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Analfabetismo funcional, tragédia nacional

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COLABORADORES

03.10.08

 
 

 
 

Analfabetismo funcional, tragédia nacional

MARIO GUERREIRO*

 
 

Num subúrbio dos mais pobres do Rio de Janeiro, há uma escola pública do segundo grau. Nela há um curso de Filosofia em que o professor é um ex-aluno meu de quem obtive informações a respeito das condições de ensino na referida escola.

Surpreendentemente, ela possui professores que dão aula e instalações convenientes: não só tem uma biblioteca com sala de leitura como também computadores e curso básico de informática, de modo que os alunos possam utilizá-lo convenientemente.

Quanto à qualidade do corpo docente, nada posso dizer. Não conheço os professores, careço de dados seguros sobre seu conhecimento e sua didática. Mas estou certo de que meu ex-aluno é um professor competente e assíduo, desejoso de ensinar coisas que sejam proveitosas para seus alunos, tais como Ética, Lógica e Teoria do Conhecimento.

Ele não mede esforços para se comunicar com seus alunos. Para isto, faz seminários em que coloca questões básicas, estimula a curiosidade do corpo discente, põe em discussão artigos de jornais e filmes, enfim: utiliza todos os meios disponíveis para motivar seus alunos.

Após alguns anos de magistério, ele me conta que seus alunos carecem de informações sobre coisas básicas, que era de se esperar tivessem obtido no primeiro grau. Isto não é de surpreender ninguém, pois é bastante conhecida a precariedade do ensino básico. Quanto à causa da referida precariedade, pensamos que talvez se deva mais à má formação pré-escolar dos alunos do que à incompetência de seus professores.

No entanto, a carência de informação dos alunos e sua deficiente educação informal não é o maior problema do referido mestre. Segundo ele, seu maior problema é o profundo desinteresse da maioria de seus alunos em aprender qualquer coisa. Por mais que ele se esforce e empregue os mais diferentes instrumentos didáticos, parcos resultados obtém.

A escola tem uma boa biblioteca munida não só de livros como de revistas culturais, porém poucos alunos têm o hábito da leitura, mesmo quando são estimulados a ler e dispõem de livros ao seu alcance. A escola tem computadores ao seu dispor e curso básico de informática, para que eles aprendam composição de textos e navegação na Internet. Isso eles aprendem muito rápido e fazem logo farto uso, mas o problema está justamente no uso que fazem: costumam entrar no Google e outros sites, para copiar artigos que apresentam como trabalhos seus.

Por incrível que pareça, não fazem esses plágios somente por falta de caráter e preguiça mental, mas sim porque têm grande dificuldade em fazer pesquisas de natureza bibliográfica em que é exigida a absorção de informações, para posteriormente dizer com as próprias palavras aquilo que leram.

São todos alfabetizados, mas são quase todos analfabetos funcionais. Como se sabe, a característica desse tipo de analfabetismo não é a incapacidade de ler, mas sim a de assimilar convenientemente aquilo que foi lido.

Para detectar o analfabetismo funcional, basta pedir a alguém que leia uma simples notícia de jornal e depois pedir a ele que diga o que entendeu. A leitura costuma ser feita sem grandes dificuldades além de falhas de pontuação e do gaguejar ao ler determinadas palavras de “mais difícil leitura”. Mas quando se trata de dizer, nas próprias palavras, do que se trata… Aí é que aparece a grande dificuldade.

E reparemos que não é o caso da assim chamada “interpretação de texto” feita nas poucas boas escolas, em que é pedido ao aluno ler e interpretar bons textos literários de escritores como Machado de Assis, Lima Barreto, Érico Veríssimo, etc. Trata-se de algo mais simples: de textos de jornais sobre acontecimentos da vida cotidiana.

A alfabetização em que os alfabetizados apenas sabiam escrever o próprio nome era muito desejada por nossos políticos numa época em que quem não sabia tal coisa não podia votar, mas após ter sido aceito o voto do analfabeto, parece que os políticos não têm mais com que se preocupar. O voto do analfabeto funcional é coisa preocupante para alguns de nós, mas não para eles.

