Resenha: O que se vê e o que não se vê
Para aqueles que já estão familiarizados com a figura do renomado autor e economista Frédéric Bastiat, seu nome provavelmente ressoa, principalmente, pela famosa obra A Lei. No entanto, muitos talvez não conheçam a profundidade de sua influência no pensamento econômico liberal como um todo, com especial relevância à obra descrita no presente texto, intitulada O que se vê e o que não se vê.
A título de contexto, Frédéric Bastiat nasceu em 1801 na França e teve uma vida marcada por desafios e realizações. Órfão muito jovem, o economista foi criado por seu avô, que faleceu quando Bastiat iniciava a vida adulta. O resultado de grandes perdas em uma fase precoce da vida forjou seu processo de independência e amadurecimento, de modo que, aos 19 anos, já herdeiro de uma propriedade expressiva, ele pôde então se dedicar ao estudo de matérias filosóficas e econômicas, o que moldou sua formação ideológica e sua visão crítica sobre as intervenções estatais e o socialismo.
Ao longo dos anos, Bastiat desempenhou diversos ofícios, incluindo a função de juiz de paz e de professor; no entanto, foi como economista, escritor e ativista político que ele marcou a economia.
Bastiat representa uma figura crucial na história do liberalismo econômico, sendo um dos pioneiros do estudo do tema na França, onde enfrentou forte oposição, haja vista o cenário dominado por teorias socialistas e intervencionistas. Curiosamente, seu reconhecimento só veio após a revisão de suas obras por economistas e redatores estadunidenses, onde seus estudos encontraram sucesso, devido ao fato de que suas produções literárias eram ignoradas e praticamente silenciadas no âmbito da França iluminista do século XIX.
O economista era incisivo, irônico e muito crítico das ideias de socialismo e intervencionismo estatal, especialmente no contexto envolvendo a Revolução Francesa. Essa postura o fez ser totalmente ignorado pelos estudiosos de sua época, que expressamente divergiam de suas ideias. Suas obras, portanto, não foram muito populares durante sua vida, mas sua importância foi mundialmente reconhecida posteriormente.
Em que pese o curto período de vida, tendo falecido aos 49 anos, ele deixou como legado um vasto acervo de obras literárias, cujos ricos ensinamentos ofertam, ainda nos dias de hoje – ou melhor dizendo, principalmente nos dias de hoje –, insights valiosos que continuam a ser uma referência essencial para entender o liberalismo econômico.
Da simples leitura da obra O Que Se Vê e o Que Não Se Vê, percebe-se a visão atemporal de Bastiat, cuja capacidade de enxergar além das ideias predominantes de sua época revela um entendimento profundo da economia como uma verdadeira ciência objetiva. A genialidade de Bastiat é ilustrada por sua clareza e habilidade de introduzir o conceito do “invisível” nas ações econômicas, destacando como os efeitos “não vistos” de uma decisão muitas vezes superam os impactos imediatos, palpáveis e “visíveis”.
A lição de Bastiat começa com um exemplo simples, porém poderoso: a história de um homem que precisa substituir um objeto quebrado. Bastiat argumenta que, embora a reparação enseje a contratação de um serviço, que, por sua vez, gera emprego e renda, o dinheiro investido para tal poderia ter sido utilizado de maneira mais produtiva, gerando um benefício econômico maior. Esse exemplo encapsula a essência de sua teoria do “invisível”, que explica que os custos e oportunidades “não vistos” são frequentemente mais significativos do que os benefícios visíveis imediatos.
Para Bastiat, é inegável que a contratação destinada ao conserto do objeto quebrado – ou a contratação da mão de obra necessária para as reformas públicas em caso de tragédias naturais, por exemplo – gera emprego e circulação de renda; no entanto, a grande lição extraída “do que não se vê” é que justamente esse dinheiro gasto na reparação do status quo ante poderia ter sido direcionado para algo que escalasse o nível de desenvolvimento anterior e proporcionasse um benefício adicional para a economia. Se, em vez de gastar o dinheiro consertando um relógio quebrado, ele fosse usado para comprar um sapato novo, a pessoa teria tanto o relógio quanto o sapato, aumentando seu patrimônio e, por consequência, sua riqueza.
