda assim talvez não conseguíssemos garantir a vacinação neste momento devido a um problema tão mais ridículo quanto menor parece: a falta de seringas e agulhas. Em edital que visava a adquirir 331 milhões de seringas, o Ministério da Saúde recebeu oferta de apenas 7,9 milhões. De acordo com empresas que participaram do certame, o problema foi que o edital tratou seringas e agulhas como um único produto e que os preços estavam muito abaixo dos praticados, o que obviamente desestimulou os ofertantes. Vale notar que a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos e de Laboratórios (Abimo) vem alertando o governo desde julho da necessidade de comprar os itens.

A vacinação em massa, por meio de um imunizante eficaz, é a única coisa que pode acabar com a pandemia, algo pelo qual todos estão ansiosos. Triste é saber que essa ansiedade não pode ainda ser aplacada, ainda que em menor escala e para grupos prioritários, no Brasil, por causa da incompetência homérica de nossos governantes. Fala-se muito que a corrupção mata. Mata mesmo, ainda que indiretamente; mas não só a corrupção: a incompetência também pode ceifar vidas – e nesse caso de forma muito mais direta.

Fontes: https://www.poder360.com.br/coronavirus/47-paises-comecaram-a-vacinacao-contra-covid-19-leia-a-lista/

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/12/19/pressa-da-vacina-nao-se-justifica-diz-bolsonaro

https://veja.abril.com.br/saude/governo-federal-ignora-proposta-de-compra-de-vacina-da-pfizer/

https://www.poder360.com.br/governo/para-que-essa-ansiedade-angustia-diz-pazuello-sobre-plano-de-vacinacao/

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/12/4896721-eu-tive-a-melhor-vacina-foi-o-virus-diz-bolsonaro-sobre-covid-19.html

https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,quem-quer-vender-vacina-e-que-tem-de-ir-atras-de-registro-da-anvisa-diz-bolsonaro,70003564491

https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,compra-de-seringas-fracassa-e-ministerio-da-saude-garante-menos-de-3-do-necessario-para-a-vacinacao,70003565877

https://g1.globo.com/google/amp/bemestar/noticia/2020/12/30/ministerio-consegue-oferta-de-24percent-das-seringas-necessarias-para-vacinacao-contra-covid.ghtml

https://www.metropoles.com/saude/brasil-pode-ficar-sem-seringa-para-vacina-da-covid-19-alertam-fabricantes?amp

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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