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A História e o Colapso do Grupo EBX

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ADRIANO MEZZOMO *

O colapso do Grupo X guarda contornos que nos remetem ao clássico episódio protagonizado pelo financista especulativo John Law (1671-1729), que abalou o Tesouro francês e robusteceu a máxima pela qual a história se repete, apenas mudando os personagens.

Law foi um homem carismático, envolvente e persuasivo. Amou o jogo, a bebida e as mulheres. Sempre elegante, ostentava sobre sua cabeça vistosa peruca, como o faziam os cavalheiros do século XVIII. Nascido em uma influente família escocesa, o eloquente Law, após problemas na Inglaterra, estabeleceu residência em França, onde se aproximou do Duque de Orleans, que, por ocasião da morte de Luiz XIV, em 1715, assumiu a Regência.

Graças a essa estreita relação com o poder e à generosidade para com os governantes, Law angariou grande simpatia e prestígio, como também uma série de favores. Em 1716, recebeu a outorga para a operação do Banque Générale, detentor do privilégio da emissão de títulos conversíveis em moeda. Logo após, em 1717, sob os auspícios da Coroa, fundou, na Louisiana, então colônia francesa, a Companhia do Mississipi, que planejava explorar o comércio na região. Prometia lucros fantásticos àqueles que investissem em seus projetos no Novo Mundo. Atualmente uma empresa desse gênero receberia a classificação de pré-operacional. Isso atraiu multidões de pequenos investidores franceses, que passaram a lhe confiar as economias. Na sequência, em 1718, sempre atrelado à Regência, expandiu seus domínios para as Índias Orientais, Pacífico Sul e China, o que ampliou sua credibilidade e lhe permitiu a emissão de ações que foram vendidas e revendidas infindáveis vezes, gerando lucros espetaculares. Endogenamente, um empreendimento financiava o outro. Sempre sob o manto chancelador do reino.

Em 1720, os navios começaram a retonar da América, e com eles os primeiros boatos dando conta de que “os poços estavam secos.” A euforia deu lugar ao pânico. Não havia mais interessados em adquirir os papéis. A roda da fortuna parara de girar. Os investidores passaram a vender suas ações desesperadamente, em ritmo frenético, tentando minimizar seus prejuízos. As cotações despencaram, gerando desvalorização sem precedentes. Incríveis 98%. Face ao desespero, houve revolta e suicídio. Era o horror sem fim. O Regente temia pela governabilidade.  A aliança não mais lhe era conveniente. Como já havia ganho mais que seu peso em ouro, entendeu por bem que era hora de abandonar o outrora campeão nacional à própria sorte. Temendo por sua vida, Law fugiu para Veneza e lá morreu em desgraça, no ano de 1729. Essa bolha foi imortalizada na história como o Esquema do Mississipi e, ao devastar a sociedade e o Tesouro, plantou a semente da Revolução de 1789. Qualquer semelhança com fatos, pessoas ou eventos atuais, inclusive a peruca, é mera coincidência.

Voltemos ao presente. O quadro de sinistrose generalizada no qual se encontra o complexo X torna auto-evidente a necessidade de revisão de diversos aspectos regulatórios do mercado de valores mobiliários, não apenas em função das dramáticas perdas impostas aos acionistas e demais stakeholders (partes interessadas), como também e principalmente por conta das nefastas consequências que advirão para a sociedade brasileira, o que importará no reforço dos mecanismos de proteção aos minoritários.

Colocando a questão em outros termos, a crise em curso transcende o Grupo EBX e reverbera pela sociedade. Assim, mesmo aqueles que não têm ligação direta com o universo X sofrerão os efeitos da épica derrocada, pois todos brasileiros, acionistas ou não, financiaram, via Tesouro Nacional e seus repasses ao BNDES, Caixa e Banco do Brasil, o processo de alavancagem.

Portanto, não se trata de um problema pontual, restrito a um nicho estanque, facilmente contornável, porém de um quadro com o potencial necessário para contaminar o sistema, dadas suas estreitas correlações internas de dependência, que o transforma em uma estrutura de vasos comunicantes. Nesse diapasão, afirmar que o problema é dos acionistas e que as operações bancárias estão garantidas por aval ou fiança é, no mínimo, ingênuo e revela uma percepção míope e incompleta do fenômeno.

Sustento tal posição revisitando nossa história recente. Cito dois episódios tão emblemáticos quanto traumáticos, os quais foram divisores de águas no atinente à regulação setorial. Abstenho-me de analisar suas causas determinantes, pois este não é o objetivo neste momento.

