13-171: os números que mais importam sobre o 16 de agosto
Escrevo pouco tempo depois do fim das manifestações que ocorreram por todo o país, e em algumas cidades no exterior, pedindo a saída de Dilma Rousseff do governo. Mais uma vez, cabe destacar que as caminhadas foram extremamente pacíficas, a despeito das ameaças do covarde presidente da CUT, Vagner Freitas, devidamente alvo de uma representação legal de Mendonça Filho, do DEM de Pernambuco, por ter dito que sua organização empunharia “armas” para defender o governo Dilma da revolta do povo brasileiro. As únicas armas empunhadas pelos milhares que foram às ruas, como havia dito o ex-presidenciável do PSDB, Aécio Neves, foram as da lei e da Constituição.
Entre os pontos a serem levantados, está justamente a presença muito tardia do próprio Aécio, na manifestação da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Tendo chamando a atenção, merecidamente, por ter sido o concorrente em eleições presidenciais contra o PT que adotou o discurso oposicionista mais contundente durante a disputa, Aécio não vinha confirmando sua postura nos meses turbulentos que se seguiram. José Serra, que também foi adversário direto do PT em eleições, esteve no protesto da Avenida Paulista – como sempre, o maior de todos. Não fizeram mais do que sua obrigação, e já estavam devendo há muito tempo. Os caciques tucanos vinham fugindo à sua responsabilidade, fazendo jus ao tom deprimente do líder simbólico Fernando Henrique Cardoso, que, em decadência indiscutível, afirmou que “símbolo”, mesmo, é Luiz Inácio Lula da Silva, que não deveria ser preso sem grandes cautelas a fim de não se perder o que ele “representa” para o país.
Pois sim! O povo não concorda. As imagens da manifestação ocorrida em Brasília comprovam, exibindo um pitoresco boneco inflado de Lula trajando um uniforme de presidiário, com os números “13-171”, fazendo referência ao número da sigla do Brahma, e nitidamente acusando o ex-presidente de ser um… Bem, vocês são inteligentes, vocês entenderam o recado! Para nossa alegria, o grande ícone do esquema criminoso de poder não foi poupado, e foi quase tão alvo da indignação popular quanto a presidente em exercício – ela que, diga-se de passagem, é uma de suas piores criações. Os números na roupa do boneco inflado são os únicos a que farei menção aqui, em reação à forma como certos setores da imprensa e, por consequência, alas reduzidíssimas da opinião pública, além do próprio governo, estão lidando com a contagem de pessoas presentes. Que os registros são díspares, que “Datafolhas” da vida apresentam dados no mínimo questionáveis, já sabemos. Desta vez, os números no Rio de Janeiro, por exemplo, não tiveram sequer estimativas da PM, e os de São Paulo tiveram um número oficial em que é quase impossível acreditar. O grande problema, porém, é a insistência em comparar as três manifestações ocorridas em 2015 para alegar que, como, supostamente, a deste fim de semana foi a menor – no Rio de Janeiro, tenho absoluta certeza de que foi significativamente maior do que a segunda, a de 12 de abril -, o movimento estaria em declínio.
Coloquemos definitivamente as coisas em seus devidos lugares. 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto já perfazem, mesmo consideradas isoladamente, cada uma delas, as maiores manifestações populares da história do país, em dimensão, ao menos desde a redemocratização. São maiores que o Fora Collor. Especialmente a deste domingo foi, inclusive, bastante capilarizada, com marchas em cidades pequenas e do interior dos estados. Essas multidões foram às ruas, nas três vezes, em intervalos de meses dentro de um mesmo ano, sem a orquestração de um único partido político, sem carregar bandeiras partidárias e sem o apoio da grande imprensa, que vem prestar um desserviço ao concentrar o discurso apenas na comparação – comparação em que, vale lembrar, as ridículas manifestações compradas das “margaridas” no Planalto e dos esquerdistas no Instituto Lula (esta última contando com poucas centenas ao mesmo tempo em que a Paulista se enchia) perderiam de lavada. Também desta vez, os cartazes, faixas, gritos e palavras de ordem foram explicitamente voltados contra as figuras do esquema de poder lulopetista, não sendo possível tergiversar e atribuir “pautas genéricas” ao movimento. “Martelar” que a manifestação “foi menor”, como se tal coisa devesse ser motivo para tranquilizar um pouco a cúpula lulopetista, parece postura de quem está atordoado e, reproduzindo a degradação moral e de padrões que a era da estrela vermelha construiu no país, não respeita mais a mínima noção de proporções. Quem assim se expressa é incapaz de enxergar a história ocorrendo a um palmo de seu nariz, mesmo diante de imagens claras e de encher os olhos, independentemente da frieza dos algarismos discutíveis.
