Série História – Novent’anos da Revolução Ruça

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Série história

26.10.07

1917-2007:

Novent’anos da Revolução Ruça*

 
 

MARIO GUERREIRO
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Neste Ano da Graça de 2007, não necessariamente em outubro, comemoram-se os novent’anos de dois ilustres diplomatas e pensadores brasileiros: Roberto de Oliveira Campos, infelizmente já falecido, e José Oswaldo de Meira Penna, ainda vivo e morando corajosamente em Brasília. As esquerdas ensandecidas também participam do festejo, só que o objeto de sua comemoração é justamente o que ambos os referidos aniversariantes passaram a vida toda combatendo e mostrando as horrorosas seqüelas: a Revolução Russa.

Na realidade, por este nome devemos entender um golpe que derrubou o czar Nicolau II e transformou uma monarquia absolutista com um parlamento de fachada – semelhante à Alemanha até o advento da República de Weimar – numa república social-democrata tendo à frente um débil Primeiro-Ministro, Alexander Kerensky, em um efêmero regime provisório que, só para contrariar a CPMF – soit-disant provisoire – foi provisório mesmo. Infelizmente para o sofrido povo russo!

O golpe de Estado, contrariamente ao que certos livros de História insinuam, não foi dado somente pelos bolchevistas, mas sim por várias e heterogêneas facções: bolchevistas, menchevistas, social-democratas, socialistas cristãos, anarquistas, usw. Porém, assim como os heterogêneos se unem quando se deparam com um inimigo comum a ser derrubado, ao tirá-lo do Poder, a heterogeneidade prevalece sobre a homogeneidade, digladiam-se entre si como lobos vorazes no estado natural hobbesiano – Homo homini lupus – e uma facção acaba dando um contra-golpe.

Assim foi na sangüinária Revolução Francesa e assim foi na não menos sangüinária Revolução Russa. Na primeira, a sublevação de muitas facções resultou no contra-golpe dos jacobinos liderados por Robespierre, aquele a quem Meira Penna deu o apropriadíssimo epíteto: “um Rousseau com a guilhotina”. [Novamente, ao contrário do que dizem certos livros de História, os pais intelectuais da revolução não foram os filósofos iluministas, mas sim o obscurantista Jean-Jacques Rousseau, “um louco muito interessante”, segundo Paul Johnson em Os Intelectuais, Rio de Janeiro, Imago, 1988]. Na segunda, a revolução de um bando de “companheiros de viagem” (entenda-se: idiotas úteis e descartáveis após o uso) contra o czar Nicolau II resultou no contra-golpe dos bolchevistas liderados Vladmir Illitch Uliánov, vulgo Lenin, “um Marx com pelotão de fuzilamento”.

O jornaleco da ADUFRJ [Associação dos do(c)entes da UFRJ], Ano X, no 557, 16/10/2007, não podia estar ausente dessa grande comemoração dos novent’anos de Campos e Meira Penna, perdão: comemoração da Contra-Revolução Bolchevista que derrubou o regime provisório de Kerensky que, bem ou mal, pretendia transformar o despótico Império Russo numa democracia – coisa que infelizmente ainda não aconteceu nem com Vladmir Putin no século XXI – e que implantou, a ferro e fogo, a ditadura sobre o proletariado, segundo Bukharin. O artiguete do referido jornaleco é aberto com uma chave de ouro:

“A Revolução Russa de 1917 foi um momento decisivo na História, e bem pode ser considerada por historiadores futuros como o maior acontecimento do século XX [obs.minha: Discordo. Diferentemente da referida revolução, a descoberta da penicilina foi um acontecimento deveras grandioso, salvou milhões de vidas, inclusive a minha agradecida vida aos 11 anos]. Como a Revolução Francesa, [a Russa] continuará a polarizar a atenção por longo tempo, sendo saudada por uns como um marco na emancipação da humanidade, denunciada por outros como um crime e um desastre”. (op.cit., p.6).

