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Sacrificando os Consumidores

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RODRIGO CONSTANTINO*

“Quando um produto chega até nós a partir do estrangeiro, e quando podemos adquiri-lo por
menos trabalho do que se produzíssemos nós mesmos, a diferença é um presente gratuito que é
conferido a nós.” (Bastiat)

Em Economic Sophisms, o francês Frédéric Bastiat (1801-1850) expõe as
incoerências do protecionismo comercial. As barreiras protecionistas sempre representam um privilégio a poucos produtores à custa dos consumidores. Selecionei três casos analisados pelo economista.
No primeiro caso, Bastiat simula uma petição dos fabricantes de velas, lanternas e lâmpadas,assim como dos produtores de petróleo, resina e álcool, em defesa do protecionismo de seus mercados. Eles alegam que estão sofrendo uma competição injusta, já que seu rival pode trabalhar sob circunstâncias bem superiores que as deles, inundando assim o mercado doméstico com um produto concorrente de preço inacreditavelmente mais baixo.
O rival estrangeiro é o sol, que declarou guerra sem misericórdia aos fabricantes domésticos de substitutos de iluminação natural. A petição pede que o governo bloqueie o máximo possível o acesso à luz natural, criando uma necessidade por iluminação artificial, estimulando a indústria doméstica.
Ora, a justificativa para não seguir tal pedido seria o custo que os consumidores teriam que
arcar? Mas sempre que o governo cria barreiras que dificultam o acesso aos bens importados
mais baratos, não ocorre o mesmo tipo de sacrifício dos consumidores, para beneficiar alguns
poucos produtores? A desculpa de que o protecionismo visa ao encorajamento da indústria
nacional e aumento do emprego não se aplica da mesma forma nesse caso? Não alegam que o
consumidor e o produtor são a mesma pessoa, e que se um fabricante local lucra com o
protecionismo, isso terá uma contrapartida no consumo maior de outros produtos, beneficiando
os demais setores? E o mesmo “argumento” não é válido no caso da iluminação artificial?
Não condenam a competição como injusta quando recursos naturais favorecem os produtores
estrangeiros, justificando assim a proteção? E qual seria a diferença de parte do custo de
proteção do importado ser de graça devido à natureza, e seu custo total ser nulo, como no caso
do sol? Como pode fazer sentido proteger produtores domésticos quando uma parte dos custos
dos importados tem vantagem natural, e não proteger quando sua totalidade possui esta
vantagem?
No segundo caso, Bastiat diz ter chegado a uma imensa descoberta, de como reduzir a
diferença entre o preço dos produtos nos locais onde são produzidos e onde são consumidos.
Apesar de empresários quebrarem a cabeça pensando nisso, buscando a redução dos custos de
transporte, principal barreira natural para a importação ao mesmo preço, o governo, em
contrapartida, cria barreiras artificiais do outro lado, muitas vezes anulando o efeito das
inovações no transporte.
A solução “mágica” de Bastiat: redução das tarifas! O economista questiona como pode ter sido
possível pensarem em algo tão fantástico como se gastar milhões com o propósito de remoção
dos obstáculos naturais entre os países, como a construção de pontes e ferrovias, ao mesmo
tempo em que se gastam outros tantos milhões com o propósito de substituição dos obstáculos
artificiais que possuem exatamente o mesmo efeito. O resultado é que o obstáculo criado – as
tarifas protecionistas – neutraliza o obstáculo removido, e as coisas continuam como antes,
sendo a única diferença uma despesa dobrada pela operação toda.
O terceiro e último caso trata da reciprocidade. Muitos alegam que o livre comércio tem que ser
recíproco para ser benéfico. Bastiat afirma que pessoas com tal mentalidade são protecionistas
em princípio, mesmo que não reconheçam, e são apenas mais inconsistentes que os
protecionistas puros, que são por sua vez mais inconsistentes que os defensores da abolição
completa de produtos estrangeiros.
Para provar seu argumento, ele utiliza uma fábula de duas cidades, Stulta e Puera, que
construíram uma grande estrada conectando-as. Após o término da construção, Stulta teria
reclamado que os produtos de Puera estavam inundando o seu mercado, e criou o cargo
assalariado de encarregados pela obstrução do tráfego dos importados. Logo em seguida, Puera
fez o mesmo, e o resultado era mutuamente perverso.
Até que um homem velho de Puera, suspeito até de receber pagamento secreto de Stulta, disse
que os obstáculos criados por Stulta eram maléficos a Puera, o que era uma pena. E que os
obstáculos criados pela própria Puera também eram maléficos, novamente uma pena.
Completou que não havia nada que pudessem fazer quanto ao primeiro problema, mas que
poderiam solucionar a outra parte, criada por eles mesmos.
Logo houve forte reação, e o acusaram de sonhador, utópico e até “entreguista”. Alegaram que
seria mais difícil ir que vir pela estrada, ou seja, exportar que importar. Isso colocaria Puera em
desvantagem em relação à Stulta, como as cidades na beira dos rios estão em desvantagem
frente às montanhosas, já que é mais complicado subir que descer. Só que uma voz disse que
as cidades na beira dos rios prosperaram mais que as montanhosas, causando alvoroço.
No entanto, era um fato! Infelizmente para o povo de Puera, decidiram que tais cidades tinham
prosperado contra as regras, e optaram pela manutenção dos obstáculos, em nome da
“independência nacional”, da honra, da proteção da indústria doméstica contra a competição
selvagem, etc. E os consumidores continuaram sendo sacrificados para o benefício de alguns
produtores privilegiados, como sempre ocorre nas medidas protecionistas.

* Economista, articulista, autor de ‘UMA LUZ NA ESCURIDÃO – as ideias de grandes
pensadores da humanidade’. Diretor do Instituto Liberal. Artigo escrito em 2006.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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