Durante o regime de exceção, foi realizado um grande movimento de amplitude nacional do Oiapoque ao Chuí: o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Foram enviados professores para todos os cantos do País dedicados à alfabetização do maior número de pessoas possível. Tempos mais tarde, foi feita uma avaliação dos resultados desse grande e elogiável esforço de acabar com o analfabetismo.

A constatação dos resultados foi algo decepcionante: a maioria dos alfabetizados tinha desaprendido a ler e escrever. Por que? Por acaso o método de alfabetização não foi adequado? Creio que não, pois os alunos fizeram testes logo após considerados alfabetizados e revelaram saber o que aprenderam. Por que razão, então, com o tempo esqueceram o que sabiam?

Não sei dizer se foram feitos testes, de modo a avaliar se eles entendiam o que liam, mas ainda que tivessem sido feitos e os alunos aprovados, restava ainda um fator crucial: motivar o gosto pela leitura e fornecer livros, revistas, jornais para serem lidos em escolas e bibliotecas. Bem ou mal, este último requisito vem sendo atendido, porém falta o incentivo à leitura, mesmo nas classes sociais em que as pessoas costumam possuir nível superior de instrução.

Quando meus filhos estavam no segundo grau, às vezes levavam colegas à nossa casa para fazerem trabalhos escolares e às vezes eles iam às casas dos colegas com a mesma finalidade. Quando seus colegas viam nossa biblioteca recheada de livros de cima a baixo, ficavam simplesmente apatetados. Quando meus filhos iam às casas deles também ficavam não menos apatetados, pois não viam um só livro! E é escusado dizer que eles estudaram num dos melhores colégios do Rio de Janeiro!

Há coisas que uma vez aprendidas jamais são esquecidas, mas outras há em que é necessária a prática constante para que não caiam no esquecimento. Quem aprendeu a nadar ou a andar de bicicleta dificilmente esquece, mas quem aprendeu a ler e não cultiva o hábito sistemático da leitura ou esquece ou empobrece o espírito portador que é de exíguo vocabulário e escassas informações sobre o mundo em que vive.

É importante lembrar que minha preocupação com a falta do hábito da leitura em nosso País não é apenas a preocupação de um intelectual apaixonado perdidamente por livros e pela leitura do maior número possível dos mesmos. É também a preocupação de um cidadão com o futuro de nosso País.

A falta do referido hábito tem desastrosas conseqüências políticas e econômicas. Jamais teremos uma autêntica democracia sem sólidas instituições e sem bons representantes políticos. Jamais os teremos sem ter uma boa formação moral e intelectual sem ter eleitores bem formados e bem informados, de modo que possam escolher melhor seus representantes e estejam preparados para cobrar dos mesmos suas promessas de campanha. E, supondo que não as tenham cumprido, não reelegê-los.

Jamais seremos um país plenamente desenvolvido e com um bom IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) sem que tenhamos profissionais competentes em todas as atividades, das mais simples às mais complexas e especializadas. Mas como poderemos tê-los com um número alarmante de analfabetos funcionais? Em países como o Japão é difícil encontrar um operário que não tenha segundo grau completo com um excelente nível de instrução.

O Japão, aliás, serve de exemplo para seu antípoda: o Brasil. Saiu da Segunda Guerra arrasado. Na sua reconstrução, dedicou a maior parte de seus recursos à educação. A geração do pós-guerra faz grandes sacrifícios, mas soube compreender que seus sacrifícios tinham uma boa finalidade: a formação de bons recursos humanos como prioridade das prioridades. Desse modo, a referida geração teve a felicidade de ver seus filhos vivendo em um país próspero com excelente IDH.

Sem boa educação para todos seus habitantes, nenhum país consegue ser uma autêntica democracia gozando de prosperidade econômica. Se isto é muito simples de compreender e aceitar, parece ser muito difícil de ser levado a sério e posto em prática.

* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

 

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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