É claro que “por uns” o referido jornaleco quer insinuar os “progressistas” e “revolucionários” como Luís Carlos Prestes, Fidel Castro, Che Guevara e os próprios elaboradores desse jornal universitário a serviço das piores idéias esquerdistas da ANDES (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior), não confundir com ANDES (Associação Nacional dos Desembargadores), ao passo que “por outros” quer insinuar os “conservadores” e “reacionários” como Roberto Campos, Meira Penna e este autor que muito os admira e, por isso mesmo, comparte com ambos a infamante pecha.

O escritor Moacyr Scliar mostra-se de pleno acordo com a visão maniqueísta de meus deploráveis colegas. Referindo-se aos “velhos comunistas” diz ele: “Era gente, em primeiro lugar, disciplinada. Partilhavam uma mesma visão de mundo baseada em duas categorias: o progressista e o reacionário [grifo meu]. A luta entre ambos era feroz e contínua. [em O Globo, 22/10/2007].” Já a comparação das Revoluções, a russa e a francesa, feita pelo referido jornaleco, é extremamente pertinente, mas não pelos motivos apresentados por certos livros de História. Geralmente, numa poderosa asserção, eles generalizam para toda e qualquer revolução o que é característico das revoluções russa e francesa: “A revolução devora seus filhos”.

De fato, isto aconteceu em ambas sangüinárias revoluções, mas não na Bloodless Revolution, a Revolução Gloriosa de 1688 em que um rei absolutista foi posto para atravessar o English Channel (também conhecido como Canal da Mancha), sem que fosse derramada uma gota de sangue sequer e tendo ficado estabelecido o regime parlamentarista moderno pela Bill of Rights de 1689. E isto somente cem anos antes da Bloody Revolution, a tão decantada Revolução Francesa cujas piores conseqüências foram o Reino do Terror do deletério Robespierre antecipando o Reino do Terror do facínora Lenin e o surgimento da ditadura republicana de Napoleão Malaparte derrotado em Waterloo pelo grande general Wellington, para a felicidade do Reino Unido e bem-estar da Europa continental em geral. God save the Queen!

Mas por que razão ocorreu tal coisa? Entre outras, por uma simples e singela razão: tanto o grupo de revolucionários franceses como o de russos estavam longe de ser um grupo coeso unido pelos mesmos ideais de boa convivência com a alteridade. Eram grupos agregadores de diversas tendências unidos apenas por uma finalidade imediata comum: derrubar regimes tirânicos, como o de Luís XVI e o de Nicolau II.

Comparem-se agora ambos os grupos com os revolucionários da Revolução Americana de 1776 – um grupo coeso e unido pelos mesmos ideais pluralistas e democráticos – e compreender-se-á porque nem sempre a revolução “devora seus filhos”. Ao contrário, às vezes, ela os enaltece e os dignifica. Conquistada a independência do Império Britânico, não houve nenhum contra-golpe e todas as diferenças foram resolvidas pelo diálogo e pelo voto na mais perfeita convivência democrática. God bless America!

Quanto à desastrosa Revolução Russa, o Reino do Terror de Lenin foi sucedido pelo Reino de Mais-Terror de Stalin, com seus expurgos e seus 30.000.000 (trinta milhões) de vítimas, segundo S. Courtois e outros: Le Livre Noir du Communisme: crimes, terreur, répression (Paris, Laffont, 1997). Assim, se a pior conseqüência da Revolução Francesa foi a ditadura republicana de Napoleão Malaparte, a pior conseqüência da Revolução Russa foi o Império do Mal de Darth Vader, perdão: Stalin, o Pé-de-Pato (pois seus dedos eram ligados por membranas, razão pela qual fora recusado, quando do serviço militar, pelo exército do Czar).

Não posso me alongar nessa comparação, mas devo dizer que já a fiz em detalhes no meu livro inédito à espera de um editor: A Superação da Imaturidade: de Francis Bacon à Revolução Americana. Uma nova visão do Iluminismo.

* Obs.: “Ruça” não é um erro de ortografia cometido por este autor. Trata-se do adjetivo “ruço” como sói ocorrer em sentenças tais como: “A coisa está ficando ruça”. Expressão esta, aliás, bastante adequada enquanto substituta da politicamente incorreta: “A coisa está ficando preta”.

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Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

 
 

 
 

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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