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A análise fundamentalista confronta a ideia de que a bolsa é um cassino

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Mesmo com seu tamanho diminuto, em especial quando a comparamos com o tamanho do país e de sua economia, a bolsa de valores brasileira vem despertando cada vez mais a atenção de pequenos investidores. Em janeiro deste ano, o número de investidores pessoas físicas chegou a 4.325 milhões, o que, apesar de ser baixo como percentual da população, está em linha com o crescimento observado nos últimos anos.

Porém, se, de um lado, uns celebram o interesse de uma parcela maior da população pelo mercado de capitais, outros veem isso como negativo. Acusações como a de que a bolsa funciona como um cassino, operando dentro de uma lógica de soma-zero em que alguém sempre perde para que o outro ganhe, e a de que — acusação comumente feita por certos setores da esquerda — não se trata de geração de riqueza real, sendo uma forma não produtiva de enriquecer, são frequentes.

É uma acusação sem fundamento, obviamente, mas antes de adentrar na razão, preciso ser justo em dizer que parte do próprio mercado financeiro por vezes colabora em disseminar esse preconceito. Falo daqueles maus profissionais, que, claro, não são termômetro do setor em si, que vendem promessas irrealistas de enriquecimento rápido com suas “dicas quentes”. Na era dos influenciadores, isso se aplica a muitos que, ainda que não operadores profissionais, por serem reféns de uma frenética demanda por conteúdo, perdem a oportunidade de usar o espaço que têm para desmistificar e demonstrar a importância da bolsa, ou de educar financeiramente, por um caminho mais tortuoso, mas também mais realista, aqueles que se iludem com fórmulas prontas. Aqui, o número de cliques passa longe de ser um indicador fidedigno de qualidade do conteúdo.

Diante disso, acredito que a chamada análise fundamentalista faz um grande contraponto àqueles que enxergam a bolsa como um cassino, bem como aos que vestem a carapuça de apostadores e se esquecem de que, por trás dos papeis e códigos com os quais fazem operações de compra e venda, às vezes até diárias (o chamado day trade), há negócios reais, empregando pessoas de carne e osso, produzindo produtos e/ou serviços e colaborando para girar a roda da economia. Na análise fundamentalista, levam-se em consideração os fundamentos da empresa, isto é, dados contábeis como o lucro, as receitas, o endividamento, os fluxos de caixa, etc. Tal análise pode ser usada para diferentes estratégias de investimento, mas é comumente mais utilizada por investidores baseados em longo prazo, conhecidos no jargão do mercado como buy and holders.

A primeira grande referência teórica quando se trata de análise fundamentalista é o economista Benjamin Graham (1894 — 1976), autor do célebre livro O Investidor Inteligente, cuja primeira edição é de 1949. Graham influenciou muitos investidores, dentre os quais Warren Buffet, provavelmente o maior investidor vivo e que tem a obra citada como livro de cabeceira. Apesar de ele ter sido influenciado, há diferenças nas estratégias do mentor e do pupilo. Enquanto Buffet tornou-se conhecido por defender que os investidores mantenham as ações das empresas em que investem ad infinitum, ou ao menos por um prazo realmente longo, Graham popularizou uma estratégia na qual a análise contábil é usada para encontrar e comprar ações que se encontram abaixo do valor considerado justo, vendendo-as quando atingirem esse valor. De certa forma trata-se de uma estratégia de trade, mas baseada em uma análise dos fundamentos, ignorando-se as tentativas de previsões do mercado.

Diferindo da estratégia de Graham, outro célebre expoente da análise fundamentalista é o investidor americano Philip Arthur Fisher (1907 – 2004). Podemos perceber sua predileção pelo longo prazo por uma citação de seu livro Ações comuns, lucros extraordinários: “Se ao comprar uma ação ordinária o trabalho tiver sido bem feito, a hora de vender é quase nunca”. Fisher, portanto, não defende, como Graham, que se venda a ação quando ela atingir o “preço justo”, adotando uma visão mais próxima da de Buffet. Ele também se afasta das tentativas de previsão do mercado, argumentando que fatores como a taxa de juros, a atitude do governo em relação ao investimento e à iniciativa privada, a tendência inflacionária e a inovação por meio de novas invenções e técnicas, embora sejam alguns dos fatores com potencial de afetar o nível de preços das ações, não os puxam na mesma direção ao mesmo tempo e não necessariamente exercem grande influência em longos períodos de tempo. Sobre estes fatores, ele diz: “Tão complexas e diversas são estas influências, que o caminho mais seguro a seguir será aquele que à primeira vista parece o mais arriscado. Isto é, investir quando o que você sabe sobre uma companhia específica parece justificar tal ação”. Em suma, os fundamentos devem prevalecer na análise e na tomada de decisão.

Outro autor que rejeita as tentativas de previsão no curto prazo é o investidor e ex-gestor do Fidelity Magellan Fund, Peter Lynch. Ele é categórico ao dizer que “tentar prever a direção do mercado ao longo de um ano, ou mesmo dois anos, é impossível”. Lynch se destacou pela ideia de que os pequenos investidores devem usar as informações que já têm à disposição a seu favor na hora de selecionar as empresas, isto é, analisar empresas das quais já se é cliente, ou cujo produto/serviço se pode observar. Embora tenha uma forma peculiar de selecionar empresas, Lynch é mais um expoente do investimento buy and hold, baseando-se nos fundamentos. Lynch reconhece que os preços das ações podem se mover em direções opostas aos fundamentos, mas defende que “no longo prazo, a direção e sustentabilidade dos lucros prevalecerão”.

