John Stuart Mill
Autores Liberais – John Stuart Mill: 1806-1873
“As ações são corretas na medida em que tendem
a promover a felicidade, erradas na medida em
que tendem a promover o reverso da felicidade.”
John Stuart Mill
John Stuart Mill nasceu em Londres, no dia 20 de maio de 1806 (portanto em plena fase de industrialização da Inglaterra), e faleceu no mesmo local em 8 de maio de 1873.
1. A vida
Provavelmente mais do que no caso de qualquer outra pessoa, para compreender bem as idéias e contribuições de Stuart Mill, é fundamental que se conheça um pouco de sua vida e que se leve em conta sua educação, o período em que viveu, suas amizades, as influências que recebeu e suas atividades.
Stuart Mill era filho do filósofo e historiador James Mill, que assumiu a responsabilidade por sua educação. Segundo Todd Buchholz, “John Stuart tinha ainda o gosto pelo leite materno quando a sua rigorosa educação começou”. Aos 3 anos de idade, iniciou seus estudos de grego, seguindo-se depois latim, matemática e filosofia. Aos 11 anos auxiliou o pai na revisão de sua obra mais importante sobre a história da Índia e aos 13, por recomendação do pai, deu início a seus estudos de economia, através da leitura das obras de Smith e Ricardo. Passou seu décimo quarto ano de vida na França, onde se hospedou na casa de Samuel Bentham (irmão de Jeremy Bentham, que terá posteriormente profunda influência sobre o pensamento de Mill). Na França, prosseguiu seus estudos, incluindo química, biologia, cálculos diferenciais e botânica. Ao voltar à Inglaterra, em 1821, começou a estudar direito, quando entrou em contato mais estreito com as idéias de Jeremy Bentham.
Em 1822 foi convidado a trabalhar na Companhia das Índias Orientais, onde entrou como auxiliar do responsável pela correspondência. Passou a assistente de diretoria em 1828 e chegou ao posto mais alto da Companhia, diretor presidente, em 1856, posto que ocupou por dois anos, até que a empresa foi fechada por ordem da Rainha Vitória.
Em 1830, conheceu Harriet Hardy Taylor, ativa defensora dos direitos da mulher, por quem se apaixonou quase imediatamente. Como ela era casada, só veio a se tornar esposa de Stuart Mill 21 anos depois, quando ficou viúva. A influência de Harriet Hardy Taylor sobre as idéias e obras de Mill foi bastante acentuada, só não sendo ainda maior pelo fato do casamento ter durado apenas sete anos, em razão do falecimento da esposa.
Foi amigo pessoal de Ricardo, Bentham, Carlyle e Augusto Comte, tendo tido ainda – durante sua estada na França – contato com Jean Baptiste Say. Todos eles acabaram por influenciar de alguma forma o pensamento de Stuart Mill.
Em 1860, desgostoso com o falecimento da esposa e o fechamento da Companhia das Índias Orientais, foi novamente para a França, de onde voltou algum tempo depois disposto a concorrer a uma cadeira no Parlamento. Eleito, ocupou uma cadeira no Parlamento inglês de 1865 a 1868, quando se retirou da vida pública.
Veio a falecer em 1873, ocasião em que o processo de industrialização inglês (bem como de diversas outras nações européias) encontrava-se consolidado. Nessa época, o princípio da harmonia de interesses, um dos pilares do pensamento de Adam Smith, podia ser amplamente questionado, uma vez que a notória concentração de renda existente na Inglaterra demonstrava que a satisfação dos interesses individuais não correspondia necessariamente à satisfação dos interesses gerais. Em razão disso, em termos de pensamento econômico, a preocupação que se concentrava quase que exclusivamente na análise dos aspectos ligados à produção desloca-se pouco a pouco para dar prioridade aos aspectos relacionados à distribuição da riqueza. Essa é a característica apresentada primeiramente por Jeremy Bentham, William Nassau Senior e John Stuart Mill e que será a marca do pensamento econômico que se desenvolverá a partir da segunda metade do século XIX.
2. Principais idéias e contribuições
As contribuições de Stuart Mill distribuem-se pelos campos da Lógica, da Psicologia, do Direito, da Economia e da Política. Neste artigo, no entanto, vou me limitar apenas a alguns aspectos de suas contribuições sobre Política e Economia. Tamanha diversidade explica em boa parte a descontinuidade que caracteriza a sua obra e a controvérsia que existe em torno de sua figura: é considerado um dos principais expoentes da Economia por alguns autores e historiadores em razão de sua criatividade e de suas contribuições inovadoras e, ao mesmo tempo, é ignorado por outros, por não ter conseguido “amarrar” bem suas idéias, que tiveram que ser aperfeiçoadas por diversos economistas e pensadores de gerações posteriores.
