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Os tentáculos da besta

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Nivaldo Cordeiro

O relatório da fundação Pew Center of the State (http://www.pewcenteronthestates.org/) sobre as incríveis taxas alcançadas pela população carcerária nos EUA deu-me o que pensar. Não creio que a moralidade dos norte-americanos tenha piorado, mas a “eficiência” do sistema para aprisionar certamente aumentou. Pela primeira vez a instituição registrou, em janeiro último, que mais de 1% da população masculina adulta encontra-se atrás das grades, sendo que o Estado da Flórida já contabiliza quase 5%. Destaque para a população negra: mais de 10% dos homens adultos estão presos, não estando disponível a informação específica para a Flórida.

A população encarcerada dobrou em cinco anos e, mantida a tendência, pode dobrar nos próximos cinco. Se, para cada prisioneiro, houver um burocrata do sistema jurídico-policial cuidando do assunto, inclusive os seus terceirizados, teríamos algo como 4% da população adulta masculina envolvida nessa economia, dobrando a cada lustro. Um disparate e um delírio só possível em estágios avançados da implantação do Estado Total, sempre um Estado policial.

É próprio do totalitarismo latente no Estado moderno essa tendência de esmagar os indivíduos de qualquer forma e o sistema jurídico-policial é o instrumento mais feroz desse processo. O prisioneiro é o cliente ideal: é compelido depois da sentença, ficando inteiramente na dependência do Estado-mamãe: é alimentado, cuidado, curado e mimado. Gera milionários contratos para fornecedores e empregos bem remunerados em toda a “cadeia produtiva” em torno do prisioneiro. E o eleitor homem-massa, sem desconfiar dos perigos, a cada problema na área de segurança clama por mais intervenção estatal. Mais polícia, mais justiça, mais prisões.

Os EUA estão na vanguarda do esmagamento das pessoas indefesas diante do Estado. Estou dizendo isso não porque não reconheça o papel que tem o Estado nessa área. Mas o que vemos é o descolamento dos códigos penais do direito natural. Há um clamor por tipificar cada vez mais áreas da ação humana enquanto crimes. Deveria ser crime o que sempre se reconheceu como tal, sem haver esparramo e exorbitância. Polícia e prisões não redimem e nem aperfeiçoam a humanidade, muito ao contrário. O sistema serve apenas como forma de castigo e de retirada dos elementos perigosos de circulação.

Pudemos ver a crônica dessa realidade exorbitante do Estado no filme O GANGSTER, de Ridley Scott, um roteiro biográfico estrelado por Denzel Washington e Russel Crowe. O notável do roteiro, além de ter um negro como chefe de gangue, é ter um único policial incorruptível nas forças de repressão. Quando o personagem cai e entrega os nomes quase toda a equipe policial da sua região foi presa. Vícios de uso de drogas, corrupção e abuso de poder é o menos que se viu naqueles policiais. O sistema de repressão não tem qualquer compromisso com as virtudes pelas quais supostamente vela. Os agentes não estão acima da lei, são a própria lei e tiram proveito disso.

Quantas vezes não vimos esse filme aqui no Brasil? Todas as grandes atividades do chamado crime organizado que chega para a opinião pública tem suporte e sociedade de policiais, juízes e outros elementos envolvidos na repressão, a dar crédito ao que sai na imprensa. Cabe uma reflexão sobre tudo isso.

Muita coisa que não devia ser crime foi criminalizada. Vimos agora a ilustrativa queda do governador de Nova York causada por escutas telefônicas legais (novamente!), feitas por agentes do Estado. Qual o crime? Prostituição. Justo com ele, um promotor público que se notabilizou por perseguir pessoas em causas moralistas. Ironia. Nem prostituição deveria ser crime e nem seus clientes deveriam ser grampeados, mesmo sendo um fariseu desses. O ex-governador não deveria cair por isso.

A reação automática de toda a gente é clamar por mais Estado sempre que algum problema coletivo surge. E a classe política, juntamente com a burocracia estatal, responde solícita a cada apelo. O resultado é essa coisa teratológica que se criou, esse Estado monstruoso. Não se pode mais ter uma vida sossegada, tem-se que estar de prontidão permanente, pois qualquer descuido pode custar a liberdade da pessoa. Defrontar-se com o Estado pode ser o encontro marcado com o destino. O Leviatã é gigantesco e insaciável. O sensato é que a coletividade passe a vê-lo dessa forma, como grande perigo ao indivíduo e não como redentor de quem quer que seja. E assim mudar o seu comportamento, passando a clamar por menos Estado. Restaurar a liberdade exige uma redução do Estado: redução nos impostos, na regulação e também no número de pessoas feitas prisioneiras. Estamos longe disso, infelizmente.

* Economista, articulista [ www.nivaldocordeiro.org ]

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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