Essa ideia, a princípio um tanto abstrata, materializa-se quando contrastada à tragédia natural ocorrida no Rio Grande do Sul, em que enchentes devastadoras causaram destruição generalizada em todo estado gaúcho. Certamente, a negligência do Estado com a infraestrutura e a prevenção de desastres resultou em um cenário em que recursos consideráveis precisaram ser alocados para reparar os danos – danos esses certamente evitáveis. No caso em testilha, a teoria de Bastiat ensina que, se esses recursos tivessem sido investidos proativamente na melhoria e manutenção da infraestrutura, além de programas eficazes de prevenção, os efeitos devastadores poderiam ter sido mitigados ou até evitados. Assim, ao invés de simplesmente alocar toda uma gama de recursos buscando restaurar o status quo ante, os investimentos poderiam ter escalado o nível de desenvolvimento e proporcionado benefícios adicionais à economia, demonstrando claramente a importância de considerar o “invisível” nas decisões de políticas públicas.
Retomando a lição de Bastiat, a principal lição da obra ensina que focar apenas no que é visível pode levar à ignorância dos custos ocultos e das oportunidades perdidas. Segundo ele, os primeiros impactos são sempre visíveis, enquanto os impactos mais relevantes são os seguintes – e estes são invisíveis. Para Bastiat, quando o primeiro efeito da ação econômica é positivo, cuja percepção é visível, provavelmente os demais efeitos, “invisíveis”, serão negativos – sendo estes os de maior impacto e relevância para a economia. Noutro norte, quando o primeiro impacto, visível, é negativo, provavelmente os próximos impactos, invisíveis, representarão efeitos positivos para a economia como um todo.
No contexto brasileiro, tais hipóteses podem ser exemplificadas por meio da adoção de políticas públicas e econômicas que, à primeira vista, mostram-se medidas benéficas para uma grande parcela da população; contudo, as consequências indiretas desencadeiam crises com risco de difícil reparação. Um exemplo um tanto controverso que merece abordagem específica é o Bolsa Família: a princípio, o programa de assistência social proporciona um alívio imediato e visível às famílias de baixa renda, garantindo-lhes uma renda mínima para sobreviver; no entanto, o custo invisível reside o possível desincentivo ao trabalho e a perpetuação da dependência do governo, em vez de promover a autossuficiência e o desenvolvimento de habilidades que poderiam gerar benefícios econômicos mais duradouros.
Bastiat leciona que o acúmulo de impactos invisíveis negativos é muito mais marcante para a economia do que a “maquiagem” do primeiro impacto, positivo e visível. Segundo o economista, ao focarmos apenas no que é visível, corremos o grave risco de ignorar os custos ocultos e as alternativas de uso mais eficiente dos recursos, e essa percepção é fundamental para entender a economia de uma maneira mais abrangente e evitar decisões baseadas apenas nos efeitos imediatos.
Ao longo das várias metáforas narradas nos capítulos da obra, Bastiat convida o leitor a enxergar além das consequências imediatas das ações econômicas. Ele demonstra como, ao considerar os efeitos a médio e longo prazo, podemos identificar oportunidades que antes não eram percebidas. Uma vez que essas oportunidades são expostas e, se não forem aproveitadas, conclui-se que agir de forma diferente seria o mesmo que perdê-las.
Para ilustrar sua tese, Bastiat utiliza uma série de exemplos práticos. Ele começa com a ideia de obras públicas, mostrando que, embora as agendas possam parecer benéficas para a sociedade organizada ante o potencial de geração de empregos e desenvolvimento de infraestrutura, muitas vezes os projetos representam alocações ineficientes de recursos que poderiam ser usados de forma mais produtiva.
Em uma comparação análoga às grandes obras públicas promovidas no Brasil, como a construção de estádios para a Copa do Mundo de 2014, é certo que tais avanços trazem benefícios visíveis à sociedade organizada como um todo, como empregos temporários e aumento do turismo. No entanto, os custos invisíveis incluem a alocação ineficiente de recursos que poderiam ter sido direcionados para a saúde, educação e infraestrutura de longo prazo, em contraposição à realização de obras faraônicas que, na maioria das vezes, acabam por residir obsoletas. Verifica-se, em casos como esses, o prejuízo consignado no custo de oportunidade ao ceder o investimento em áreas que trariam benefícios mais sustentáveis para a sociedade.
