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A dolorosa e longa saída da crise do covid-19: para além dos desejos otimistas

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Golda Meir, uma das fundadoras e primeira-ministra do Estado de Israel, dizia: “O pessimismo é um luxo que o judeu nunca pode se permitir”. Reflexo do realismo e da lógica da realidade. Porém, eu, como judeu, também aludo ao tradicional humor judaico, aquele que fala do inconsciente e das complexidades, das dúvidas e das incertezas da realidade vivida. Por meio do humor, é possível dizer o que não convém dizer…

Pois bem, o coronavírus está provocando uma gravíssima – e devastadora – crise macroeconômica mundial, gerando enormes perdas de empregos, algo nunca visto desde a grande depressão de 1929. Nesta direção, não imagino que a retomada do caminho de crescimento aos níveis pré-crise será da mesma maneira da saída de um choque na forma de U.

Evidente que o mundo, ao longo da história das civilizações, já atravessou e superou uma série de crises agudas, inclusive virais, tais como a peste negra e o ebola, em que a distintiva capacidade de pensamento reflexivo e profundo e o talento humano empreendedor e criativo instigaram novas atitudes e descobertas, criando soluções inovadoras para um maior e melhor desenvolvimento civilizacional, econômico e social.

No entanto, temo que em nosso país, o furo do Covid-19 seja mesmo mais embaixo.

Meu pessimismo – ou realismo – em relação ao Brasil se justifica em razão do grave processo de desindustrialização que o país já vinha sendo acometido, tendo em vista uma série de fatores estruturais que inibem os investimentos na produção, impedindo uma maior geração de empregos, de renda e, similarmente, de uma maior inserção brasileira nas cadeias globais de valor, entravando um maior crescimento econômico e social brasileiro.

Neste sentido, não compartilho da visão “animada” de alguns jornalistas e analistas de negócios de que, passados um ou dois anos mais duros, logo o país estará apto a emergir da crise imposta pelo Covid-19. Pelo que leio e escuto destes últimos, dotados de apelos otimistas, eles creem demasiado no estereótipo do brasileiro criativo e são extremamente confiantes na capacidade humana de se reinventar sistematicamente e de se readaptar às condições impostas pelo vírus.

Entretanto, o diferente e o grande problema brasileiro refere-se à questão da profundidade e da velocidade da queda na produção, que são factualmente apavorantes.Por isso, justamente, prefiro o ceticismo salutar, a fim de que se tenha uma compreensão profunda dos impactos da crise, para se atacá-la em suas causas estruturantes, ao invés de ser auto sabotado pelo excesso de otimismo que pode desativar o senso de urgência na tomada de ações concretas e efetivas no presente momento.

Ontem foi divulgada a queda histórica de 9,1% no índice de produção industrial de março de 2020. Em abril ainda será pior! Aqueles que navegam na espuma do otimismo exagerado parecem sobrepesar a importância das novas formas de interação social e as oportunidades ascendentes da digitalização.

Claro que os ramos ligados à tecnologia da informação irão crescer, gerando novas oportunidades e novos tipos de empregos. Na verdade, já há uma ampla readequação de setores à utilização do comércio eletrônico e à criação de novas soluções em nível de distribuição e entrega de produtos, além da adaptação de determinados tipos de serviços às novas necessidades dos consumidores.

Entretanto, o sistema produtivo é composto de várias cadeias de suprimentos interdependentes, cada uma delas necessitando relacionar-se com a outra, reciprocamente. Por exemplo, determinadas organizações focam na fabricação de insumos e componentes, que serão entregues para beneficiamento em outras cadeias produtivas, para posterior distribuição e entrega aos clientes.

A meu juízo, o de que muitos não se aperceberam é que realmente houve uma ruptura e uma real desestruturação dos sistemas produtivos, o que torna muito improvável e difícil uma reorganização em um ou dois anos (penso que minimamente, de cinco a dez anos…). A quebra estrutural com a crise do covid-19 está sendo gigantesca, e o que é o pior, invisível para muitos!

Mesmo o Brasil tendo vantagens comparativas e competitivas no setor agropecuário – que pode e deve ser um dos motores de arranque da recuperação -, os efeitos do avanço da tecnologia da informação, que já vem ocorrendo em nível de processos produtivos, por aqui levarão muito mais tempo para se concretizarem em valor pragmático e útil.

Nosso combalido sistema educacional, de ensino e pesquisa, está longe de incentivar e aperfeiçoar as habilidades e as competências dos trabalhadores, a fim de que esses possam materializar seus talentos em novas descobertas e soluções inovadoras para o setor produtivo brasileiro.

O atraso tecnológico – de conhecimentos – na produção nacional tornará nossa saída da crise muito mais dolorosa e lenta. Soma-se a isso o nosso burocrático e custoso ambiente de negócios, nossa débil infraestrutura e o nosso ainda atrasado marco institucional.

Para completar o medonho cenário, não vejo, no curto prazo, maior cooperação e vontade política capaz de aglutinar forças e implementar iniciativas racionais e eficientes para alavancar a produção brasileira.

Sou realista e, mesmo que acredite, como confio, no talento humano prodigioso para a partir de conhecimentos resolver melhor determinados problemas específicos, acho que a pesada desestruturação produtiva nos conduzirá a uma depressão econômica, com relevantes repercussões de longo prazo.

Um otimismo exacerbado, uma espécie de autoajuda e uma convicção excessiva nas oportunidades e nos processos via inteligência artificial e na digitalização não serão suficientes para nos tirar do pior que está por vir; mas como o pior não necessariamente significa o pior em todas as dimensões, penso que a compreensão profunda dessa abissal problemática nos auxiliaria muito por meio de um pensamento mais reflexivo e profundo, essencialmente proativo, com a intenção de se começar a trabalhar, se possível, intensa e rapidamente na busca de soluções factíveis.

Não, senhores, não se trata de sentimento derrotista, mas trivialmente de uma apreensão mínima da realidade, a fim de que se arregacem as mangas para uma imediata tomada de decisões.

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Alex Pipkin

Alex Pipkin

Doutor em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS. Mestre em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS Pós-graduado em Comércio Internacional pela FGV/RJ; em Marketing pela ESPM/SP; e em Gestão Empresarial pela PUC/RS. Bacharel em Comércio Exterior e Adm. de Empresas pela Unisinos/RS. Professor em nível de Graduação e Pós-Graduação em diversas universidades. Foi Gerente de Supply Chain da Dana para América do Sul. Foi Diretor de Supply Chain do Grupo Vipal. Conselheiro do Concex, Conselho de Comércio Exterior da FIERGS. Foi Vice-Presidente da FEDERASUL/RS. É sócio da AP Consultores Associados e atua como consultor de empresas. Autor de livros e artigos na área de gestão e negócios.

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