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“A coragem, a fé e o julgamento”: o valor da personalidade humana

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O professor Marcus Moreno, graduado em História e Administração de Empresas e pós-graduado em Finanças, teve a enorme gentileza de me enviar seu livro A coragem, a fé e o julgamento: Três grandes homens e suas missões na hora mais escura. A obra tem pouco menos que 130 páginas e é lançamento da editora Viseu.

Agradecendo já de início pela deferência com que o professor Marcus me honrou, registro que seu livro não é propriamente sobre o liberalismo e suas temáticas mais típicas, isto é, aquelas relativas à discussão da organização política que melhor atenderia ao respeito pelo indivíduo e suas prerrogativas. Há, entretanto, dois aspectos temáticos que permitem uma evidente correlação.

O primeiro é que o trabalho, prefaciado pelo professor Antero Luiz Amadeu, licenciado em Filosofia e mestre em Ciências da Religião, ao incluir em seu título a expressão “hora mais escura”, faz referência a um período em que as grandes conquistas do Ocidente, materializadas da forma mais bem acabada pelas elaborações institucionais da ordem liberal, precisamente voltadas a resguardar o indivíduo e sua dignidade, estiveram mais ameaçadas de uma destruição de extremas proporções: a Segunda Guerra Mundial. De fato, a obra, subsidiariamente a seu tema principal, oferece uma ligeira reconstrução historiográfica daquele evento cataclísmico da história humana – com direito a uma linha cronológica didática ao final, ressalvando a participação brasileira no conflito.

O segundo é que, no cerne de sua abordagem, está o reconhecimento de algo que sempre valorizei e sempre procurei enfatizar em meus próprios trabalhos: o poder da personalidade humana, isto é, da personalidade do indivíduo, que não deixa de ser o personagem nuclear da discussão liberal. As interpretações sociais que se desenvolveram contemporaneamente, no afã de responsabilizar modos de produção, classes sociais ou outros tipos de instâncias coletivas, bem como na tentativa de soarem suficientemente críticas às imperfeições humanas e “desconstruir” narrativas tidas por “oficialescas”, tendem a eliminar sistematicamente a figura dos grandes homens, dos grandes seres humanos que fizeram grandes coisas.

“Apagar” os seres humanos completamente em difusos conceitos gerais é também, a meu ver, um caminho negativo para o próprio liberalismo – o que não significa, por óbvio, considerar que grandes líderes representem tudo o que importa, submergindo, em extremo oposto, no abismo do personalismo demagógico. Justamente A coragem, a fé e o julgamento se constrói na contramão de todos os exageros e, sem divinizá-las, reconhece a grandeza e a contribuição individual de três personalidades históricas naquela luta terrível que os amantes do mundo livre travaram contra o totalitarismo destrutivo no final da primeira metade do século XX.

Cada um a seu modo, com o poder da palavra, teve notória atuação para estimular seus contemporâneos. Como diz Moreno em sua introdução, “heróis inspiram, fazem com que o homem comum queira imitar suas virtudes. Não há, na história, nenhuma nação que tenha travado o bom combate sem o sacrifício de homens anônimos inspirados por exemplos de bravura e amor ao seu país”. Inspirado por essa constatação, o professor desejou apresentar três grandes homens que desempenharam importantes missões, “tanto para a resolução da guerra como para sua análise (e ensinamentos) posterior”, cada um deles sendo associado a uma das virtudes elencadas no título.

O representante da “Coragem” selecionado por Moreno é o primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1975). O autor não teme enfrentar brevemente algumas controvérsias da biografia do célebre líder que empolgou tantos britânicos – e não-britânicos – com seus discursos inflamados de desafio ao medonho perigo nazista durante os momentos mais tempestuosos da conflagração planetária. Os polêmicos bombardeios à cidade alemã de Dresden, por exemplo, são abordados com especial atenção, sustentando a presença de excessos na exploração do assunto por parte dos críticos de Churchill e um reconhecimento do próprio Churchill de que havia errado. Entrementes, ressalta que o saldo é positivo: Churchill “estruturou o sistema de serviço social britânico, acertou sobre o risco do nacionalismo extremado, alertou o mundo sobre o caráter de Hitler, previu o caos do socialismo no leste europeu” e “foi fundamental para a manutenção da civilização ocidental na Segunda Guerra Mundial”.

Em meu prefácio para o livro Churchill e a ciência por trás dos discursos, de Ricardo Sondermann, uma das referências bibliográficas da obra de Moreno, escrevi que o Brasil “reclama a presença de grandes homens (…), de quem o ame o suficiente para, instigando nos compatriotas o mesmo sentimento, permitir que a percepção da dura verdade não os abata, mas os desperte do torpor e do desânimo e os entusiasme para travar o bom combate. Não há messianismo ou populismo nessa proposta. Tudo é uma construção coletiva, apoiada nas nobrezas e brilhantismos individuais. Todos somos os guerreiros, todos somos os soldados, diria Churchill”. Não é outra a razão que me move a resgatar os grandes nomes da tradição liberal e liberal conservadora brasileira e é com profundo contentamento que reconheço espírito similar por detrás da obra do professor Marcus Moreno.

