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“’Uma Multidão de Coisas’, Dilema Decisório e Custo da Crise”

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JORGE VIANNA MONTEIRO*

I.  O FATO DA CONJUNTURA

Talvez um erro fundamental em que analistas da trajetória econômica brasileira incorrem seja pressupor que deveríamos ir adiante tão bem quanto vão bem outras economias. Se as comparações já não se sustentam no subgrupo dos BRICS (balaio-de-gatos de sistemas políticos ditatoriais e populosos contingentes de castas sociais – isso faz diferença ou não?), então passemos a outros subconjuntos de exóticos arranjos políticos na Ásia, África e da América Central, por exemplo [“Saem os BRICS Entram os MINT: Afinal o que São os BRICS”, Conjuntura Econômica, 68(2), Fevereiro, 2014].

O fato é que ainda não se dispõe de metodologia que estabeleça comparabilidade não apenas de resultados finais de desempenho (PIB, inflação, juros, desemprego etc), mas também dos processos segundo os quais tais resultados foram gerados (atributos institucionais dos arranjos decisórios, por exemplo). De toda forma, os debatedores da cena brasileira já deveriam ter aprendido com as comparações insólitas – tão comuns nos anos de 1970 a 1990 – com os “tigres asiáticos” e até mesmo com as economias argentina e mexicana de então.

 

II. A TRAJETÓRIA DA ECONOMIA

Mesmo as economias da União Europeia são na atualidade sujeitas a desequilíbrios que estão longe de serem transitórios: “enquanto Frankfurt-Berlim-Bruxelas são entusiastas de Portugal quanto ao bem sucedido programa de consolidação fiscal e ao próximo término de seu bailout (algo como saindo a frigideira para ir diretamente para a chama do fogão), a realidade amarga é que a dívida pública portuguesa está fora de controle, seu mercado de trabalho está em frangalhos, e sua economia real está moribunda [http://yanisvaroufakis.eu/2014/03/20/70-economists-petition-for-an-immediate- portuguese-debt-restructure/].

São igualmente didáticas as lições norte-americanas. Em reunião de confirmação no Senado, quando perguntada sobre a habilidade do Banco Central (FED) em criar empregos, a recém-nomeada presidente da Autoridade Monetária norte-americana, Janet Yellen, respondeu candidamente que havia “a multitude of things” que o FED não poderia alterar e que, portanto, não se deve esperar qualquer mudança significativa na política do Banco Central, em futuro próximo [“Don´t Expect Job Data Alone to Persuade Fed on Rates”, New York Times, 24.1.14: B1]. Mesmo a síntese habitual do estado do mercado de trabalho (a taxa de desemprego de curto-prazo) já não tem sido suficiente para justificar entusiasmos por parte dos governantes, uma vez que esse indicador se requalifica pelo desemprego de longo-prazo que “deixa qualquer trabalhador menos empregável, mesmo quando a economia se recupera” [“Don´t Expect Job Data Alone to Persuade Fed on Rates”, New York Times,24.1.14: B1]. Tudo isso é “devastador para trabalhadores e suas famílias. O peso é simplesmente terrível sobre a saúde física e mental dos trabalhadores, em seus casamentos e sobre seus filhos”.

Quem disse isso? A mesma Janet Yellen [“A Painfully Slow Recovery for America’s Workers: Causes, Implications, and the Federal Reserve´s Response”, A Trans-Atlantic Agenda for Shared Prosperity, Washington, D.C.,11.2.13]. Esses seriam os custos não quantificáveis do “trauma nacional” [ATKINSON, LUTTRELL & ROSENBLUM, Julho de 2013: 6] provocado pela crise.

Por igual, na União Europeia, ainda se mantém muito elevado o desemprego entre aqueles que demandam o seu primeiro posto de trabalho – outra das qualificações às estatísticas tradicionais de desemprego que a nova ordem econômica tornou obrigatória nos diagnósticos macroeconômicos sendo que no sul da Europa esse contingente supera os 50%. Esse segmento tem desempenho alarmante também na economia norte-americana. As oportunidades de emprego para recentes graduados do high school mostram-se em níveis históricos muito baixos: dos estudantes que completaram o high school em 2012, porém não seguiram adiante em seus estudos, 70% tentaram obter um emprego, porém menos da metade (46%) foram bem sucedidos nessa procura [“Teens Face Toughest Job Market on Record”, CNNMoney, 14.3.14].

Por outra perspectiva, há que relembrar que os reguladores governamentais não são imunes a julgamentos errôneos da realidade. O Federal Reserve Board acaba de divulgar (22.2.14) transcrições das reuniões de 2008 de seu poderoso Federal Open Market Committee – documentos de totalizam cerca de 2 000 páginas de conversas e diálogos de seus componentes e de outras autoridades do Banco Central. Fica evidente nessa documentação que esses policy makers estavam literalmente “no escuro” quanto ao andamento da economia dos EUA e mundial, tanto quanto não se davam conta de que o socorro governamental a empresas financeiras mal administradas acabava por gerar o vício de moral hazard [“A New Light on Regulators in the Dark”, New York Times, 23.2.14: Sunday Business, 1] ou algo como:  posso “quebrar”, que o governo acabará vindo em meu socorro.

