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O Estado, a mulher, o sofá e o pato

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por IGOR WILDMANN*

 SOFÁ2

Como advogado e como cidadão, venho observando que a atuação do Estado brasileiro lembra aquela velha piada da mulher e do sofá: o marido, ausente e omisso, chega em casa e depara-se com sua mulher, nua, no sofá, nos braços de outro. Pasmo e inerte no ato, o marido passa alguns dias a refletir e finalmente toca o sofá para fora de casa, chamando os amigos e lavando publicamente sua honra ao atear fogo, com grande alarde, na “mobília maldita”.
A analogia me tem vindo à cachola várias vezes que vejo a forma de o Estado brasileiro lidar com problemas:

a) A taxa anual de homicídios é estratosférica: faz-se uma campanha de desarmamento, incentivando os cidadãos a entregar suas armas. Cria-se lei dura, praticamente inviabilizando ao cidadão pacato o acesso a armas de fogo para a defesa pessoal. Enquanto isso, nas “comunidades”, o crime organizado exibe ostensiva e impunemente suas AK-47, AR-15 e etc., como símbolos de poder e status perante os moradores, impotentes e resignados. Os indivíduos de bem, na favela ou “no asfalto” pagam o pato.

b) Há ondas de assaltos em portas de bancos. Um estado da federação, ao invés de providenciar a prisão das quadrilhas de larápios, edita lei proibindo os clientes de falar ao celular dentro das agências. Os bandidos continuam soltos. E o cidadão comum, horas na fila do banco, paga o pato.

c) A taxa de acidentes automobilísticos é altíssima, em virtude, não se pode ignorar, do estado de conservação vergonhoso das estradas ou da fiscalização deficiente. O que se faz? Criam-se leis com um rigor absurdo, que podem transformar o cidadão médio e pacato em criminoso, caso ele tenha dirigido após comer um bombom de licor, lavar a boca com enxaguante bucal ou tomado uma – e só uma – taça de vinho, coisa que, venhamos e convenhamos, é distinta de “dirigir embriagado.

d) Hordas de dependentes de crack em determinados pontos, completamente escravizados por seu vício, muitos visivelmente fora de equilíbrio emocional, molestando ou furtando os transeuntes. O Estado, inerte perante o problema, resolve conceder-lhes “bolsa” em dinheiro, recurso este que, obviamente converte-se em aumento da liquidez das “Cracolândias”, com consequente majoração do preço das drogas. Os traficantes agradecem. O cidadão médio paga a conta e paga o pato.

e) Crianças aos montes mendigando nos sinais, à vista de todos, a maioria delas visivelmente exploradas por seus pais ou por um adulto qualquer. Crianças e adolescentes aderindo ao tráfico de drogas. Crianças sendo exploradas e se prostituindo. E o Estado, além de muita propaganda, cria uma lei que transforma em bandidos os pais que derem um bom puxão de orelhas num moleque pirracento ou num “aborrecente crisento” e carente de limites. Os pais que se preocupam em transformar seus filhos em seres humanos decentes pagam o pato.

f) O trânsito está cada vez mais caótico nas cidades e curiosamente, os metrôs nunca saem do papel ou das boas intenções. No entanto, já há uma prefeitura com brilhante projeto para tal problema: “proibir a construção de prédios novos com mais de uma vaga de garagem (sim, é sério, esse projeto existe!) e coibir ao máximo a abertura de estacionamentos nas regiões centrais. O Estado não faz o dever de casa. E joga a conta nas costas do cidadão médio que, claro, paga o pato.

g) Vários dos auto-proclamados “movimentos sociais” promovem invasões e depredações em terras alheias. Num caso, vi incêndio provocado por “desconhecidos”, que acampavam às margens de uma propriedade rural. (Os líderes desses movimentos dificilmente se identificam). O que fez o Estado? Incapaz de proporcionar segurança pública e estabilidade nas relações jurídicas, autuou o proprietário por delito ambiental. O mesmo foi reclamar do fato. Os órgãos ambientais criaram uma caça a “irregularidades” burocráticas, até se criar pretexto para autuar e multar o proprietário, que ao fim, pagou o pato.

h) O Estado brasileiro criou, em junho do ano 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA), que em seu site proclama como sua missão “implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso a água, promovendo seu uso sustentável em benefício das atuais e futuras gerações”.  Suponho que isso incluiria a gestão dos recursos hídricos, com vários dos métodos hoje existentes: captação e reaproveitamento de água de chuvas, diminuição do desperdício nas redes de distribuição dos próprios órgãos fornecedores, despoluição de bacias, incentivos fiscais à utilização de meios mais racionais para irrigação agrícola, fiscalização realmente rigorosa em relação às minerações próximas a nascentes, etc. Mas quinze anos se passaram desde a criação do órgão (e dos seus correspondentes estaduais) e o que vem ocorrendo é que, mesmo estando o Brasil assentado sobre uma das maiores – senão a maior – reserva hídrica do mundo, o Estado, junto com seus arautos da “patota consciente”, quer nos convencer que são o meu e o seu banho, leitor, os responsáveis por uma espécie de apocalipse hídrico que se avizinha.  Daí o “Leviatã” entra em cena para aumentar a conta de água, avizinhando-se o dia em que irá multar o cidadão por escovar os dentes com a torneira aberta. Água existe. Faltou a gestão. E, seja pelo desabastecimento, seja pelo aumento da conta ou pela a cantilena contra “o monstro que tem piscina em casa” (ou que se refresca com mangueiras na laje nos dias de calor), o cidadão comum paga o pato.