A lição de Bastiat casa também com essa ordem de ideias, na medida em que o autor critica a criação de trabalho inútil, que, embora possa gerar empregos visíveis, não adiciona valor real à economia – e pode até ser prejudicial.
Outro exemplo relevante no contexto contemporâneo brasileiro refere-se aos subsídios concedidos à indústria de açúcar e álcool. Embora tais subsídios ajudem a manter empregos e a produção nacional, eles também distorcem o mercado, impedindo que indústrias mais eficientes e inovadoras floresçam, resultando em uma alocação ineficiente dos recursos econômicos. Bastiat tece considerações a respeito ao dispor críticas ao estímulo às artes. Ele mostra que nem todo incentivo estatal realmente fomenta a economia daquele setor, defendendo que a falta de incentivo estatal e destinação de recursos públicos próprios não significa desvalorização, mas sim que o setor precisa se tornar competitivo e independente para ser sustentável.
Da mesma forma, no Brasil, a Lei Rouanet, que concede incentivos fiscais para o financiamento de projetos culturais, é um exemplo contemporâneo de política que, embora bem-intencionada, pode gerar distorções econômicas. Isso porque a lei visa a estimular a produção cultural no Brasil, permitindo que empresas e cidadãos invistam parte de seus impostos em projetos culturais; no entanto, segundo as lições de Bastiat, ao invés de promoverem uma verdadeira independência e competitividade no setor cultural, tais incentivos costumam resultar em uma dependência contínua de recursos públicos.
O economista ensina que as verdadeira valorização e sustentabilidade do setor artístico e cultural ocorrem quando o ramo é capaz de se manter por meio da demanda do mercado, sem a necessidade de subsídios estatais, que acabam por desviar recursos que poderiam ser mais bem alocados em outras áreas da economia.
No que diz respeito ao imposto, Bastiat argumenta que, embora os benefícios dos gastos públicos sejam visíveis quando consideramos serviços públicos úteis, os custos desses impostos frequentemente superam os benefícios. Ele exemplifica isso com a ideia do “barato que sai caro”, em que o custo real de um serviço público é mascarado pelos impostos necessários para financiá-lo. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é amplamente valorizado por fornecer atendimento gratuito à população; no entanto, os elevados impostos que financiam o SUS resultam em uma carga tributária significativa para os cidadãos e empresas. Muitas vezes, a eficiência e a qualidade dos serviços oferecidos pelo SUS são questionáveis, com longas filas de espera e falta de recursos em hospitais. Sobre tal aspecto, os ensinamentos de Bastiat conduzem à conclusão, por mais controversa que pareça ser, de que, se os recursos coletados por meio de impostos fossem menores e geridos com mais eficiência, o setor privado poderia suprir muitas dessas necessidades de forma mais eficaz e com melhor qualidade, resultando em um sistema de saúde mais eficiente e menos oneroso para a sociedade.
Na esteira desse entendimento, Bastiat também discute a importância dos intermediários na cadeia produtiva capitalista. Ele argumenta que a ideia de ser “mais caro” pagar por serviços intermediários é uma ilusão criada pelos entes governamentais, que certamente gostariam de dominar os meios de produção, porém, o resultado implicaria em custos maiores e menos eficiência.
Adicionalmente, oautor trata da introdução de máquinas e tecnologias, argumentando que, embora as inovações possam reduzir a oferta de trabalhos manuais, elas trazem novas oportunidades, maior produtividade e eficiência, beneficiando a economia como um todo a longo prazo. Nesse contexto, é incontroverso que um dos maiores desafios da sociedade contemporânea organizada refere-se à ascensão da inteligência artificial (IA).