Note, no entanto, o leitor que essa é mais uma janela pela qual se pode perceber o quanto de incerteza e limitações essa a crise ainda acarreta para as políticas públicas [MONTEIRO, 2011: Capítulo 1]. Vale, a propósito, relembrar que a Financial Crisis Inquiry Commission (instalada em Março de 2009 pelo Congresso dos EUA) acabou por fixar-se em 22 fatores que poderiam ter causado a débâcle de 2008-2009 [MONTEIRO, 2011: Capítulo 1]. Ora, tal multidão de coisas e suas interações acabam, afinal, por nada explicar.

Na verdade esse é o dilema da formulação de políticas neste início de 2014: cada vez mais governos (e autoridade política) são levados a sustentar o alto nível de sua participação regulatória na economia, passados os últimos 5 ou 6 anos, enquanto que, ao mesmo tempo, tal empreitada demanda um nível de percepção empírica e analítica e de efetividade operacional que os reguladores e economistas não dispõem ou que lidam com demasiada incerteza.

 

III. QUE OBSERVAR

Tudo isso levanta ainda a questão do custo que as sociedades pagam por toda essa inépcia e incerteza com que agem os governos. Uma dificuldade para esse dimensionamento decorre da necessidade de “comparar um mundo em que a crise financeira ocorreu com o que efetivamente aconteceu e o que é provável que daí transpareça.” [ATKINSON, LUTTRELL & ROSENBLUM, Julho de 2013].

Com todas as ressalvas que um tipo de estudo desse gênero envolve, chega-se à estimativa de que toda a crise nos EUA trouxe um ônus de US$120 mil por cada americano. Em valores totais, isso equivaleria a um custo de pelo menos 40% a 90% do valor do PIB dos EUA em 2007, ou seja, de US$6 trilhões a US$14 trilhões, segundo as hipóteses que se adotem para a intensidade da tendência de crescimento econômico e a possibilidade de poder ter havido um choque recessivo no mercado do petróleo, na ausência da crise financeira [ATKINSON, LUTTRELL & ROSENBLUM, Julho de 2013: 6]. Portanto, tal “estimativa [mínima] depende do crescimento que, de outro modo, teria ocorrido e o que poderia se dar no futuro. Uma avaliação mais abrangente de outros fatores sugere que custos e consequências da crise terão sido ainda maiores. Daí o intervalo de 40% a 90% de um ano de produto ser uma estimativa básica do total da crise” [ATKINSON, LUTTRELL & ROSENBLUM, Julho de 2013:19].

Fica ainda por ser estimado o custo associado da expressiva intervenção regulatória que a crise promoveu nas economias, não apenas por conta da ação autônoma dos governos nacionais, mas igualmente pela cornucópia de novas regras que foram estabelecidas na esfera transnacional, como é exemplo o Acordo de Basiléia III, 26.7.10 [Quão Complexas Podem Ser as Regras das Escolhas Públicas”, Estratégia Macroeconômica, 18(438), 2.8.10].

Ademais, e por razões óbvias, ainda é intenso o lobbying de segmentos econômicos que tentam bloquear ou atenuar a entrada em vigor de novas regras do jogo que se propõem a evitar mais desdobramentos perversos na atualidade e no futuro da economia: a poderosa American Bankers Association, por exemplo, conseguiu em Dezembro de 2013 sustar judicialmente parte da lei da reforma financeira que se tenta reduzir as operações de risco levadas a cabo pelos bancos em seu próprio interesse [“The Cost of the Financial Crisis is Still Being Tallied”, New York Times, 22.1.14: B1]. Tal classe de custos é muito difícil de ser quantificada; são os custos do rent seeking, quando recursos se deslocam de aplicações mais produtivas, do ponto de vista coletivo, no atendimento puramente a preferências e interesses minoritários (mas poderosos) que investem organizadamente tais recursos em usos de bem menor impacto coletivo.

A contrapartida da intrusão regulatória é também a perda que variados agentes econômicos sofrem em sua autonomia decisória. Outra vez, ainda não se dispõe de procedimentos que permitam medir sinteticamente essa dimensão da presença estatal. De certo modo, essa é a face oculta do governo contemporâneo que, ao mesmo tempo, não encontra limite para sua expansão e atua como compensação para a redução eventual da presença orçamentária e fiscal do governo dimensões que encontram naturalmente um teto para a sua progressão. Já a presença e expansão regulatórias são ilimitadas, por serem pouco ou nada perceptíveis – e muito demandáveis pelos próprios agentes privados – têm baixo custo político para serem processadas.

* ECONOMISTA, autor de Estratégia Macroeconômica, uma opinião técnica quinzenal sobre a economia política contemporânea estabelecida a partir de um modelo analítico (public choice) que considera a política econômica como resultante da interação social sob instituições de governo representativo. 

O presente artigo constitui-se na Carta 503.

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Ligia Filgueiras

Ligia Filgueiras

Jornalista, Bacharel em Publicidade e Propaganda (UFRJ). Colaboradora do IL desde 1991, atuando em fundraising, marketing, edição de newsletters, do primeiro site e primeiros blogs do IL. Tradutora do IL.

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