Stuart Mill procurou combinar o utilitarismo (que absorveu de Jeremy Bentham) com o socialismo, em que ressaltou o valor do altruísmo (tão a gosto de Saint-Simon e Comte), como forma de superação do egoísmo.
Como foi dito na citação inicial deste artigo, extraída de seu livro Utilitarismo (capítulo II), Stuart Mill enfatizava, no princípio da utilidade, a busca da felicidade, como se vê na seguinte passagem:
Felicidade entendida como prazer e ausência de dor. […] Prazer e ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins […] seja pelo prazer inerente a elas , seja como meio de promoção do prazer e prevenção da dor.
No campo da Economia (o de sua maior contribuição), suas idéias refletem diversas influências de outros pensadores contemporâneos, apresentando em sua evolução uma série de contradições, a ponto de ser considerado um integrante do liberalismo clássico por alguns autores e um pré-socialista por outros. Ele próprio chegou a se autodefinir um socialista, como pode ser visto na citação a seguir:
Nosso ideal de desenvolvimento final vai mais além da democracia e nos classificaria decididamente sob a designação geral de socialismo. Consideramos que o problema social do futuro seja como reunir a maior liberdade individual de ação com a propriedade comum das matérias-primas do globo e uma participação igualitária de todos nos benefícios do trabalho associado.
Nessa tentativa de conciliação de idéias socialistas com seus fundamentos utilitaristas ele fez uso de uma relação entre a religião e a moral, na qual admitiu que o aperfeiçoamento intelectual do homem serve de base ao desenvolvimento social. Daí a principal crítica de Marx a esse tipo de ecletismo do qual Mill é o melhor intérprete. Para Marx, isto é prova inconteste de ingenuidade ou uma tentativa de “conciliação dos inconciliáveis”.
Sua posição é fundamentada nas circunstâncias históricas da Europa e suas idéias econômicas refletem isso, podendo ser identificados três períodos distintos:
1o) Por volta de 1844, quando publicou Essays on some unsettled questions of Political Economy, nos quais se sente uma nítida influência de Ricardo;
2o) Exposta em sua principal obra Principles of Political Economy (1848), em que começou a fazer a defesa da criação de propriedades para os camponeses, uma vez que estava preocupado com os problemas que envolviam os agricultores irlandeses; e
3o) Inicia-se por volta de 1850 e se torna mais estreito à medida que amplia seu contato com as idéias socialistas, quando se convence da fundamental importância dos problemas sociais. Nessa época sente-se forte influência de Saint-Simon. Fica claro que ele não endossa o princípio do laissez-faire, já que ele aponta a existência de inúmeras exceções representadas por itens de grande utilidade social, mas de pouco interesse para o capital privado, tais como a educação, o auxílio aos pobres, a colonização e outros itens de interesse da coletividade.
O trecho que se segue, extraído dos Principles of Political Economy mostra bem como Stuart Mill sentia o momento, quase um século após o início da Revolução Industrial:
… até agora se questiona se todas as invenções mecânicas já feitas aliviaram a luta do ser humano. Elas permitiram que maior população vivesse a mesma vida de fadiga e aprisionamento e que maior número de manufatureiros e outros fizessem fortuna.
A diferença de seu pensamento a partir da publicação dos Principles em relação ao seu pensamento original pode ser vista claramente no seguinte trecho:
Se a escolha tiver de ser feita entre comunismo, com todas as suas oportunidades, e a presente situação da sociedade com todos os seus sofrimentos e injustiças; se a instituição da propriedade privada necessariamente carrega consigo, como conseqüência, que o produto do trabalho seja repartido, como vemos atualmente, quase em razão inversa ao trabalho: as maiores parcelas àqueles que jamais trabalharam para o todo, a parcela seguinte àquele cujo trabalho é apenas nominal e assim numa escala decrescente, a remuneração diminui à medida em que o trabalho cresce mais duro e mais desagradável até que o mais exaustivo e fatigante trabalho não possa contar com a certeza de estar apto a ganhar sempre o mínimo necessário à existência. Se isto, ou o comunismo for a alternativa, todas as dificuldades maiores ou menores do comunismo serão apenas um átomo na balança.