O primeiro deles foi o boom e o débâcle ocorridos nas bolsas brasileiras no início dos anos de 1970, que renderam ensejo ao surgimento da Comissão de Valores Mobiliários, Lei nº 6.385/76, e à então nova Lei das Sociedades por Ações, Lei nº 6.404/76, redigida pelos advogados  José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho. O segundo evento foi a quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ, em 1989, precipitada pelo episódio Nagi Nahas.

Ambas as situações implicaram no prolongado afastamento dos pequenos e médios poupadores do mercado de valores mobiliários, prejudicando seriamente o processo de capitalização de empresas, face à quebra de confiança, o que representou um retrocesso não apenas para o mercado, mas para o Brasil.

Um mercado sólido depende da presença ostensiva da classe média e da proteção aos minoritários. A cada crise profunda uma geração se afasta do mercado. Hoje, mais uma vez, a sociedade se vê frente a essa situação.

Perdas pecuniárias são inerentes ao mercado. Contudo, é inadmissível a violação ao princípio da fidúcia. A bolsa é, por excelência, um ambiente de risco, o que não significa a subsunção do investidor a riscos aleatórios ou randômicos. Pelo contrário. Nesse contexto, a álea é administrada em conformidade com políticas de alocação de capital e parâmetros técnicos que informam o processo de tomada de decisão, que é calibrado em conformidade com a maior ou menor predisposição do investidor em assumir certos e determinados graus de incerteza.

É importante frisar que a escolha pela assunção de um determinado risco também se dá em conformidade com a qualidade das informações enviadas ao mercado. É obrigação do ofertante disponibilizar informações fidedignas, as quais possibilitem ao eventual tomador do risco, em sua análise, a lúcida formação de seu juízo de valor quanto à oportunidade e conveniência de tomada desse mesmo risco. Com efeito, caso a informação não reflita adequadamente o ativo, o processo decisório fica comprometido, via de regra em desfavor do investidor.

 

Esse quadro se acentua nas hipóteses em que se negociam valores mobiliários de empresas pré-operacionais, pois a inexistência de histórico permite grau de discricionariedade extremamente elástico na formulação de cenários e projeções de desempenho, impactando as decisões de investimento, principalmente quando as ofertas se fazem acompanhar de espetáculos midiáticos dignos de Spielberg e Hollywood, bem como de um tom ufanista, embalado por discursos governamentais de apoio irrestrito ao empreendimento.

Nessa senda, em função do manifesto e evidente descolamento entre as projeções levadas ao público e o efetivamente realizado, sugerimos a formulação e discussão de propostas que visem ao aperfeiçoamento do modelo regulatório vigente, a partir de três premissas básicas: (i) A existência de um mercado de valores mobiliários sólido é fundamental para a promoção do desenvolvimento econômico e social; (ii) O regular funcionamento desse mercado depende de um arcabouço institucional sofisticado que contemple elevados graus de governança e disclousure, com regras claras; e (iii) A proteção ao acionista minoritário é um valor em si.

Também sugerimos que essas propostas devam ser estruturadas a partir dos seguintes eixos temáticos: (i) reforço nas normas de boa governança e disclousure; (ii) empowerment dos minoritários e ampliação dos mecanismos para sua proteção; (iii) ênfase nas normas atinentes à gestão prudencial, accountability e responsibility dos diretores, conselheiros e controladores; e (iv) aprofundamento da autorregulação.

Por derradeiro, é recomendável que o desenvolvimento dos referidos eixos devam apresentar resposta às seguintes indagações, dentre outras que emergiram da crise: 1) Podem investidores não qualificados participar de IPO’s de empresas não operacionais?; 1.1) Em sendo positiva a resposta ao item anterior, quais as regras para tal participação?; 2) As empresas pré-operacionais devem ser listadas em outro segmento?; 3) Os investidores não qualificados poderão participar desse segmento?; 3.1) Em sendo positiva a resposta ao item anterior, quais as normas para tanto?; 4) Considerando que os minoritários, tipicamente, são um grupo disperso, o que dificulta a defesa de seus interesses, é conveniente fomentar seu empowerment e representação mediante entidades associativas, de modo a estabelecer uma interlocução formal e institucional com a empresa aberta, os entes reguladores e os Poderes instituídos?; 5) Relativamente aos diretores, conselheiros e controladores, quais os parâmetros que informarão a elaboração de normas que enfatizem a gestão prudencial e os conceito de accountability e responsibility?

Essa é a contribuição inicial da União dos Acionistas Minoritários do Grupo EBX (UNAX) para os debates seminais relativos ao aperfeiçoamento do arcabouço jurídico institucional pertinente ao mercado de valores mobiliários, com vistas a prevenir a ocorrência de episódios congêneres, pois, infelizmente, não aprendemos com a história. As Companhias do Mississipi continuam entre nós.

PRESIDENTE DA UNAX E ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO EMPRESARIAL

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