Ambos, eu e Moreno, destacamos ainda que o conteúdo que fundamenta os discursos de Churchill é o que fazia a diferença para que a coragem por ele inspirada estivesse a serviço dos melhores valores. Neles encontramos “o sentimento de preservação, de manutenção das boas coisas que possuímos, tais como liberdade, família, paz e prosperidade” – substratos, não há dúvida, de uma ordem liberal-democrática.

O segundo personagem realçado por Moreno é o professor, crítico literário, romancista – autor de As Crônicas de Nárnia – e apologista cristão irlandês Clive Steple Lewis (1898-1963). C.S. Lewis, diz-nos o autor, foi “assumidamente ateu com tendências freudianas”, em especial após lutar na Primeira Guerra Mundial, mas se converteu ao Cristianismo e se tornou prestigiado tanto entre católicos quanto entre protestantes. Representando a virtude da “Fé”, Lewis proferiu uma série de palestras durante a Segunda Guerra pela BBC de Londres sobre os fundamentos da fé cristã. Com isso, “numa época em que a desesperança tomava conta dos indivíduos, Lewis foi incumbido de dar a razão da sua esperança a milhares de pessoas desacreditadas”.

O professor Moreno toma grande cuidado, em especial na conclusão de seu livro, para afastar qualquer hipótese de seu trabalho, ao falar sobre pensadores cristãos, ser visto como uma apologia religiosa ou a proposição de um Estado teocrático. Quer que o significado de sua obra seja apreciado pelos leitores em geral. É um cuidado prudente, conquanto talvez devamos tranquilizá-lo de que não seria totalmente necessário ao leitor atento; é indiscutível que a fé cristã é um dos alicerces da civilização que permitiu o florescimento das liberdades modernas e que é a crença majoritária dos homens das nações ocidentais que encontraram nas palavras de líderes como Lewis um estímulo espiritual para seguir em frente, mesmo com o peso do sacrifício dos bens mais preciosos da Terra. É público e notório que não sou nem católico, nem protestante, portanto, estou em posição privilegiada para afirmar que não há recado mais cristalino do que este.

O terceiro personagem de Moreno é o historiador católico britânico Christopher Dawson (1889-1970). Conforme o autor, Dawson “era um entusiasta da civilização ocidental. Valorizava a nossa cultura, a nossa ciência e progresso. Mais do que isso, entendia a fé, a religião cristã, como a argamassa que dava solidez aos dois grandes pilares de nossas tradições, ou seja, a filosofia grega e o direito romano”. Esta última personalidade encarnaria a virtude final, a do “Julgamento”, por ter empreendido um juízo adequado do quadro civilizacional naquele momento determinante.

O mérito que Moreno reconhece em Dawson é sua capacidade de distinguir no nazismo uma ameaça revolucionária ao mundo civilizado, pronta a destruir seus pilares. A isso, o autor agrega as semelhanças do pensamento de Dawson com os de pensadores conservadores como Russel Kirk e Roger Scruton, tão populares entre uma nova geração de brasileiros. Não deixa de ressaltar, também, a preocupação de Dawson com o secularismo, por entender que facilitou as desordens do mundo moderno ao afastar os contemporâneos da matriz moral judaico-cristã, levando por vezes a trocar a adoração a Deus pela adoração a ditadores – substituindo-se a religião em si por uma “religião política”. Assim, “somente o restabelecimento dos princípios cristãos, perdidos durante a ascensão do secularismo pagão, poderia trazer ordem e paz para o mundo. Só haveria respeito para com a liberdade individual sob a perspectiva do espectro cristão”.

Porém, ressalta Moreno, a referência não é a uma proposta de autoritarismo religioso, mas a um humanismo cristão, que entenda que o conteúdo moral e imaginário importa e não adianta limitar-se a uma abordagem tecnicista e sem alma. Nesse sentido, ele se alinha perfeitamente a Churchill e Lewis. Não acredito que devamos ser todos adeptos da religião cristã tradicional, que devamos ser todos católicos ou protestantes; pensasse de forma diversa e eu o seria. Entretanto, é evidente que existe um referencial moral, um patrimônio da nossa cultura ocidental, que é digno de ser cultivado, sem o qual o edifício institucional de superfície, ainda que de vocação liberal, tenderia a não conseguir subsistir.

De maneira geral, entendo que, ainda que Moreno tenha escolhido associar cada personagem a uma virtude específica, as três se aplicam de algum modo aos três personagens. Faço votos de que se multipliquem trabalhos como este com que ele nos brinda, enaltecendo figuras capazes de inspirar os melhores sentimentos e horizontes para enfrentar os desafios e as horas escuras que ainda possam estar por vir – tanto para a humanidade e as grandes coletividades quanto para o homem comum, diante das “pequenas grandes trevas” do seu cotidiano.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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