No âmbito da Política, o caminho seguido por Mill foi o de um liberalismo extremado, muito próximo do anarquismo. Sua preocupação com a influência deletéria do Estado fica clara no trecho que se segue, sobre Educação:
Uma educação geral pelo Estado é puro plano para moldar as pessoas de forma exatamente semelhante. E, como o molde em que são plasmadas é o que agrada a força dominante no governo, quer seja esta um monarca, um clero, uma aristocracia, quer a maioria da geração existente, a educação pelo Estado, na medida em que é eficaz e bem sucedida, estabelece um despotismo sobre o espírito, que, por uma tendência natural, conduz a um despotismo sobre o corpo.
Stuart Mill não deixa, em nenhum instante, de revelar profunda influência da educação que lhe foi imposta pelo pai, razão pela qual sua obra representa enorme contribuição à aplicação de métodos à análise econômica. Também nesse particular observam-se sensíveis modificações em seu pensamento, como pode ser visto através da comparação de suas primeiras e de suas últimas obras.
Sua idéia de utilitarismo, mais ampla que a de Bentham, serviu de base e foi aperfeiçoada pelos primeiros economistas utilitaristas como William Stanley Jevons, Carl Menger e Leon Walras e, principalmente, por Alfred Marshall, grande expoente da Escola Neoclássica.
Por todas essas razões, Stuart Mill pode ser considerado um autor de transição entre o pensamento econômico antigo (que dá maior ênfase aos aspectos ligados à produção da riqueza) e o pensamento econômico moderno (que enfatiza os aspectos ligados à distribuição da riqueza).
3. Referências e indicações bibliográficas
BUCHHOLZ, Todd G. A mente tempestuosa de John Stuart Mill, capítulo V de Novas idéias de economistas mortos. Tradução de Luiz Guilherme Chaves e Regina Bhering. Rio de Janeiro: Record, 2000, pp. 111 – 135.
CANAVAN, Bernard. Economistas para principiantes. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983.
FENDT, Roberto. John Stuart Mill e as finalidades da vida. Parte do Sumário Executivo de Quatro ensaios sobre a liberdade, de Isaiah Berlin. Encarte especial da revista Banco de Idéias, Ano IX, nº 32, Set/Out/Nov 2005, pp. 19 – 22.
MILL, John Stuart. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social (2 volumes). Introdução de W. J. Ashley; apresentação de Raul Ekerman; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Economistas).
______________. Sobre a liberdade. Tradução e prefácio de Alberto da Rocha Barros; apresentação de Celso Lafer. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991 (Clássicos do Pensamento Político).
4. Livros texto de História do Pensamento Econômico
BRUE, Stanley L. História do pensamento econômico. Tradução de Luciana Penteado Miquelino. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, pp. 136 -147.
CARREIRO. Carlos Haroldo Porto. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, pp. 310 – 318.
FEIJÓ, Ricardo. História do pensamento econômico: de Lao tse a Robert Lucas. São Paulo: Atlas, 2001, pp. 177 – 190.
FUSFELD, Daniel R. A era do economista. Tradução de Fábio D. Waltenberg. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 70 – 73.
HUNT, E. K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Tradução de José Ricardo Brandão Azevedo. Rio de Janeiro: Campus, 1982, pp. 202 – 217.
SCREPANTI, Ernesto e ZAMAGNI, Stefano. Profilo di storia del pensiero econômico. 2ª ristampa. Roma: La Nuova Italia Scientifia, 1991, pp. 109 – 116.
5. A vasta obra de Stuart Mill inclui uma série de livros e artigos. Seguem-se alguns dos mais destacados:
– Da Definição de Economia Política e do Método de Investigação próprio a Ela (ensaio escrito em 1831/1833, mas publicado em 1836)
– A System of Logic (2 volumes – 1843)
– Essays on some unsettled questions of Political Economy (1844)
– Principles of Political Economy (sua obra mais importante – 1848)
– On Liberty (dedicado à mulher – 1859)
– Considerations on Representative Government (1861)
– Utilitarism (1863)
– Augusto Comte and Positivism (1865)
– The Subjection of Woman (escrito em 1861 e publicado em 1869)
– Autobiography (1873 – publicado postumamente, em 1924)
6. Referências e indicações webgráficas
http://cepa.newschool.edu/het/profiles/mill.htm
http://blog.britishnewspaperarchive.co.uk/2013/05/07/john-stuart-mill-died-on-8-may-1873/