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Gestão de clubes, preferência temporal e anistia tributária

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No jornal “O Globo” de ontem foi publicado um debate na seção opinião a respeito das milionárias dívidas dos clubes de futebol, com a opinião do jornal no sentido de apoio à Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, enquanto que o ex-Diretor-Executivo do Fluminense argumentou que uma Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte muito restritiva inviabilizaria a gestão de clubes, pois ninguém aceitaria ser Presidente de um clube tendo que pagar por eventuais prejuízos do próprio bolso e sem remuneração. Trago algumas perspectivas sobre o tema.

O grande problema das gestões de clubes no Brasil não é nem um pouco diferente das gestões estatais em todo mundo: a questão da preferência temporal.

Quando um bem é gerido de maneira privada, tendo um dono, todo lucro ou prejuízo relativo à exploração daquele bem se reflete no patrimônio do dono. Um dono que explora um bem de maneira insustentável e exploratória, na medida em que exaure o bem, faz com que o valor desse bem diminua, diminuindo portanto o seu patrimônio. Em última análise, exaurir um bem privado empobrece o dono desse bem. Com isso, há toda uma série de estímulos econômicos naturais para que o dono daquele bem o explore de maneira sustentável e em longo prazo. Por esse motivo que donos de imóveis, bens e empresas tendem a valorizar sempre seus bens e extrair riquezas em longo prazo.

Quando um bem é gerido não por um dono, mas por um administrador, e por tempo limitado, seja o Estado, um clube de futebol ou uma concessão de bem público, o lucro (político ou econômico) da exploração daquele bem é usufruído por aquele gestor apenas durante o período em que o gestor efetivamente está no comando. Com isso, há toda uma série de estímulos econômicos para que o gestor maximize a exploração daquele bem, empurrando o pagamento de dívidas para o futuro, de forma que os próximos gestores é que arquem com o prejuízo. Por esse motivo que a maioria dos Estados e clubes de futebol sem donos privados está com grande dívida. Seus dirigentes exauriram os bens dessas entidades sem nenhuma responsabilidade ou sustentabilidade e jogaram a conta pros gestores seguintes.

Para resolver esse problema, em âmbito estatal, o mais lógico é diminuir ao máximo as competências governamentais, abrindo para o mercado a responsabilidade pela prestação de bens e serviços e gestão de bens. No âmbito clubístico, que é o foco deste post, os clubes europeus optaram, há muito tempo, por se tornarem empresas, o que não é uma tradição brasileira. A outra grande solução para tentar reverter os estímulos econômicos ruins da preferência temporal de curto prazo dos dirigentes clubísticos, sem a criação de empresas, é a institucionalização de boas práticas administrativas dentro dos estatutos dos clubes, como governança corporativa, accountability e responsabilidade fiscal. Como os estatutos, que são as leis maiores dentro dos clubes, tem por objetivo a preservação do clube em longo prazo, nada mais lógico que essas práticas estarem institucionalizadas neles.

No entanto, não é o que acontece hoje na maioria absoluta dos clubes de futebol, cuja estrutura interna continua bastante focada na concentração de poderes na figura do Presidente e sem nenhuma responsabilidade em caso de má gestão. Deveria ser do interesse de cada clube buscar institucionalizar essas boas práticas, e na falta desse movimento, a sociedade civil está demandando que o Governo faça uma verdadeira intervenção no setor.

Não creio que o Governo seja o ente mais apto a promover uma mudança de gestão no futebol brasileiro. Até porque o próprio Governo não faz seu dever de casa como deveria. Se a Lei de Responsabilidade Fiscal imposta pelo Governo ao próprio Governo é desrespeitada, por que a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte também não seria? Me parece natural que, caso a LRFE seja aprovada e os dirigentes todos a descumpram, os deputados ligados ao esporte farão uma lei aos moldes da “Lei de Anistia da Dilma” do ano passado para anistiar todos os que descumpriram a LRFE.

Se a mudança institucional não vier de dentro, a partir do próprio corpo social de cada clube, entendendo a importância da austeridade fiscal, de não se gastar mais do que se arrecada, de culpabilizar economicamente os diretores que malversam ou desviam recursos, de não inflar folhas salariais, de profissionalizar as gestões internas, e assim sucessivamente, essa intervenção governamental vai apenas criar novas oportunidades de corrupção e trocas de favores com poderes federais, o que não é bom nem para os clubes e nem para a sociedade.

E quanto ao refinanciamento das dívidas tributárias dos clubes, eu realmente gostaria de ver esse debate sendo discutido em um nível mais alto do que simplesmente se propagandear que “anistia das dívidas é doação para os clubes, e não pode”, mantra dos bons moços que andam por aí. Como o futebol é uma paixão nacional e chama muito a atenção de toda a sociedade brasileira, ele pode servir como instrumento para uma reflexão muito mais profunda acerca das mazelas sócio-econômicas do Brasil.