Falta de noção, também, a meu ver, observei em certas pessoas, a quem eu respeito, que também repudiam o lulopetismo, mas depreciaram as manifestações. Insistiram em que tudo isso de nada adianta e atacaram a irreverência de alguns manifestantes, como os cearenses da “dança” que se disseminou na Internet ou os que compõem músicas ironizando Dilma e Lula. Mesmo que consideremos que haja, aqui ou acolá, algum exagero ou iniciativa que exerça incômodo “estético”, é de um pedantismo muito desagradável acreditar que manifestações devam ser iguais em todos os lugares do mundo e que não possam ser ajustadas às características típicas do povo brasileiro. Até Roberto Campos já pontuava que o Brasil poderia “ser salvo pela anedota”. Para além disso, se há algo que me incomoda profundamente, é ver quem nada faz desmerecendo a iniciativa de quem faz alguma coisa.
Mas afinal de contas, o que virá daí? O 16 de agosto sucedeu uma semana que vinha sendo, precisamos admitir, tanto quanto possível, mais favorável aos interesses de Dilma, com a reunião de lideranças peemedebistas – como José Sarney, o vice-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros, reputado como tendo influência junto a alguns ministros do TCU – no interesse óbvio de construir um “acordão”, uma aliança política que fortaleça a presidente e contrabalance os problemas causados pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O TCU concedeu mais 15 dias para que Dilma se justificasse pela situação das contas públicas, apesar de o motivo alegado para isso ter sido a descoberta de indícios de mais irregularidades. A votação no Supremo do recurso do PSDB no TSE para uma das suas ações pedindo que aventadas ilegalidades nas contas da campanha eleitoral sejam avaliadas para uma eventual impugnação da chapa vencedora, até estava resultando em aprovação por 2 x 1, mas o ministro Fux a interrompeu, pedindo “vista”. Em resumo, o governo havia ganho uma calmaria, e o cenário de turbulência profunda e sensação de queda iminente foi, de certo modo, interrompido. Embora não saibamos que impacto o FENÔMENO SOCIAL de hoje terá sobre o Planalto e o Congresso, podemos afirmar com segurança que as manifestações lançam novo gás e passam um recado muito claro a quem tem o poder de levar esses processos adiante. Aguardamos, também, para saber quais serão os próximos passos dos movimentos populares, como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua, que estão de parabéns novamente, e das oposições partidárias, que tomaram postura mais ativa e podem se sentir estimuladas pelo que aconteceu.
Uma expressão se fez presente em todas as manifestações, e com ela encerramos este nosso resumo: “Operação Lava Jato”. As investigações de Curitiba e a conduta do juiz Sérgio Moro foram apoiadas pelo povo. E assim deve ser. Ao contrário do que diz o governo, que eventualmente até insinua que a Lava Jato perturba a economia, é fundamental que ela tenha seguimento e leve, às vias de fato, as prisões dos “cabeças” que conduziram nosso país ao abismo econômico e moral em que mergulhou. Sigamos atentos, e não permitamos que, manipulando e mentindo, eles se ocultem novamente nas sombras.
PS: Marco Antônio Villa, de quem já discordamos aqui, comentou, no primeiro debate dos jornalistas da Veja sobre as manifestações, que precisamos de um pouco do espírito oposicionista de Carlos Lacerda nas oposições partidárias atuais. Desta vez, concordamos inteiramente. Não que eles sejam capazes de se equiparar, mas se incorporarem um pouco desse espírito, podemos ver resultados mais eficazes se materializando.