A revolta do contribuinte: quando o pagador de impostos diz basta
Há um limite para a paciência do homem livre. Ele suporta as intempéries do mercado, as incertezas da vida e as injustiças do destino, mas não tolera indefinidamente a expropriação moral e material disfarçada de dever cívico. O contribuinte brasileiro, historicamente resignado, começa a despertar para uma verdade incômoda: não há virtude em sustentar um Estado que o explora. A relação entre cidadão e governo deixou de ser um pacto de cooperação e se tornou um sistema de espoliação. Paga-se muito, recebe-se pouco e, ainda assim, exige-se submissão. O Brasil está maduro para uma revolta, não de armas, mas de consciência.
O Estado brasileiro cobra como país rico e entrega como país pobre. A carga tributária ultrapassa 33% do PIB, nível equivalente ao de economias desenvolvidas, mas sem oferecer os serviços que justificariam tal fardo. O contribuinte financia uma estrutura estatal que consome quase tudo o que produz. Segundo o Tesouro Nacional, mais de 90% do orçamento público está comprometido com gastos obrigatórios, folha de pagamento e benefícios previdenciários. O que resta é insuficiente para investimentos produtivos ou inovação institucional. O Estado transformou-se em um organismo autônomo que vive para si mesmo. O cidadão não é o seu beneficiário, mas o seu mantenedor involuntário.
Frédéric Bastiat, em A Lei, advertia que o maior perigo da democracia é quando o Estado se torna instrumento de pilhagem legal. Ele explicava que, quando o governo ultrapassa sua função natural, proteger a vida, a liberdade e a propriedade, e passa a redistribuir riquezas segundo critérios políticos, ele legitima o roubo sob aparência de justiça. O Brasil é um exemplo vivo dessa perversão moral. O imposto, que deveria ser o preço da civilização, transformou-se no preço da ineficiência. Cada novo tributo é apresentado como gesto de solidariedade, mas o que se consolida são a dependência, o desperdício e o privilégio.
Milton Friedman, em Capitalismo e Liberdade, ensinava que ninguém gasta o dinheiro dos outros com o mesmo zelo com que gasta o próprio. A essência do desperdício público está nesse princípio simples. O dinheiro do contribuinte é tratado como recurso sem dono, e o resultado é o que se vê: obras inacabadas, máquinas paradas, políticas redundantes e programas de transferência de renda usados como instrumento de fidelização eleitoral. A tributação excessiva não é apenas um problema econômico, mas ético. Ela destrói o senso de responsabilidade individual e cria uma cultura de dependência. O cidadão deixa de ser protagonista e se converte em cliente do poder.
James Buchanan, criador da Public Choice Theory, demonstrou que governos não são entidades benevolentes, mas conjuntos de incentivos políticos. Burocratas e parlamentares agem, como qualquer agente racional, buscando maximizar benefícios e minimizar custos. Isso explica por que a máquina pública tende a crescer independentemente das necessidades reais da sociedade. No Brasil, a ausência de mecanismos efetivos de controle faz com que o Estado seja administrado não para servir ao povo, mas para perpetuar seus próprios privilégios. A revolta do contribuinte é, portanto, mais do que legítima: é um ato de autopreservação cívica diante de uma estrutura que vive de parasitar a sociedade produtiva.
Thomas Sowell complementa essa análise ao afirmar que “não há soluções, apenas trocas”. O discurso político que promete benefícios ilimitados sem custo real é a raiz da irresponsabilidade fiscal e da insustentabilidade do sistema tributário. O contribuinte é enganado por uma retórica que confunde generosidade com gasto público e justiça social com intervencionismo. Enquanto isso, o país acumula déficits, amplia a dívida e perpetua a desigualdade que diz combater. A verdadeira justiça só pode nascer da eficiência, e a eficiência depende da liberdade econômica. Tributar menos é liberar energia produtiva, não punir os ricos.
O fenômeno da exaustão fiscal já tem contornos globais, mas assume no Brasil uma dimensão moral. A cultura política nacional tratou o imposto como símbolo de cidadania e não como instrumento de contrato social. O resultado é um Estado hipertrofiado, com mais de 90 tributos diferentes, que pune o trabalho formal e recompensa a ineficiência. Enquanto o governo se alimenta do esforço de quem produz, ele mesmo não produz nada. A carga tributária não financia o progresso, financia a própria carga. É um sistema que consome energia sem gerar movimento.
Roberto Campos já dizia que o Brasil não precisa de um Estado grande, mas de um Estado competente. A verdadeira reforma não é tributária, mas cultural. A revolta do contribuinte começa quando o cidadão se recusa a aceitar a mediocridade como preço da legalidade. Quando ele compreende que pagar imposto não é um ato de submissão, mas de exigência: se o Estado cobra, deve prestar. Essa consciência fiscal é o primeiro passo para uma reforma moral. A cidadania não consiste em servir ao governo, mas em controlá-lo.
Deirdre McCloskey lembra que a prosperidade moderna surgiu quando as sociedades passaram a valorizar o trabalho produtivo, o comércio e o empreendedorismo. Nenhuma civilização enriqueceu por meio da tributação; todas cresceram pela liberdade. O Brasil precisa recuperar esse princípio. A moral tributária deve ser reconstruída a partir da dignidade do contribuinte e não da voracidade do Estado. O imposto justo é aquele que serve à liberdade e não aquele que a suprime. O país só será verdadeiramente democrático quando o cidadão deixar de temer o Estado e o Estado passar a temer o cidadão.
A revolta do contribuinte é, portanto, um movimento de regeneração moral. Ela não busca a anarquia fiscal, mas o equilíbrio entre dever e liberdade. Não reivindica o fim do Estado, mas o fim do abuso. É a reação natural de uma sociedade que trabalha, cria e sustenta o país, mas que se recusa a continuar pagando por um sistema que consome mais do que entrega. O brasileiro não quer viver de favores; quer viver do próprio esforço. O que falta não é coragem, mas consciência. Quando essa consciência se transforma em ação, o poder muda de mãos.
O dia em que o contribuinte disser basta, não com violência, mas com clareza moral, será o dia em que o Brasil começará a se libertar da servidão tributária. Esse movimento não depende de líderes, mas de cidadãos. Não é uma revolução contra o governo, mas a favor da responsabilidade. É o retorno da moralidade à economia, da eficiência à política e da liberdade à vida pública. Quando o pagador de impostos recuperar o orgulho de ser produtivo, o Estado deixará de ser um fardo e voltará a ser um instrumento. Até lá, a verdadeira revolta será continuar produzindo em silêncio, sabendo que a dignidade começa exatamente onde termina a resignação.