Percebam que há um “modus operandi” por trás de cada um desses exemplos: o Estado não faz o seu dever de casa. E, em face de cada um dos problemas, faz o que é mais fácil e conveniente, não sem antes provocar um escarcéu na imprensa, sempre com campanhas politicamente corretas apoiadas por artistas e outros “useful idiots” bem intencionados: joga o ônus de sua omissão nas costas do cidadão médio, daquele indivíduo identificável, com CPF e endereço certos. O Estado se comporta como o marido da piada: omisso, leniente, míope. A mulher da piada representa o dever que ele não cumpre. O outro, o “amante”, os problemas que não enfrenta. Os amigos que assistem à queima do sofá são os artistas e auto-proclamados “conscientes”, aboletados no seu conforto e na sua vaidade de se pretenderem moralmente superiores, com seus slogans prontos e rasos e sua auto-ilusão messiânica. (Afinal de contas, estão “salvando o mundo,” criando “uma nova sociedade”.)
E o sofá jogado fora e incendiado, com alarde, é o cidadão médio comum, identificável, com endereço certo, com CPF. Aquele que trabalha, que quer que suas crianças durmam cedo e comam frutas, que quer juntar algum dinheiro para sua velhice, que quer segurança e respeita a polícia e o Estado, que se preocupa com as contas e com os impostos, que acha feio jogar papel nas ruas, que tem medo de bandido.

Aquele que, com todos os seus defeitos, neuroses e pecadilhos, preocupa-se em cumprir as leis.

Aquele que, ao final, paga o pato.
Sinto informar, mas o sofá somos eu e você.
Pensando bem, o pato também.

*Igor Wildmann é cidadão brasileiro, advogado, sofá e pato. 

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8 comentários em “O Estado, a mulher, o sofá e o pato

  • Avatar
    17/03/2015 em 10:37 am
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    Tinha um professor que dizia que para resolver um problema é necessário uma solução mais complexa que o problema em si.
    O que vemos nos problemas descritos são simples paliações que em nada atacam na complexidade dos problemas.
    Ao invés de resolver algo, parece mais uma obrigação de fazer algo, seja por incompetência ou benefícios pessoais…

  • Avatar
    16/03/2015 em 8:45 am
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    Adorei a publicação do Igor, retrato fiel de um Estado que penaliza o cidadão, e cria os monstros que justificam a sua incompetência em gerir a coisa pública.

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    12/03/2015 em 10:38 am
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    Igor,

    você falou tudo o que está atravessado na minha garganta, há muito tempo. Me sinto aliviada! Obrigada.

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    11/03/2015 em 10:34 am
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    Uma análise perfeita.
    Isto explica as manifestações que surgem desde jun/13…

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    11/03/2015 em 10:26 am
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    Meu primeiro acesso. Muito bom artigo.

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    11/03/2015 em 8:48 am
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    Faltou uma:
    i) A corrupção é cultural dentre o cidadão e agravada nos agentes públicos, porém, ao invés de buscar mudar a si e promover a mudança no próximo, se grita “Fora PT!” e tudo se resolve.

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    10/03/2015 em 11:18 pm
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    Muito bom.

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    10/03/2015 em 9:05 pm
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    Muito bom! Poderia acrescentar ao belo texto uma situação que convivo diariamente. Trabalho de motofrete e vejo a fiscalização do SETRAN aqui de Curitiba fazendo blitz visando apenas motos que trabalham para verificar se está legalizado, com carteira e placa vermelha. São dezenas de motos de trabalhadores comuns sendo apreendidas. Mas para regularizar é uma burocracia nojenta. Então fico imaginando nos EUA. Suponho que se um brasileiro conseguir entrar lá de forma ilegal e adquirir uma moto ( talvez uma Harley-Davidson ) e for trabalhar, ainda que ilegalmente, acho que ele não será incomodado e poderá ganhar seu dinheiro desde que honestamente. Lá vale o princípio de que o cidadão é livre para trabalhar e ganhar. Enquanto aqui somos prisioneiros de de regras e leis que apenas demonstram a mentalidade dos parlamentares criadores dessas leis. Aliás, que moral tem políticos corruptos de criarem leis?

Fechado para comentários.

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