Embora a IA esteja automatizando muitas tarefas que antes eram realizadas por humanos, resultando em uma redução da oferta de empregos manuais e administrativos, ela também está criando novas oportunidades e setores de trabalho. Para aqueles que buscam constantes atualizações e atuam como operadores das ferramentas fornecidas pela IA, a tecnologia disponível oferece um leque de oportunidades e impulsiona avanços em áreas como saúde, transporte e finanças, aumentando a eficiência e permitindo inovações que eram inimagináveis há algumas décadas. Além disso, a demanda por profissionais qualificados em ciência de dados, desenvolvimento de algoritmos e gestão de sistemas de IA está crescendo rapidamente, gerando empregos altamente qualificados.
Mais uma vez, a teoria de Bastiat se mostra atemporal, na medida em que, assim como outras inovações tecnológicas do passado, a IA, ao aumentar a produtividade e a eficiência, trará benefícios econômicos substanciais a longo prazo, mesmo que os impactos imediatos no mercado de trabalho pareçam desafiadores.
No que diz respeito a empréstimos e tomada de crédito no geral, Bastiat adverte contra a demonização do crédito, mas enfatiza que deve ser usado de forma prudente e eficiente. Ele explica que os custos reais e os riscos associados aos financiamentos são frequentemente ocultos e que o uso responsável do crédito é crucial para o crescimento econômico sustentável.
Bastiat critica fortemente as políticas protecionistas, argumentando que elas beneficiam apenas um pequeno grupo às custas de toda a sociedade. Ele defende que, quando agimos em prol dos nossos próprios interesses, nossas escolhas tendem a ser melhores e nossos recursos mais bem alocados do que quando geridos pelos entes governamentais, independentemente de suas boas intenções. Seu intuito principal é nos desafiar a pensar de forma crítica e questionar o óbvio para ter uma compreensão mais abrangente e uma visão macro dos efeitos econômicos.
No contexto atual, essa crítica pode ser aplicada às práticas de importação de produtos de baixo preço e custo por meio de sites como Shein, AliExpress e Shopee. Tais plataformas permitem que consumidores comprem diretamente de fabricantes estrangeiros a preços significativamente mais baixos do que os oferecidos por muitos varejistas locais; enquanto isso, as políticas protecionistas que impõem tarifas e restrições às importações podem encarecer esses produtos e limitar o acesso dos consumidores a essas opções mais econômicas.
A economia liberal defendida por Bastiat entende que essas políticas protecionistas, embora destinadas a proteger a indústria nacional e preservar empregos locais, acabam beneficiando apenas um pequeno grupo de produtores nacionais às custas dos consumidores. A longo prazo, tais políticas podem impedir que a economia se adapte e se torne mais competitiva no mercado global. Por outro lado, a livre importação de produtos de baixo custo não apenas permite que os consumidores economizem dinheiro, mas também obriga os produtores locais a inovar e melhorar sua eficiência para competir. Isso, por sua vez, pode levar a uma alocação mais eficiente de recursos e a um aumento geral da produtividade econômica. Dessa forma, vê-se que, por qualquer viés que se busque enxergar, Bastiat defende que a liberdade de escolha e a ausência de barreiras protecionistas tendem a beneficiar a sociedade como um todo, promovendo um mercado mais dinâmico e competitivo.
O economista faz críticas ao chamado “sofismo”; contrapõe as ideias de poupança e luxo; aborda os direitos “ao trabalho” e “ao lucro”; fala do papel do Estado na sociedade organizada; trata dos conceitos “antônimos” de miséria e abundância; envolve políticas eleitorais encobertas em ações econômicas; critica a ilusão de riqueza criadas por incentivadores do fomento de políticas públicas; e, enfim, desafia o leitor a pensar de forma crítica e a considerar todas as consequências de uma ação econômica, não apenas os efeitos imediatos visíveis.
O Que Se Vê e o Que Não Se Vê é uma obra essencial para qualquer pessoa interessada em economia. A clareza e precisão com que o autor expõe suas ideias tornam essa leitura indispensável para entender os efeitos econômicos de curto e longo prazo.
*Beatriz de Castro Gomes, Mestranda em Direito nas Relações Econômicas e Sociais – O Direito Empresarial na Ordem Econômica Brasileira e Internacional pela Faculdade Milton Campos, Pós-Graduada em Direito Empresarial pelo IBMEC e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Sócia e Advogada no Escritório JD Advocacia Empresarial.