Magnitsky, nossa “redentora”?
Dissuasão, forma ancestral de relação entre pessoas e coletividades. Indivíduos e nações são diariamente dissuadidos de certas condutas, seja em virtude das possíveis consequências advindas das práticas, seja por receio das penas previstas em leis ou até da concretização de ameaças proferidas por outrem. Não se abstêm por arrependimento ou por outro moto de foro íntimo, mas pela percepção de que o não-fazer algo poderá lhes ser bem mais vantajoso que o levar a cabo suas intenções originárias.
Recentemente, o togado Alexandre de Moraes foi sancionado nos termos da Lei Magnitsky, após ter sido reconhecido, pelo governo Trump, como autor de violações gravíssimas a direitos humanos, inclusive contra indivíduos, residentes e empresas constituídas nos EUA. Tido como intocável e todo-poderoso nos domínios que julga serem “seus” e temido tanto por seus pares quanto pela maioria esmagadora de nossos congressistas, Moraes foi sujeito ao bloqueio de todos os seus ativos, sendo impedido de movimentar contas bancárias, cartões de crédito e quaisquer outros meios de pagamento no Brasil e no exterior. Aquele que, entre os seus, passou os últimos anos abusando de seus poderes e impondo males injustos aos alvos por ele pré-selecionados foi banido da economia do dólar, lançado à morte financeira e desmoralizado mundo afora. As providências punitivas que cabiam ao nosso Senado, assim como o repúdio que se esperava dos demais membros da cúpula togada, vieram de um líder de nação estrangeira, no uso de sua própria soberania e mediante a aplicação de lei vigente no território sob seu comando. E agora, elites brasileiras do judiciário, da política e do empresariado?
O recado do hemisfério norte não poderia ter sido mais claro. Como resumido em postagem recente do secretário-adjunto de Estado norte-americano, Christopher Landau, a maior democracia do mundo, embora deseje restabelecer os elos históricos com a nação brasileira, não está disposta a negociar com o juiz que usurpou as atribuições de todos os outros braços estatais e esvaziou a separação de poderes. Até mesmo os déspotas monoglotas e de raciocínio limitado puderam compreender que as duras sanções Magnitsky, já decretadas contra Moraes, tendem a atingir também seus principais aliados, incluindo familiares à testa de suntuosos escritórios de advocacia “especializados” em causas junto aos tribunais superiores. Assim, o gigante do norte vem tentando dissuadir o Brasil de prosseguir na rota do autoritarismo e da corrupção grossa, indicando que tais desvios acarretarão levas de punições financeiras aos seus protagonistas, tarifaços à economia local e, em hipótese extrema, o isolamento político e estratégico do “irmão menor” do Cone Sul.
Na obra Paz e Guerra entre as Nações, o pensador francês Raymond Aron condiciona o êxito da dissuasão a três fatores: o psicológico, que reside no convencimento sobre a seriedade de sua ameaça; o técnico, que diz respeito aos efeitos da colocação em prática da ameaça; e o político, que consiste no balanço dos lucros e perdas obtidos, de um lado, com as práticas objeto da dissuasão e, do outro, com a abstenção destas. Quanto ao primeiro aspecto, o noticiário brasileiro sequer consegue disfarçar o abatimento de Moraes e o pânico de seus pares, que chegaram a convocar reuniões com presidentes de bancos, na tentativa vã de impedirem a aplicação da Magnitsky entre nós. O insucesso dos togados junto aos figurões do setor financeiro deixa clara a inevitabilidade técnica da implementação da lei, pois nenhum banqueiro renunciaria a todas as suas carteiras de negócios ou enfrentaria o pagamento de multas milionárias tão somente para manter em circulação as contas de alguns juízes. Os entraves à queda do atual regime parecem ligados ao terceiro fator suscitado por Aron.
Se nosso círculo político fosse regido por padrões mínimos de razoabilidade esperados em sociedades humanas, os membros do congresso nacional já teriam enxergado Moraes como uma “célula cancerígena”, responsável por perdas sistêmicas de grande monta e cuja remoção seria percebida como imperativo de sobrevivência em curto prazo. Da mesma forma, se nosso empresariado fosse composto, em sua maior parte, por figuras muito competitivas e inovadoras, os atores da nossa economia já teriam pressionado seus representantes políticos à tomada de medidas rígidas contra um estamento togado abusivo, inclusive e sobretudo para viabilizarem negociações sérias sobre a recente tarifa imposta por Trump. Contudo, seja por promiscuidade ou covardia, empresários deitados à sombra de benesses estatais e políticos despreparados, ineficientes ou conluiados com os violadores fingem não enxergar que a manutenção do establishment, ou seja, a reação à força de dissuasão exercida pelos EUA, representará nossa derrocada, sabe-se lá por quanto tempo. Além de oficialmente imoral e repressor das liberdades individuais, nosso país poderá ir à bancarrota.
A sanção Magnitsky decretada contra Moraes já remexeu os intestinos da nossa estrutura judiciária e colocou holofotes sobre a podridão que a maioria buscava lançar para baixo do tapete. Contudo, a par desse poderoso instrumento de dissuasão internacional, precisamos nos reerguer no plano interno e buscar a reconstrução da institucionalidade perdida. Caso contrário, poderemos até trocar nomes de figurões, mas continuaremos relativizando o desrespeito ao texto da Constituição e às liberdades individuais e patinando no atraso e na insegurança.