Podemos começar dando como exemplo a própria questão já citada da responsabilidade fiscal, um dos princípios mais caros a este Instituto Liberal. Está se formando um consenso na sociedade que clubes devem respeitar a responsabilidade fiscal. Mas por que esse consenso não existe em relação ao Governo e seu déficit primário multibilionário? No domingo mesmo eu li o bizarro comentário de Luis Fernando Veríssimo ao Globo dizendo que a austeridade e responsabilidade fiscal na Grécia só fez mal e que Hitler nasceu da imposição de uma suposta austeridade alemã na República de Weimar. A partir dessa perspectiva, se implementarmos responsabilidade fiscal nos clubes, isso será errado para os clubes? Essa é uma questão que a sociedade e os formadores de opinião brasileiros, principalmente os de esquerda, não respondem, pois possuem dissociação cognitiva, já que boa parte deles conseguem defender dois pontos de vista antagônicos como se um não anulasse o outro. Se eles não respondem essa questão, eu respondo: responsabilidade fiscal e austeridade são muitos bons para os clubes E para o Governo, e não apenas para um ou outro. Para petistas e psolistas da vida, gastança clubística e falta de austeridade só podem ser coisas boas, já que pro Governo é bom. Só esquecem que alguém precisa pagar a conta um dia.

Outra questão, intimamente ligada ao refinanciamento tributário, é o montante da dívida. O fato é que a carga tributária brasileira é extorsiva e confiscatória, independentemente do fato de ser rico ou pobre, pessoa física ou jurídica, patrão ou empregado, servidor público ou agente de mercado. Não pode ser normal um sistema tributário que consegue gerar uma dívida de quase 4 bilhões de reais anuais para clubes que não conseguem gerar isso de receita anual, somadas as receitas de todos eles juntos. Não estou com isso desculpando os escroques que andaram gerindo o meu clube e não pagando dívidas fiscais, mas essa questão precisa ser posta em discussão. Uma carga tributária nesse nível cria uma eterna subserviência não só dos clubes, mas de todo o país, às autoridades fiscais. Estamos todos, clubes, empresas e cidadãos, em regime de escravidão por dívida frente ao Governo brasileiro.

Não podemos deixar de abordar ainda a questão da isonomia tributária brasileira. Vivemos em um país cujo regime fiscal é altamente regressivo, ou seja, pobres pagam proporcionalmente mais tributos do que ricos, em virtude do foco do Governo em impostos indiretos, que incidem sobre o consumo. Além disso, o Governo usa o regime tributário para impor seus próprios padrões morais para estimular ou retaliar comportamentos, característica essa conhecida como extrafiscalidade tributária. Por exemplo, mais de 80% do preço da cerveja provêm de tributos, destruindo por completo a isonomia tributária. E se essa extrafiscalidade já não fosse uma aberração, os padrões morais do Governo são os piores possíveis. Por exemplo, a carga tributária sobre remédios é maior do que a carga sobre ursinhos de pelúcia, ou seja, se o cidadão morrer não importa, desde que seu quarto tenha figuras fofinhas. Nesse terreno inóspito ao empreendedorismo, o Governo não tem o menor pudor em conceder isenções fiscais a segmentos corporativos que mantenham relações próximas com ele, como é o caso do setor automobilístico, e sem nenhuma contrapartida formal, já que demissões em massa tem ocorrido com frequência no ABC paulista. Simplesmente não há isonomia tributária no Brasil.

Então fica a pergunta: por que o setor automobilístico pode ter isenções sem contrapartidas e o setor esportivo não? Novamente não há resposta coerente por parte do Governo ou da esquerda como um todo. Ou alguém vai tentar convencer a sociedade que remédios ou esporte possuem função sócio-econômica inferior a carros? Minha resposta, coerente, é: todos os setores devem ser contemplados com iguais baixos impostos, inclusive o esporte, sem distinção de cor, credo, classe social ou atividade econômica, e o Governo que se vire para fazer mais com menos, afinal, se está sobrando tanto para corrupção, podemos reduzir a carga tributária sem maiores problemas.

Em suma, se vamos fazer um debate sério sobre o tema, que sejam abordadas todas as questões, de forma que os bons princípios liberais da responsabilidade fiscal, da liberdade individual e do progresso econômico com baixa carga tributária sejam aplicados para todos os entes nacionais em verdadeira isonomia, sem distinção, seja Governo, empresas, clubes, associações ou cidadãos. Qualquer coisa diferente disso parece uma grande hipocrisia e seletividade de pautas públicas por conveniências escusas e interesses particulares.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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