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O ARTIGO DE CESAR MAIA

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Nivaldo Cordeiro*

Não posso deixar de comentar o artigo de estréia de Cesar Maia (“Barebones Parliament”), publicado ontem na Folha de São Paulo. Além de homem público já de longa carreira, Cesar Maia tem um intelecto notável e suas observações são muito apropriadas para aqueles que observam a cena política brasileira. É um misto de testemunho e de análise o que ele escreveu.

Não obstante, suas conclusões padecem de uma miopia notável e o que tem de mais esclarecedor é precisamente isso, que reflete a visão distorcida da nossa elite política sobre si mesma, fato espelhado nesse texto produzido por um dos seus melhores quadros. Peguemos o primeiro parágrafo:

“As instituições políticas nacionais vêm sendo desintegradas. O processo de construção institucional, aberto na Constituinte de 1988 e testado pela crise presidencial de 1992, começou a ruir quando reformas econômicas supostamente modernizantes avançaram sobre a ordem do dia, serviram para justificar o superativismo presidencial e deram aval até ao aluguel de votos, de forma a garantir o que se dizia imprescindível”.

Se é fato que as instituições políticas estão sendo desintegradas, a perceber-se a olhos vistos, não é fato que as reformas econômicas sejam o fator decisivo para a sua precipitação. Elas, as reformas econômicas, são corolário lógico do mal que está na etiologia de tudo. A nova Constituição, que generalizou o voto e que deu esse direito aos maiores de dezesseis anos, praticamente impôs o império da vontade das multidões aos governantes. Junte-se a isso a inexistência de um partido político liberal-conservador e a profusão de legendas (de fato, sublegendas) de partidos de esquerda, herdeiros da tradição do antigo Partidão e empenhados em levar adiante a revolução nos termos gramscianos, temos o quadro posto. Os piores foram alçados ao poder e não há maneira institucional de tirá-los de lá.

A hipertrofia da Presidência da República é a realização da Vontade Geral nos termos de Rousseau, que leva sempre ao exercício do poder de contornos ditatoriais, que de outra coisa não nos fala Cesar Maia, com propriedade. Cabalar votos de eleitores e, depois, de parlamentares é da lógica do processo, é seguir mero formalismo jurídico-eleitoral para o exercício do pleno poder do governante empossado. A ditadura não reside na pessoa do governante do dia, mas no feixe de leis autoritárias que rouba a liberdade e a renda dos cidadãos, no limite da asfixia. O germe de estado policialesco já emergiu nas ações de gente como Protógenes, o “delegado do povo”, e do ministro da Justiça Tarso Genro, homem desprovido de qualquer escrúpulo e de perfil talhado para ser um Beria tupiniquim.

O Estado policial aberto só não ganhou maior envergadura até agora porque o processo não é linear em todas as instâncias de poder. O STF tem sido um bastião de racionalidade, a segurar as aberrações do Executivo e das instâncias inferiores de Justiça. O mesmo pode ser dito das Forças Armadas, que jamais descuidaram da sua missão constitucional, embora nada possa fazer no que se refere à vilania da classe política. Mas, por quanto tempo? Quando a revolução gramsciana destruirá esses dois últimos bastiões?

Cesar Maia se prende à conseqüência e não vê a origem do processo. Ele teria que denunciar a falsa democracia que vige e o desastre que é nosso sistema eleitoral se enxergasse o real, o grande perigo em que vivemos. Não tem ele como fazê-lo, todavia, porque teria que passar a lutar contra o sistema pérfido que se instalou. Isso custa muito caro em termos pessoais. Ele é parte integrante do sistema, um membro notável do establishment. O ponto é que sua percepção de uma ditadura de fato é cristalina: “Numa situação dessas, tanto faz ter ou não partido na base parlamentar. É até melhor não ter. A votação da Lei do Orçamento -coluna vertebral do Legislativo- passou a ser uma espécie de “videogame” para parlamentares, além de ocupação do noticiário. Tanto faz aprová-la ou não, uma vez que é possível a criação de despesa por medida provisória”.  A ditadura legal é a pior delas. Estamos em plena ditadura.

Por isso Cesar Maia aponta suas baterias para a fraqueza do Legislativo, como podemos ler: “Há uma década as contas dos presidentes e os vetos presidenciais não são votados. Ou seja, inexiste a função fiscalizadora do Legislativo, e as leis -com vetos- não se completam. Sem sua vértebra institucional básica, a democracia está amputada. E o ‘Estado’ funciona com dois Poderes e um terceiro, de expectadores usurpados, mas que se dizem felizes”. Isso é conseqüência, não causa. A causa é o sistema político que praticamente entregou o poder nas mãos de gangues de facínoras socialistas, que se alternam no poder. Na raiz está o sistema eleitoral, que permitiu a deformação do ordenamento jurídico ao longo de tantos anos de exercício de poder por parte dessa canalha, do sistema de educação deturpado, dos meios de comunicação assalariados, de todo o processo pedagógico pervertido, essencial para a compreensão do real.

O mérito de Cesar Maia não está na sua análise, mas na simples colocação do problema. Não poderíamos esperar mais dele, comprometido que está com o status quo.

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Na mesma linha está a entrevista de Jarbas Vasconcelos na revista Veja que chegou à bancas, denunciando a corrupção em larga escala do PMDB, seu próprio partido. Equivale a um denuncia em larga escala do próprio governo, a começar pelo presidente da República. Suas palavras ficarão ao vento, infelizmente. Toda a classe política é sócia direta do esbulho bilionário gerado pela corrupção. Nada há a fazer. Jarbas Vasconcelos se esqueceu de dizer que o PMDB não tem o monopólio da corrupção, que está generalizada por todo o sistema político. Outra conseqüência dos fatos que apresentei acima.

* Economista, articulista [ www.nivaldocordeiro.org ]

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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