Assim como Lynch, o economista americano Jeremy Siegel é outro expoente contemporâneo do buy and hold. Assim como os demais autores citados, Siegel também afirma a preponderância dos fundamentos sobre os resultados no longo prazo: “Uma das primeiras lições aprendidas com análises de longo prazo é que nenhuma classe de ativos pode ficar permanentemente desanexada dos fundamentos”. No entanto, Siegel reconhece que os mercados não estão isentos de fortes flutuações e que, pelo futuro ser incerto, a psicologia e os sentimentos podem se sobressair aos fundamentos econômicos. Ele conclui, em linha com a ideia de que os fundamentos prevalecerão, que “a história mostra que os investidores que estão dispostos a entrar no mercado quando outros estão fugindo colhem os benefícios da volatilidade de mercado”.

O que a análise fundamentalista oferece, portanto, para aqueles que a adotam, é uma visão de sócio. Para ilustrar, podemos fazer um paralelo com empresas de capital fechado. Se lhe oferecem a oportunidade de se tornar sócio de uma pequena empresa já existente, digamos, uma sorveteria local, você certamente não aceitará a proposta e investirá seu dinheiro antes de se inteirar da situação financeira da empresa, de saber o quanto ela dá de lucro, se tem dívidas, etc. O que acontece, que torna esse investimento diferente do investimento em uma empresa de capital aberto — para além do fato de que você terá maior poder decisório na gestão da empresa, o que não acontece ao se comprar ações —, é que não há uma atualização e divulgação constante e diária (ao menos de segunda a sexta) do preço de mercado dessa sorveteria. Você decidirá investir, ou não, com base nos fundamentos da empresa, não com base no comportamento do preço de suas cotas em um gráfico ao longo de um trimestre, por exemplo.

Em contrapartida, a análise puramente técnica, isto é, a que se vale da análise do comportamento das cotações passadas em gráficos para se tentar prever a tendência futura dessas cotações, parte da suposição de que os preços correntes das ações já descontam todos os fatores. Ocorre que é pouco crível que empresas que experimentam movimentações bruscas em suas cotações diárias devido a fatores, muitas vezes não relacionados a seus fundamentos, tenham “piorado e melhorado”, ou vice-versa, em um período tão curto de tempo.

A crença de que as cotações de curto prazo vão refletir de forma justa tudo que se sabe sobre a empresa é causadora de grande incompreensão do funcionamento da bolsa. Em outubro de 2021, uma pane global nos aplicativos do WhatsApp, Facebook e Instagram provocou uma forte queda nas ações do Facebook (Meta). Manchetes no mundo inteiro anunciaram que Mark Zuckerberg havia “perdido” US$6 bilhões de dólares. Curiosamente, apenas dois dias depois Zuckerberg “recuperou” ao menos metade do que havia sido subtraído do cômputo do seu patrimônio. A realidade é que o fundador do Facebook só teria perdido algo se houvesse decidido vender sua participação total na empresa naquela segunda-feira, e ainda assim assumindo a hipótese irrealista de que tivesse feito essa transação a preço corrente de mercado. Tampouco o Facebook (Meta) “piorou” 5% em um único dia.

Para o analista fundamentalista, manchetes apocalípticas que refletem quedas, seja de ações específicas, seja do mercado no geral, tendem a não causar efeito, convicto que está de que no longo prazo o que prevalecerá serão os fundamentos. Tal visão vai ao encontro do princípio originário da bolsa de valores e a forma como ela deveria ser vista. Quando uma empresa decide abrir capital, ela deve incorrer em custos elevadíssimos e os controladores devem aceitar alienar ao menos parte do controle que exercem. Por que então uma empresa optaria por isso? Pois o mercado de capitais é uma forma eficiente de financiamento, sobretudo para empresas que desejam se expandir. Quando você compra uma ação, você não empresta dinheiro para uma empresa — o que pode ocorrer em modalidades da renda fixa como as debêntures —; você literalmente compra um pedaço, ainda que microscópico, da empresa em questão. Quando uma empresa decide abrir capital, seus fundadores aceitam a presença de um sem-número de sócios, sejam eles grandes fundos de investimento, de pensão, ou pequenos investidores pessoas físicas. A análise fundamentalista, portanto, proporciona ao investidor uma visão de sócio, ao mesmo tempo que corrobora a bolsa como um local para alocação eficiente de capital produtivo. O longo prazo desponta aqui como a cereja do bolo, em linha com a lógica do mercado que conhecemos muito bem: as melhores empresas sobreviverão à competição e trarão maiores retornos a seus sócios.

Fontes:

https://valorinveste.globo.com/mercados/noticia/2022/02/10/numero-de-investidores-pessoa-fisica-na-b3-chega-a-4235-milhoes-em-janeiro.ghtml

FISHER, P. A. Common stocks and uncommon profits and other writings. 2. ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2003.

GRAHAM, B. O Investidor Inteligente – Um guia prático de como ganhar dinheiro da bolsa. Tradução de Maria de Lourdes Sette. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

LYNCH, P. One up on Wall Street: How to use what you already know to make money in the market. 2. ed. New York: Simon & Schuster, 2000.

SIEGEL, J. Stocks for the Long Run: The Definitive Guide to Financial Market Returns and Long-Term Investment Strategies. 5. ed. [S. l.]: McGraw Hill Education, 2014.

https://www.bnnbloomberg.ca/zuckerberg-loses-7-billion-in-hours-as-facebook-plunges-1.1661569

https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/10/06/mark-zuckerberg-recupera-metade-do-que-perdeu-em-sua-fortuna-no-dia-tragico-do-facebook.ghtml

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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